The Paradise Tower - Capítulo 1
Capítulo 1: A criação de um herói – parte 1.
O vento soprava sobre seu cabelo castanho. Seus olhos semi serrilhados olhavam em direção à ponta dos dedos roxos, suas orelhas expostas doíam com o forte frio cortante e sua garganta secava a cada segundo que permanecia com os pés atolados na neve. Com partículas de frio entrando sobre sua bota, suas meias aos poucos ficavam encharcadas. O tato não podia mais ser sentido e em poucos minutos sua língua congelaria, mas ele estava ali, parado e sem reação, olhando para todo aquele enorme amontoado de neve.
A torre. Yuri estava ali pela segunda vez, mas… o que era a torre?
Até o momento era o local em que estranhos eram selecionados para se matarem, ou melhor, serem feitos de sacrifícios para os deuses. As pessoas simplesmente eram obrigadas a participarem todo ano. O representante, responsável pela organização, Dyson Braun, era um homem de muitos mistérios. Seu nome não estava ligado a nenhuma rede de comunicação nem a dados do governo, quem era essa pessoa?
O único local em que seu nome estava ligado, a única forma de reconhecê-lo era pela torre.
Contudo, que deuses são esses? Quais são os benefícios para esses sacrifícios? O que é aquele local com diversas fotos? Quem é Vayne? E por fim, quem é Yuri?
O tempo descongela e seus olhos piscam novamente após alguns minutos. A respiração ofegante formava uma fumaça densa que podia ser vista devido a diferença de temperatura entre seu corpo e o ambiente. Ele não sentia mais seus ouvidos, mas por algum motivo sabia que deveria dar atenção para eles. Então, ele começa a ouvir novamente.
A voz foi aos poucos crescendo e tomando forma. Era fina e doce. Ela proclamava seu nome.
[Yuri!]
Parte 1
[Visão de Yuri]
Eu nasci em uma família pobre, mas que independente de tudo sempre sorria. Meu pai, o homem pelo qual eu mais tinha orgulho de estar ao lado, era o meu herói número um!
Desde pequeno me ensinaram que fazer as pessoas sorrirem é melhor do que fazê-las chorar, e devido a isso eu sempre sorria. Era como se eu pudesse transmitir minha felicidade para elas, era o que eu pensava.
Minha mãe era uma mulher muito bonita, tinha longos cabelos escuros e deslumbrantes olhos esverdeados, assim como minha irmã.
Me aproximei da cama em que minha mãe estava e encarei o recente bebê sobre seus braços.
“Mamãe, é uma menina ou um menino?”
E com um brilhante sorriso, ela me respondeu:
“Yuri, essa é sua nova irmãzinha. O nome dela é Yui, cuide bem dela, viu?!”
Minhas mãos se aproximam do delicado rosto de minha irmã. Suas bochechas eram fofas e macias. Suas pequenas mãos se aproximaram da minha e seus dedos se entrelaçaram em meu indicador. Fiquei espantado na hora, mas ela apenas sorriu, sorriu pela primeira vez com aquele enorme espaço da boca sem dentes.
“Yui, é um nome parecido com o meu… legal! Bem vinda a família, Yui.”
A partir daquele momento, após olhar para os olhos repletos de felicidade, eu sabia que eu exercia uma nova função. Cuidar de Yui. E foi exatamente isso que eu fiz pelos próximos anos. Eu acompanhei seus primeiros passos, suas primeiras palavras e até mesmo troquei sua fralda, mas percebi que não ganhava nada com isso. Eu amava minha irmã, mas e eu? Onde eu me encaixava na família? Minha existência foi se esvaziando cada vez mais daquela casa. Percebi que a existência daquele ser doce e pequeno mudou as coisas, eu não era mais uma estrela para meus pais, mas ela era. Eu… eu precisava me livrar dela. Eu precisava sentir que se importavam comigo novamente.
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Era quarta-feira, estava sol e fazia calor. Caminhei rapidamente até meu pai e o chamei para sairmos dar uma volta. Ele topou, então pegamos nossas bicicletas e fomos em direção às montanhas perto de casa.
As árvores verdes cobriam a paisagem como se fossem um enorme tapete. O céu azulado com grandes nuvens parecia uma pintura. Eu adorava morar ali, era próximo às barracas no centro da cidade, mas não muito movimentado.
O vento batia sobre nossos rostos e fazia nossas roupas sacudirem. Andando pela estrada de terra eu me sentia revigorado. Olhei para meu pai que estendia os braços e fechava os olhos em direção ao caminho. Assustado, eu gritei:
“Pai! Tome cuidado, o senhor pode cair!”
Mas ele apenas riu e olhou para mim. Sua voz era grave e aconchegante, e com sua esbelta voz ele me disse:
“Não se preocupe Yuri! Veja, olhe para as montanhas, elas não são lindas?”
Eu tentei imitar o meu pai e também fechei meus olhos, mas em poucos segundos senti o guidão da bicicleta bambear e lentamente me jogar ao chão. Essa era minha última tentativa de fazê-lo se importar comigo, me machucando. Ele se aproximou de mim preocupado.
“Yuri! Tudo bem?”
E naquele momento pude me sentir importante. Faziam meses, ou melhor, anos, que eu não escutava meu nome em uma frase de preocupação. Aquilo me fez tão feliz que lágrimas caíram de meus olhos.
“Ei, ei, ei. Não precisa chorar, foi só um arranhão.”
Secando minhas lágrimas com a manga da blusa, eu me levantei e sorri, esquecendo-me completamente da latejante dor que fluía sobre meus joelhos.
