Trabalhe! - Capítulo 21

Abril

Dia 9

18:23

Hoje tive um dia bem calmo, Bia conseguiu colocar a cabeça no lugar. As outras coisas que podiam ser problemáticas estão até que bem, até os prazos eu consegui adiar por sorte e com ajuda do Eichy.

Isso mesmo, finalmente estou tendo paz! Apesar de ter um mau pressentimento de que é apenas a calmaria antes da tempestade.

Contudo ainda é uma calmaria. Me pergunto como deveria me aproveitar dela. O expediente já está para acabar, talvez eu devesse jogar alguns jogos? 

Eu só preciso esperar o Caio e a Ana saírem, seria ruim ficar jogando com eles por perto, mas… que saco! Por que os dois resolveram ficar até mais tarde hoje? Pior, os dois estão com cara de que querem falar comigo.

Suspiro! Como eu disse, esse momento é só uma pequena paz antes da tempestade, meus instintos nunca erram.

19:00

Foda-se, mando uma mensagem para Ana falando que podemos nos ver mais tarde na minha casa ou algo do tipo.

Pronto, pelo menos dela eu me livrei. 

Agora que estou sozinho com o Caio me pergunto se ele vai vir falar comigo.

— Iky, está ocupado? — E não é que eu estava certo, só espero que seja algo rápido, sério, eu imploro que seja uma coisa rápida.

Abro um sorriso falso no rosto e fecho o computador. — Claro, sem problemas.

— Ok, eu queria te perguntar como eu deveria agir com a Bia, porque… — Isso vai ser um saco!

Meus maiores medos se tornam realidade, e mais um problema aparece na minha vida.

No caso, Caio veio diretamente para me pedir ajuda ou conselhos, chame como quiser.

Bem, ele é muito chato, mas vou resumir o pedido: como eu faço para não ser chato para caralho e incomodar todo mundo?

Claro, ele usou palavras completamente diferentes, mas foi isso que ouvi.

Por que as coisas não podem ficar calminhas? Dessa vez eu nem fiz nada para causar isso. Os problemas literalmente ficaram me esperando até as 7 da noite apenas para virem na minha direção.

Calma, calma, eu só preciso pensar numa resposta que acabe com tudo rápido.

— Vou colocar de forma simples, seu perfeccionismo e maneira de falar acaba inevitavelmente ofendendo os outros, além de gerar pressão desnecessária. 

Começo minha explicação sobre como o Caio ser chato para caralho é um problema. Com pessoas briguentas o jeito arrogante dele de falar gera brigas, com pessoas tímidas gera pressão e com o Eichy… Ele é um tipo único de pessoa cujo único talento é socializar, então ele não é afetado.

— Sim, sim, eu notei isso… — Depois de ouvir toda minha explicação, o garoto murmurou envergonhado.

Droga! Não me dê esse olhar de arrependimento honesto! Também sai com essa aura de quero aprender para lá! Eu não quero ensinar nada para ninguém, pode ir embora.

Infelizmente, não posso mandar ele para casa do caralho. Só me resta continuar a falar merda e tentar resolver essa pica logo.

— Relaxa, não precisa se sentir culpado ou qualquer coisa do tipo, faz parte do aprendizado. Pelo menos, você já admitiu o problema e está tentando melhorar, a maioria nem isso faz. 

Ele assente com a cabeça. — Obrigado.

— Haha! Não tem que me agradecer, só falei a verdade. Tenho certeza de que ira longe se manter esse tipo de humildade e busca por melhorar. — Agora só falta aprender a escolher melhor seus mentores, porra! Você é cego por acaso? Vai pedir conselho para mim, sério?

Por que todas as pessoas à minha volta são idiotas o suficiente para querer contar comigo? É óbvio que essa é uma péssima ideia!

Vale dizer, agora Caio está super feliz. Assim, ele mantem aquela cara fechada é séria de sempre, mas posso ver que ele mal consegue conter o sorriso depois de ser elogiado.

Parece que esse cara realmente gosta de ser enaltecido, principalmente quando dizemos coisas como: “você tem futuro” ou “você faz o que ninguém mais faz”.