“Sim, foi só um arranhão.”
Peguei minha bicicleta no chão e após verificar se não havia nada amassado, nós voltamos para casa.
Chegando em frente a minha aconchegante casa, o sol já havia se posto. Abrindo a porta ouvi um barulho de passos correndo vindo da escada, era Yui. Ela correu entusiasmadamente até a minha direção, mas parou de forma brusca quando seus olhos se depararam com o sangue em meus joelhos.
“O que aconteceu, Yuri?”
Com as mãos sobre a cabeça e a voz trêmula, a pequena menina de longos cabelos se aproximou de mim chorando. Como eu sou insensível, pensei. Pedi desculpas para ela internamente e dei um passo para dentro do teto. A preocupação que eu queria sentir por tanto tempo estava bem diante dos meus olhos.
Abracei-a com grandes arrependimentos dos meus pensamentos e depois fechei a porta.
O cheiro vindo da cozinha era extremamente bom, minha mãe fazia uma sopa deliciosa para o clima de frio que chegaria mais a noite. Subi as escadas até o meu quarto e troquei de roupa após tomar um banho. Voltei para a sala e me sentei no sofá juntamente com Yui, ela assistia a um antigo programa de TV sobre super heróis, fiquei olhando para seu rosto sorridente enquanto repetia freneticamente em minha cabeça que eu não prestava.
“Ei, Yuri.”
Ela me chamou.
“O que foi?”
“Você gosta de super heróis?”
“Não sinto nada em relação a eles. Por que?”
Quando voltei meus olhos para ela, sua bochecha estava inflada e ela olhava diretamente para mim com o cenho franzido.
“Ei, que cara é essa?”
“Como você pode não gostar de super heróis? Eles são incríveis! Eles salvam as pessoas, espalham felicidade para os tristes e derrotam um monte de caras maus.”
Naquela idade era normal eu me interessar por essas coisas, porém eu não me importava, mas após ouvir aquelas palavras, super heróis começaram a se tornar algo incrível para mim.
“Espalhar felicidade para as pessoas, né?” Eu murmurei.
Então eu virei minha cabeça para a antiga televisão, e sendo sincero, não sei por quantas horas fiquei sentado ao lado de Yui assistindo a programas de heróis. Só sei que aquelas palavras me possibilitaram mudar a vida de diversas pessoas no futuro.
Mais tarde nossa mãe nos chamou para comer, e assim como o cheiro, o gosto estava delicioso. Minha mãe sempre foi muito boa cozinhando, ela sempre dizia que desde sua infância fazia comida para seus irmãos. Eu nunca conheci meus tios, mas imagino como eles devem ter sido felizes tendo minha mãe por perto.
Enquanto comíamos a sopa, ela me perguntou o porquê de eu ter machucado os joelhos, então eu olhei para meu pai. Acho que ela entendeu na hora, já que imediatamente começou a discutir com ele.
“Eu já disse para você tomar cuidado com a forma que brinca com ele. Ele pode se machucar.”
“Sim, eu sei, foi apenas um acidente, certo, Yuri?”
“Sim…”
Com uma colher de sopa na boca e particularmente desinteressado, eu respondi.
Minha mãe era muito preocupada e protetora, e se tornou ainda mais depois que Yui nasceu. Eu não brincava muito com ela, já que ela ficava limpando a casa o dia todo, e quando não estava limpando, dizia que não se sentia bem. Por isso eu brincava com meu pai. Quando eu era menor nós brincávamos quase todos os dias, mas devido a seu trabalho a frequência diminuiu.
Trabalho, algo que eu admirava nos adultos. Como eles podem passar tanto tempo fazendo a mesma coisa? Quando eu crescer vou fazer a mesma coisa que meu pai, mas… o que meu pai fazia?
Após terminarmos a janta, minha mãe nos mandou subir para nossos quartos. Já era tarde da noite e Yui bocejava sem parar, então decidi subir com ela e coloquei-a na cama. Após poucos minutos ela dormiu.
Eu sempre tive curiosidade para descobrir com o que meu pai trabalhava, então fechei a porta do quarto de Yui e desci lentamente as escadas. Meus pais ainda estavam na cozinha conversando, mas de onde eu estava eu não conseguia escutar. Permaneci ali por alguns minutos e quando estava quase desistindo, meu pai abraçou minha mãe e foi em direção ao corredor. Lá havia um escritório em que meu pai não me deixava entrar, ele sempre falava que eram coisas de adultos e que não tinha necessidade de eu olhar. Mas isso sempre me deixava mais curioso.
Desci as escadas de madeira escura e me escondi atrás do sofá, esperei a minha mãe virar as costas e dei uma leve corrida para o corredor.
“Ufa, ela não me viu.”
Passei pela TV e vi que ainda estavam apresentando programas sobre heróis, lembrei do sorriso de Yui e me decidi de vez. Vou me tornar um herói. Após esboçar um leve sorriso, voltei para o meu foco principal, descobrir o que tinha na sala de escritório de meu pai.
Caminhei lentamente grudado na parede, tentando ao máximo esconder minha presença. Quando cheguei próximo a porta vi que a luz estava acesa, me aproximei mais um pouco e coloquei minha cabeça sobre as juntas da porta. Estava aberta, que sorte a minha.
Vi a figura de meu pai andando em círculos como se estivesse agitado. Ele segurava um telefone em sua orelha e vez ou outra batia a mão nas pernas e se apoiava sobre a escrivaninha marrom dentro do quarto. Eu não escutava nem via muito bem, então decidi tentar abrir um pouco mais a porta. Uma fresta se abriu e ele não percebeu. Suspirei em alívio.
Em relação ao escritório, era bem normal. Era bem pequeno na verdade.
Então pela primeira vez consegui ver o rosto de meu pai. Ele estava suando.
“Eu já disse ‘B’ eu não consigo recrutar mais pessoas, está se tornando loucura. Não posso mais me envolver nisso, muitos já morreram, já chega!”
Alguns segundos de silêncio se estenderam até ele começar a falar de novo.
“Ei, me escuta cara. Eu tenho uma família, tenho dois filhos, não me envolva mais nisso. Eu sei que eu havia prometido te ajudar, mas está passando dos limites. Eu não aguento mais ter que enterrar corpos de pessoas mortas, nós estamos matando todas elas! Não é mais um experimento, está se tornando um massacre!”
E na mesma hora, meu pai se virou para a brecha da porta. Eu me escondi o mais rápido que pude, minha respiração começou a ficar pesada e eu não conseguia me mexer. Ouvi os passos dele se aproximando lentamente da porta. As veias do meu pescoço saltaram com a força que eu estava fazendo para andar, mas minhas pernas não se mexiam.
“Te ligo mais tarde ‘B’, mas como eu disse, já chega.”
Eu consegui me mover e corri o mais rápido que pude, subi as escadas e ignorei totalmente o fato de minha mãe ainda estar na cozinha. Abri a porta do meu quarto e peguei qualquer coberta que avistei no chão. Deitei-me rapidamente na cama, escondi minha cabeça com a coberta e virei as costas para a porta.
Pude ouvir os passos pesados subindo degrau por degrau. Consegui sentir a presença de alguém me olhando pela porta, ele estava parado me observando. Pensei que se fingisse estar dormindo ele iria embora, no entanto, ele continuou. Sem eu conseguir ouvir, ele caminhou até minha cama desviando de todos os brinquedos jogados no chão. Inclinando seu corpo, ele me abraçou e sussurrou em meu ouvido:
“Boa noite, Yuri.”
E então virou as costas e saiu. Ele não deve ter percebido, mas por debaixo da coberta minhas mãos tremiam e eu suava loucamente.
A partir daquele momento, o homem que eu tanto admirava, o homem que era meu herói número um… tornou- se um assassino para mim.
A sensação daquele dia, a angústia que eu senti, foi uma das piores coisas que eu já senti em toda a minha vida. A sensação de ser traído por meus próprios pais é horripilante.
Meses depois descobrimos que a doença da minha mãe havia piorado.
Parte 2
Yudi Suzuki, 16 anos, um menino de ouro e muito inteligente. Desde cedo sempre deu orgulho para seus pais. Era estudioso, astuto e corajoso, a definição de pessoa perfeita. Não tinha muitos amigos, nem namorada. Vivia isolado sobre o teto do quarto estudando e lendo livros sobre mitologia e sobre o Egito.
Mas assim como o ciclo evolutivo da vida, as coisas mudam. E essa mudança de comportamento e interesse foi causada justamente por seu único amigo, Dyson Braun.
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Com os pés descalços sobre a cama, os dois meninos com aparência “nerd” penduravam um enorme mapa do Egito próximo ao guarda-roupas. Nele, havia locais circulados com uma caneta vermelha. Dentro das esferas, nomes eram distribuídos:
“okar; Apófis; Anúbis… Qual era o outro mesmo?”
“Seth.”
O outro responde.
“Pronto, acho que acabei.”
Os dois desceram da cama e se afastaram para terem uma melhor visão sobre o mapa. Após alguns passos para trás no pequeno quarto bagunçado, seus olhos começaram a brilhar.
“Ficou incrível!”
Os dois disseram em simultaneidade enquanto se olhavam.
Limpando o suor da testa eles se estenderam na cama.
“Ei, B, cuidado sujar meu lençol com sua maquiagem.”
“Certo, não se preocupe.”
Yudi Suzuki e Dyson Braun. Esses eram os nomes dessas crianças.
Yudi conheceu Braun em seu colégio enquanto caminhava em direção ao refeitório com seu livro na mão, ele esbarrou em um menino que usava maquiagem. Ele aparentemente não tinha amigos e sofria bullying por causa disso.
“Ei, você está bem?”
Agachando para pegar os livros que o menino havia derrubado, Yudi notou algo peculiar e não conseguiu se manter quieto, então perguntou:
“Ah, você também gosta de histórias mitológicas e antigas?”
O menino ainda no chão ficou quieto por alguns segundos, mas logo se levantou e bateu sobre os ombros e pernas finas para retirar o pó.
“Não é como se eu gostasse, apenas acho peculiar.”
Ele respondeu indiferente.
Yudi retirou o marca páginas que estava na página 380 e em seguida leu em voz alta a frase grifada com uma caneta.
“Roxo, cor predominante dos sacerdotes na purificação da vida pela justiça.”
Retirando os olhos do livro e olhando para as olheiras pintadas de roxo do menino, Yudi fechou o livro e o entregou sem dizer nada. Logo depois agachou e pegou seu livro que também havia sido derrubado com o impacto. Ele abriu na página 380 e leu em voz alta.
“A paleta egípcia tinha seis cores: vermelho, verde, azul/roxo, amarelo, preto e branco.”
Então ele fechou o livro e novamente olhou para os olhos envergonhados que o encaravam.
“Acho que somos estranhos. Sou Yudi, Yudi Suzuki, prazer.”