— Mas, no fim, qual é a melhor forma de agir? — Merda, fui falando tantas coisas que esqueci que esse era o assunto inicial.

— Hummm! — Pensa, pensa em algo rápido, qualquer porra serve. — Sendo bem honesto sobre sua pergunta, isso é bem difícil. Existem centenas de truques sobre como lidar com as pessoas para diferentes ocasiões. Entretanto, a experiência em si é fundamental, principalmente no caso da Bia onde a culpa não é exatamente sua.

Caio olha para mim pedindo por mais, que saco! Esse cara não sabe interpretar texto? Eu claramente disse: “vai praticar que você aprende na tentativa e erro, filha da puta”.  

Suspiro! Parece que preciso pensar em alguma baboseira para despistá-lo, qualquer coisa, vamos cérebro conto com você. Digo:

— Não sei se vai funcionar tão bem, mas por enquanto recomendo você começar criticando e avaliando meu trabalho, vou até fazer coisas erradas de propósito para isso, enquanto você estiver me dando bronca eu te explico em que pontos pode ser mais ríspido, mais brando, mais atencioso, eventualmente vai conseguir fazê-lo por si mesmo.

— Ok, mas e quando forem outras pessoas fazendo merda?

— Ai você fala comigo e eu resolvo.

— Ok.

E agora eu virei professor e baba de idiota! Que saco, primeiro a Ana e agora o Caio, por que tenho que ficar ensinando retardados a socializar? Porra, se é para ensinar pelo menos queria receber algo por isso.

Apesar de que eu não sei nada sobre comunicação, nem sobre qualquer outra coisa, sou o pior professor possível. Ninguém pagaria para mim.

Hummm!

Já sei! Vou vender cursos na internet é só eu fingir que sei alguma coisa e…

22:00

Deixando meus devaneios de lado, parece que a conversa com Caio me tomou muito tempo, tanto que eu só chego em casa tarde para caralho.

E a Ana está me esperando, maravilha, tinha esquecido dessa porra! — Desculpe o atraso. — Falo com honestidade, até porque ninguém merece esperar tanto, se fosse eu teria ido embora há muito tempo.

— Não tem problema.

— Ok, enfim, o que quer? — Agora que parei para pensar, quando foi que a Ana conseguiu a chave da minha casa? Por que todo mundo pode entrar na minha casa assim sem mais nem menos? Será que até a fechadura da minha porta é preguiçosa?

— Só queria saber se está tudo bem, sobre o que pretende fazer, se quer ajuda, sei lá, algo do tipo. — De novo essa porra.

Sou um peteleco na cabeça dela. — Não precisa se preocupar, além do mais, não fique esperando tanto só para dizer isso! É muito trabalho e o celular existe para isso, era só ter perguntado por mensagem.

— Eu prefiro fazer assim, dizer pessoalmente é melhor, acho. Além do mais, para mim não tem problema esperar. — E para mim você tem problemas mentais, mas não vem ao caso.

— Ok, ok, enfim, e você, como está indo, muito ocupada? 

— Estou indo bem. — Mentira detectada.

— Posso ver sua agenda, então?

— Não dá, porque… Eu esqueci. — Incongruência detectada.

— Não tem como eu ignorar essa pausa suspeita, agora vamos me mostre, eu sei que você usa uma agenda online.

— Eu esqueci a senha. — Definitivamente não é verdade.

Fico quieto e estendo a mão pedindo pelo celular dela. Ana desiste e…

— Que porra! Já se lotou de novo, eu não disse para falar não quando não der para fazer tudo? — Dou outro peteleco.

Ana olha para baixo de forma culpada. — Foi mal.

Respiro fundo e suspiro. — Ok, a gente vê isso amanhã. — E minha lista de trabalho para fazer parece só aumentar.

— A propósito, já ia esquecendo, A Suzana pediu para avisar que vai viajar a negócios, então ela vai estar fora pelo resto do mês. — Então foi assim que ela entrou na minha casa.

— Ela veio aqui?

— Sim, acho que ela queria se despedir antes de viajar, já que vai ficar sem ver você por um longo tempo. — Duvido muito, ela deve ter vindo para infernizar minha vida uma última vez, isso sim.