Estendendo sua mão, ele o encarou por alguns segundos na espera de uma apresentação.
“Braun, Dyson Braun, prazer.”
E com isso foi formada a amizade entre dois grandes gênios, Yudi Suzuki e Dyson Braun.
Com o passar do tempo, os dois foram se aproximando. E se encontrando no laboratório de Braun, eles faziam diversos experimentos relacionados aos deuses antigos. Mas nunca obtiveram resultados positivos. E aquele dia não foi diferente.
“Ei, ‘B’, o que exatamente estamos fazendo?”
Sentado sobre uma cadeira no escritório e mexendo entediadamente sobre as páginas de um livro, ele se questionou.
“O que você acha? Nós já não havíamos conversado sobre isso?”
Parando o que estava fazendo, ele olhou para o chão, para cima do balcão e depois para Yudi.
“Pode pegar aquela chave para mim?”
Estendendo o braço para a caixa de ferramentas, Yudi entregou a chave. Olhando para a magra figura de Braun que construía alguma coisa gigante, ele o chamou novamente.
“Ei!”
Braun então se levantou e retirou o suor da testa, jogou a ferramenta que estava usando no chão, pegou uma cadeira que estava próxima a diversas tiras de metal e por fim se sentou em frente a Yudi. Seu jaleco branco, completamente coberto de graxa, era uma característica típica de sua pessoa. O som das calças apertadas ressoou pelo pequeno ambiente.
“Ei, o que você vê quando olha pra tudo isso?”
Os finos dedos, que mais pareciam ossos, apontaram para a enorme ‘coisa’ de metal dentro da garagem pouco iluminada.
Suspirando profundamente, Yudi cruzou as pernas, e com uma expressão de dúvida, respondeu com outra pergunta.
“Uma casa de metal?”
“Quase lá! Vamos, pense um pouco mais, você sabe o que eu quero fazer.”
O clima do local fechado começava a esquentar. As janelas fechadas impediam a entrada da luz e o cheiro de poeira corrompia suas narinas. Olhando para a figura pálida e sorridente em sua frente, Yudi engoliu em seco antes de olhar para o velho e mofado livro em suas mãos. A primeira frase que seus olhos leram foi:
“Compostos para a materialização dos deuses”
“Você só pode estar brincando…”
“Ei! Por que eu estaria brincando? Esse é o nosso sonho, um mundo onde os deuses dominam a existência humana.”
“Não pode ser verdade. O que diz aqui…”
Mesmo após completar a frase, seus olhos se recusaram a parar de ler as próximas linhas.
“Compostos necessários: Sangue humano, corpos humanos, pess-”
Ele fechou os olhos.
“Vamos, termine.”
Sendo persuadido, ele os reabriu.
“Pessoas vivas.”
“E-X-A-T-O!”
Completamente feliz, Braun rodopiou na cadeira freneticamente, mas após alguns segundos ele parou. Os olhos de Yudi o observavam diretamente.
Deixando o livro cair sobre o chão, suas mãos perderam completamente a força. E mesmo tentando falar, mesmo tentando questionar, sua voz se recusava a sair.
A cadeira por fim parou, e de costas para Yudi, ele se virou lentamente enquanto remava com os pés até o seu amigo. O barulho das rodinhas aos poucos foram se aproximando e seu rosto tomava forma diante da única e fraca luz em todo o local. Chegando próximo aos ouvidos de Yudi, Braun sussurrou:
“Vamos Yudi, me ajude com isso. Você me prometeu, lembra? Você disse que não importava quantos anos se passassem…”
Mesmo sabendo o final da frase, mesmo realmente tendo dito algo como aquilo, ele não imaginava a proporção que as coisas tomariam. E por fim, as palavras que ele já esperava saíram como uma brisa de outono pela boca de Braun.
“ … você iria me ajudar!”
Sua voz ia tomando forma e volume, e antes mesmo que percebesse, ele estava girando loucamente na cadeira.
“Kikikiki, VAMOS MATERIALIZAR OS DEUSES! VAMOS TRAZÊ-LOS DE VOLTA AO MUNDO!!! EU PRECISO DE VOCÊ, YUDI! SOMENTE ASSIM EU POSSO REALIZAR O MEU DESEJO.”
Yudi estava paralisado de medo.
“Então, o que me diz?”
Os lábios de Braun se aproximaram de seus olhos. Ele estava tão perto que sua respiração podia ser sentida sobre os pelos de seu nariz. E incapaz de responder de forma diferente, ele concordou.
“C-certo.”
O medo o havia lhe tomado. Por mais que não aceitasse nenhuma palavra do que ele dizia, ele concordou. Por mais que suas mãos tremessem e seu coração palpitava loucamente, ele concordou. Mas somente para agradar os ouvidos de Braun, somente para não correr o risco de aquele maluco fazer alguma coisa, ele aceitou. Foi simplesmente por puro medo.
“Então me ajude a terminar isso. Eu sinceramente não sei quanto tempo vai levar para ficar pronto, acredito que alguns anos, mas juntos nós conseguimos.”
Após pegar o martelo próximo a caixa de ferramentas e sorrir para o imóvel amigo que o acompanhava com o olhar, ele martelou por alguns minutos na caixa metálica gigante que estava construindo. Yudi ficou sentado e imóvel por todo esse tempo, ouvindo por longos 40 minutos as batidas do martelo. Até finalmente ouvir uma voz de apreciação seguido de um estrondo no chão.
“E-eu terminei!”
Os olhos de Yudi se moveram para a direção de Braun. Estava pronto.
“Ei, o que é isso?”
“Pode pegar o livro novamente?”
Seus olhos olharam diretamente para a velha capa jogada no chão. Após agachar e pegar o livro, ele abriu na página em que estava, mas não havia nada. Então ele foi para a próxima. E após ouvir o leve barulho do papel se dobrando, seus olhos se arregalaram.
“Etapa número 1: Cabine”
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Alguns anos depois.
A manhã iniciou com um clima frio, o vento batia sobre as árvores ao longo da montanha e trazia as cinzentas e secas folhas por todo o local. A janela da pequena moradia foi aberta na espera de encontrar alguma fresta de luz, mas logo foi fechada em decepção. A cama ainda bagunçada parecia chamá-lo de volta ao aconchego. Ele a encarou por alguns segundos, mas logo desistiu.
Caminhou em direção ao banheiro e abriu a primeira gaveta. As mãos ainda sonolentas buscaram uma escova de dente. Achou, mas não havia pasta. Um pequeno ruído soou após a madeira ser fechada. Ele se olhou no espelho, mas logo desviou os olhos.
“Tsc”
Os pés descalços seguiram sobre o piso de madeira até a porta de um quarto no segundo andar. Suas mãos aproximaram-se lentamente da maçaneta, que por alguns segundos se recusaram a abrir.
“Ela pode estar morta.”
Os pensamentos sobre essa possibilidade o atormentavam todas as noites. Mas mesmo relutante, ele abriu.
O barulho enferrujado pôde ser ouvido por toda a casa, por maior que fosse o cuidado, a porta ainda era muito velha.
Colocando parte do corpo entre o quarto sem fazer barulho, ele observou o corpo da linda mulher estirada sobre a cama. Os cabelos bagunçados e as roupas amareladas não passavam uma sensação de saúde, o que o deixava ainda mais inseguro. Ele então deu o primeiro passo, tentando ao máximo não gerar ruídos. Mas fracassou antes mesmo de começar. Uma tábua do chão partiu-se ao meio.
“Eu estou acordada, ouvi você entrando, não se preocupe.”
A doce voz chegou aos seus ouvidos. Um alívio imediato abraçou seu coração. Ouvir sua voz era como comer um pedaço de bolo, quando colocado na boca, gerava um momento de êxtase imenso.
“Desculpe, eu te acordei.”
Ele respondeu com uma sonolenta voz.
Aproximando-se da cama, ele coçou a cabeça com vergonha. E a poucos metros de distância, pôde por fim avistar seus olhos, que por mais doentes que estivessem, ainda transmitiam uma aura de leveza e alegria. Ela sorriu para ele.
“Tudo bem, eu já estava acordada.”
Seu rosto se aproximou do dela e seus lábios se encontraram. A conexão fluiu por todo seu corpo e foi transformada em felicidade instantânea.
“Bom dia, amor.”
“Bom dia, querido.”
Seus sorrisos se encararam por alguns segundos. Ele levou sua mão até o fino e delicado rosto sob o travesseiro, acariciou suas avermelhadas bochechas e a colocou em sua testa. Estava razoavelmente quente.
“Ei, você está com febre. Vou pegar uma toalha.”
Ela assentiu para os longos ombros que se viraram em direção a porta semi-aberta.
Após sair do quarto ele caminhou em direção a outras duas portas. Abriu o suficiente para conseguir enxergar por dentro e logo fechou. As crianças ainda estavam dormindo.
Movendo-se em direção a pequena cozinha, a porta da frente foi aberta com o vento, trazendo dezenas de folhas para a casa. Ele suspirou ignorando-as, procurou por um pano limpo e em seguida o encharcou de água. Aproveitando o caminho, pegou algumas frutas nas sacolas, preparou um chá e colocou tudo sobre uma tábua.
A rotina de Yudi Suzuki se baseava nisso, essa era a vida de um desempregado com dois filhos e uma mulher doente. A vida de alguém que abandonou os sonhos de seu melhor amigo para cuidar de uma mulher.
O trabalho com seu velho amigo ‘B’ já não existia mais, ele não fazia mais parte disso. ‘Conhecer um Deus’ não era um trabalho digno de se envolver com seu tempo. A aparição de Mary em sua vida o fez perceber isso.
Após levar o pano úmido ao andar de cima e voltar para a cozinha, o telefone tocou e ele atendeu. Ninguém sabe por quanto tempo e exatamente com quem ele ficou falando, mas Yudi mudou completamente sua expressão após colocar o objeto de volta ao gancho, ele não era a mesma pessoa. Ele desceu ao porão e ficou lá até o anoitecer. E na noite daquele mesmo dia, sua casa ficou em chamas. A morte desconhecida de Yudi e Mary diante dos olhos de seus dois filhos ficou conhecida pelo vilarejo inteiro. Existem boatos que dizem que mesmo durante o incêndio, o telefone da casa tocou descontroladamente.
Parte 3
[Visão de Braun]
Sinto-me em êxtase nesta situação. Eu encontrei alguém semelhante a mim, alguém com quem eu possa ser eu mesmo sem me preocupar com o que vão pensar. Essa é a oportunidade perfeita para eu realizar o meu sonho.
Sonhos, o multiverso ligado ao mundo não material. Mas, o que são sonhos?
Ao meu ver, são objetivos nos quais aqueles mais habilidosos pensam em conquistar, mas não no sentido físico, mas sim no imaginário.
As crianças ‘normais’ levam os sonhos como algo idiota e imensurável, mas eu era diferente. Eu tinha um sonho, e eu queria trazê-lo para o mundo não importando a maneira como eu iria fazer isso.
E para isso acontecer, eu precisava dele. A criança semelhante a mim, o menino que me ajudaria não se importando com o que tivesse que ser feito. Ele era a chave.
Mas no fim, eu consegui, e ele não me ajudou.
O caminho que eu segui até o dia da minha morte foi assustador, mas nada comparado ao momento em que aqueles olhos olhavam para mim com a intenção de me matar. Eu deveria ter me certificado de tê-lo matado no incêndio.
Talvez os sonhos realmente não sejam reais. Muitas pessoas passam a vida inteira em busca de seus objetivos e simplesmente morrem sem ao menos chegarem perto de cumpri-los. Eu não saberia dizer.
Contudo, eu realizei o meu sonho e me tornei um Deus, ou melhor, me encontrei com um graças ao filho daquele homem. Ele é um verdadeiro monstro. As barreiras dos sonhos não são altas o suficiente para pararem ele, ao menos foi o que eu senti enquanto caia com o rosto completamente ensanguentado sobre o chão. Nasce assim, um novo herói.
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Eu acordei por volta das 5:25 da manhã. Desliguei o despertador, arrumei a cama e em seguida, fui para o banheiro. Às 5:35 terminei meus afazeres e fui para a cozinha. Às 5:45 já estava tomando café.
Minha rotina baseava-se no ‘perfeito’, tudo deveria ser feito da melhor maneira e com a melhor economia de tempo, afinal, eu era sozinho, e para pessoas sozinhas, o tempo é muito importante.
Lavei a louça e arrumei a casa, quando eram exatas 7:00 da manhã, peguei meu telefone e telefonei para aquele número, o único em toda minha lista de contatos. Yudi Suzuki.
“Alô?”
A voz rouca do outro lado me atendeu. Eu sorri inconscientemente enquanto caminhava pela minha casa na procura de um jaleco.
“Quem é?”
E novamente ele me respondeu. Mesmo após tantos anos sua voz ainda parecia a mesma, isso me deixou tão feliz. Decidi que não poderia deixá-lo esperando, então pela primeira vez naquela manhã, abri minha boca para pronunciar as palavras que mudariam completamente nossas vidas.
“Yudi, sou eu.”
Eu esperava um retorno imediato dele, talvez uma voz de surpresa exorbitante, mas isso não atendeu as minhas expectativas.
“Vou desligar.”
Quando finalmente encontrei o jaleco, outra decepção. Ele se lembrava, mas parecia não se importar mais. Imaginei o telefone sendo levado ao gancho por ele, então rapidamente tentei outras palavras.
“Espere! Yudi, eu consegui!”
Eu não sei o que se passou pela cabeça dele com essas minhas palavras, mas se Yudi Suzuki lembrava da existência de Dyson Braun, ele com certeza sabia do que eu estava falando.
Decidi dar um tempo e não falar mais nada. Assim como havia planejado, ele não desligou, então pressupus que ele demoraria a responder. Coloquei o telefone sobre a mesa da cozinha e vesti o jaleco levemente amarelado que eu segurava. Peguei novamente o aparelho e antes que ele pudesse ter alguma reação, eu comecei a explicar tudo o que havia acontecido durante esses 25 anos. Como Yudi ainda tinha o mesmo número de telefone durante todo esse tempo? Ele era estranho.
“Voltei para o sul do país, Yudi. Eu trabalhei durante todos esses anos para poder realizar o nosso sonho. Fundei uma cidadezinha próxima ao centro comercial do país, existem muitas pessoas reunidas no mesmo lugar…”
Dei uma leve pausa na esperança de ele esboçar algum tipo de reação, mas imaginei que seria decepcionado novamente. Ah, claro, tudo o que eu estava dizendo era mentira, mas Yudi não sabia disso. Eu continuei.
“Fiz alguns testes recentes e parece que está funcionando completamente. Graças a sua ajuda eu consegui completar as últimas etapas. Só preciso terminar os arranjos para inaugurar essa divindade.”
Olhei para o relógio em meu pulso.
“9:32”
Murmurei para mim mesmo enquanto pegava algumas ferramentas com uma mão.
“Agora é a nossa chance, Yudi! Está tudo pronto. Eu estabeleci uma rede de sensores e de comunicação por todo o subterrâneo da cidade, nós vamos conseguir assistir em primeira mão a materialização. Eu consegui negociar com o governador do país, em troca de dinheiro ele me disse que consegue atrair as pessoas, está tudo em seu perfeito lugar!”
Peguei as chaves de casa e um outro celular de bolso. Suspirei de forma leve para Yudi não me ouvir no telefone. Caminhei pelas ruas pavimentadas da cidade por alguns minutos. Os comerciantes ainda não haviam montado suas barracas e os bares estavam próximos de serem abertos. Notei as carroças chegando com uma enorme quantia de pedidos. ‘Cervejas Braun’ dizia na embalagem. Dei um leve sorriso enquanto continuava a conversar com Yudi.
Durante todo esse tempo eu não ouvi mais sua voz. Foram 25 anos separados, e mesmo assim, o silêncio foi sua forma de se comunicar.
“Nós precisamos retornar com isso, eu pensei seriamente em melhores formas de executar o plano, se não der certo na primeira tentativa, nós podemos tentar de novo!”
E quando havia notado, cheguei ao meu destino. A velha casa de madeira, localizada no centro comercial da cidade. Olhei pela janela com uma luneta que havia trazido de casa. Lá estava ele, parado próximo a porta olhando para as escadas com o telefone na mão. Wishton, a cidade que eu fundei, ou melhor, a cidade que agora era minha.
Yudi viveu por todos esses anos sobre meu domínio. Desde os tempos do colégio, desde a faculdade, e desde sempre. Nosso encontro não foi uma merda coincidência, eu já estava observando Yudi Suzuki a muito tempo, eu simplesmente decidi que aquele era o momento perfeito para agir.
Não o considero como meu amigo, assim como desde o começo, ele é a chave para tudo dar certo. Sem ele, nada é possível.
O livro que estávamos seguindo quando menores, era uma farsa. O verdadeiro esteve comigo o tempo todo. Yudi se entregou as ideias falsas de um livro que eu mesmo havia escrito e alterado completamente. Mas claro, eu não poderia ter dito isso para ele, afinal, a etapa final para a materialização de um Deus era o sacrifício de uma pessoa que tenha 100% de confiança no invocador. E para tudo isso acontecer, eu precisava tê-lo como amigo, precisava de toda sua confiança depositada em mim.
O vento começou a se alastrar pela cidade, o sol que ameaçava se abrir no céu foi rudemente impedido pelas nuvens acinzentadas que o cercaram. Eu gostava da chuva, ela limpava toda a sujeira e impureza das cidades. Toda a escória ia embora.
Enquanto sorria sobre o escuro beco entre as casas, eu coloquei novamente o telefone sobre minha orelha. O aviso final seria transmitido para Yudi, porém mesmo assim eu não estava esperando nenhum tipo de reação daquela cobaia.
“Yudi? Ainda consegue me ouvir?”
Eu o observei pela janela. Ele ainda estava lá com o telefone sobre o ouvido.
“Bom, só queria explicar que vou começar o experimento hoje a noite. Por mais paciente que eu possa ser, 25 anos foi um longo período. Acho que está na hora de embarcarmos no trem e deixarmos os trilhos do destino nos guiarem.”
E assim como eu estava esperando, nenhuma resposta chegou aos meus ouvidos.
“Yudi, saiba que não existe coisa melhor do que falar com um velho amigo depois de tanto tempo. Espero fortemente que você entenda o que eu estou dizendo e venha me ajudar, eu preciso de você, amigo.”
Logo depois eu encerrei a ligação.
Fiquei por alguns minutos encarando a velha janela da casa de madeira, ele permaneceu imóvel por um longo período. Eu permaneci ali até avistar um movimento conduzido por ele. Peguei minha luneta e o encarei, ele virou para a janela e sem notar a minha presença se espreguiçou.
Seus olhos estavam opacos e seu rosto totalmente relaxado, mas não como se estivesse tranquilo, mas sim como se já tivesse desistido de tudo. Ele caminhou até a cozinha e depois de alguns minutos voltou para frente da escada com uma tábua de madeira que continha uma toalha molhada, algumas frutas e uma xícara de chá. Antes de subir as escadas ele reafirmou seu rosto e quando estava prestes a colocar o pé no primeiro degrau, ele mudou sua expressão para um doce e leve sorriso.
O brilho momentâneo em seus olhos me fez ficar assustado por alguns segundos. A mudança repentina de comportamento só podia ser explicada por uma coisa, Mary, sua mulher.
Eu notei que Yudi havia se casado por meio das redes de informações estabelecidas no Q.G do governo.
Mary Suzuki, ela mudou seu nome assim que se casou. A família Suzuki tinha se estabelecido.
“Certo, hora de voltar.”
Eu falei para mim mesmo e me levantei do local empoeirado, olhei para o jaleco e notei que mais uma mancha de sujeira estava presente. Ignorei-a.
Antes de sair, coloquei as mãos no bolso para procurar o objeto que eu tinha trazido de casa. Posicionei-o de forma escondida sobre os canos nas paredes das casas e em seguida me retirei do local.
Caminhei tranquilamente enquanto olhava para as nuvens que se tornavam cada vez mais cinzas sob o céu. Olhei para o meu pulso, eram 11:30. Passaram-se cerca de duas horas em que mantive contato constante com Yudi, de forma totalmente individual, sem receber nem mesmo uma única palavra.
Movi meus pés sobre a ponte de madeira que levava ao outro lado da cidade. As barracas de comércio começaram a ser montadas e os bares já haviam pego o carregamento do dia. O movimento começava cada vez mais a aumentar, e eu não gostava de multidões.
Assim que atravessei a longa e enrugada ponte, me deparei com uma minúscula casa de tijolos. Me aproximei e subi os quatro degraus presentes na entrada. Agachando, meus joelhos estalam e eu sinto uma leve dor nas costas, mas eu consigo pegar a chave que fica embaixo de um pequeno sapo de acrílico. A porta abre e eu adentro a escuridão vazia.
Caminho no escuro até a sala de estar, afinal, eu fiz esse mesmo percurso pelos últimos 25 anos.
O imenso tapete vermelho está ali, totalmente empoeirado e cheirando a mofo, o que faz eu quase vomitar. Eu retiro-o de cima do alçapão escondido e puxo a alavanca que o tranca por fora. Um enorme barulho de um choque entre metais é ouvido. Eu nunca me acostumei com isso, odeio barulhos altos.
Antes de descer sob as escadas de metal que me foram iluminadas por pequenas lâmpadas ao longo do corredor em espiral, eu olho para o relógio. 11:50.
“Perfeito.”
Paço a paço desci cada degrau enquanto cantarolava a música que constantemente ia se agravando em minha mente. O som vinha de algum rádio lá embaixo. Não estava alto, muito pelo contrário, estava aconchegante de se ouvir.
Conforme eu me aproximava, as luzes constantemente iam espantando o escuro que tomava conta do lugar. E quando a última se acendeu, o som de meus sapatos ecoou pelo local. Em seguida, a música parou.
Todas as cadeiras se viraram em minha direção, segundos depois, todos se levantaram.
O silêncio tomou conta de toda a sala, a única coisa que podia ser ouvida era a respiração das pessoas, que eram extremamente baixas, e o som de meus passos ressoando sobre o piso de metal.
Coloquei as mãos sobre a cabeça e andei em direção a eles. Passei pela cozinha, ninguém usava aquilo a meia década, estava péssima.
“Coloquem a música novamente, foi agradável de se ouvir.”
“Sim, senhor.”
Acompanhado pelos meus olhos, uma pessoa se propôs a se mover em direção ao rádio. Ele ajustou o volume e retornou para seu lugar. Eu o retribui com um sorriso e caminhei até minha cadeira que ficava um degrau acima da de todos os eles.
“Tudo bem, podem retornar.”
E ao meu comando, todos sentaram-se em união em suas cadeiras. Infelizmente a música foi sobreposta sobre o som de teclas metálicas se chocando, mas a melodia já estava gravada em minha mente, então continuei cantarolando-a.
Os homens à minha frente eram recrutas do governo que eu havia chamado. Todos trabalhavam para mim, em outras palavras, estávamos no Q.G central, o local onde tudo começou.
Em frente a todos, uma enorme tela era codificada para que todos pudessem assistir, e juntamente a ela, todos aparelhos de gravação posicionados pela cidade eram interligados por vias de comunicação por satélite. Assim, conseguimos ter acesso a qualquer dado ou recordação pela cidade inteira.
Esse foi o feito que venho desenvolvendo durante 25 anos. Durante os 5 anos que estive junto com Yudi, consegui fazer os preparativos iniciais para dar início a essa nova era. Claro, eu só precisava dele para isso, afinal, sem ele como ferramenta isso teria demorado o dobro de tempo.
“G6”
O nome do rapaz do qual se levantou para ligar o rádio me olhou após ser chamado.
“Interrompa as redes de comunicações externas e qualquer meio de rastreamento do computador. Vamos direcionar nossas pesquisas para uma determinada área da cidade.”
Seguindo minhas ordens, ele rapidamente fez conforme lhe foi dito.
“Separe a tela em 5 divisões:
A1- Câmeras de vigilância ao norte.
B2- Recursos energéticos reservas.
C3- Estabilidade eletrônica da rede.
D4- Previsão do tempo.
E5- Dispositivo S10 posicionado em Aoyama (distrito) 1.”
E assim como eu pedi, a tela em alguns segundos foi dividida com as repartições.
A princípio eu olhei para a previsão do tempo, confirmei que de noite não choveria. Em seguida olhei para a divisão E5, no qual transmitia o pequeno aparelho que deixei em frente a casa de Yudi. Não havia sinal de movimento.
“G6, muda a transmissão para 4 repartições. Retire D4 e deixe metade da tela para a E5.”
E assim, eu conseguiria ter uma visão enorme da casa e ao seu redor.
Olhei para o meu relógio, 12:00 em ponto.
Suspirei e cruzei meus braços e pernas. O plano tinha exatas 12 horas para ocorrer, e se tudo desse certo, assim como eu tinha planejado, as etapas iniciais estariam prontas a 00:00 do próximo dia.
Abri em meu computador a ficha de registro de nascimento da família Suzuki.
[- Yudi Suzuki, 48 anos]
[- Mary Suzuki, 42 anos]
[- Yuri Suzuki, 16 anos]
[- Yui Suzuki, 4 anos]
“Yuri e Yuri, não?! Ambos crianças… não serão um problema.”
O sacrifício deveria ocorrer por parte da pessoa que confiou totalmente em você, terceiros não precisam estar envolvidos. Mas antes de concluir meu pensamento, pensei que poderia ser interessante ver os dois crescerem e participarem de algo em que seu pai esteve envolvido. Assim, mandei um sinal para uma das redes em que eu estava conectado.
“Ei, preciso da sua ajuda, está aí?”
Esperei alguns segundos por uma resposta.
“A-ah, oi! Sim, estou aqui.”
“Vou precisar que mande 3 dos H7 para uma localização específica, consegue agrupá-los?”
“S-sim, acredito que sim! Vou confirmar e assim que estiver tudo certo eu te retorno, mas para que vai precisar deles?”
Sua dúvida não deveria ser respondida, mas ela era alguém em quem eu poderia confiar, afinal, estávamos juntos a mais de 10 anos.
“Vamos queimar uma casa. A família Suzuki, eles são a chave para a primeira etapa ser concluída.”
“Ah, entendi…”
Ela me respondeu de forma desanimada. Eu sabia desde cedo que ela não gostava de seguir minhas ordens, ainda mais quando elas tiravam a vida de outras pessoas, mas esse era um ponto necessário para a realização do meu sonho, e como eu já idealizei diversas vezes, para conquistar aquilo que eu desejo eu vou fazer tudo o que for necessário! E não vou me importar de ter que usar os outros, afinal, sonhos são algo que precisam de uma escalada para se realizar. Contando que eu o alcance, não me importo em ter que escalar uma pilha de corpos.
“Não fique desanimada, eu preciso de você para realizar o meu desejo, você é um ponto importantíssimo nisso tudo.”
“Eu sei, farei como mandar.”
“Muito bem. Conto com você, Vayne!”