Sua Alma Amada - Capítulo 18
— Zac tá me ouvindo? Faz algo, não tô me importando com o que vai acontecer comigo, por favor me ouça, faça algo — Dionísio dá um soco muito forte na mesa que estava em sua frente.
O professor Kyron chega perto de Zac, porém o Dionísio tenta segurar o professor para impedir que seu amigo seja levado, ele usa sua mão direita e segura com muita força o braço de seu professor.
— Dionísio se contenha, Kyron levará Zac para o seu irmão e tudo vai ficar certo.
— Eu não estou te perguntando nada Flora, eu já confiei em você uma vez. Eu pensei que você não pudesse mentir por causa do acordo que fez com meu tio. Mas você não passa de uma mentirosa, vocês se merecem.
Kyron se desvencilha com uma certa facilidade e coloca sua mão no ombro de Zac, que não esboça nenhuma reação e continua com um olhar tênue pra diretora, mas é evidente que todos naquela sala estão profundamente impactados. Zac porém parece estar imerso em algo totalmente diferente, sua alma que outrora estava em prantos começa a dialogar com um sentimento de ternura.
— Zac, por favor, me desculpe. Se um dia você for capaz de me perdoar, o culpado de tudo isso sou eu. Você não estaria nem aqui para início de conversa,me perdoe — O semblante do Dionísio começa a mudar.
Zac não consegue nem olhar para seu amigo, sua mente claramente está em outro lugar, ele está muito distante de tudo que está acontecendo na sala.
— Dionísio, se acalme o Kyron estará levando o Zac em segurança, você precisa entender que isso é melhor para você agora. Eu mesma pedi o Kyron para ficar encarregado pela vida do Zac.
— Flora, não acredito em mais nada que você me diga. Eu trouxe ele aqui para você assim como uma ovelha que é levada para o abatedouro, se eu soubesse dos seus planos eu jamais teria feito o meu amigo vir para essa sala. Eu sou muito burro, bem que minha família já tinha me alertado sobre você.
— Diretora, já posso levar o rapaz comigo? — Questiona o professor Kyron.
— Pode sim, já está na hora, o guia de vocês já está chegando.
Enquanto todo esse diálogo acontecia, a alma de Zac estava ressoando de uma forma peculiar que ninguém presente naquele espaço conseguia sentir. Um sentimento que apenas Zac conhecia e era tão forte que aos poucos fez sua alma sair do corpo.
A visão de Zac começa a ser inundada por uma densa fumaça preta que começa a rotacionar formando uma espécie de furacão, onde sua mente está no centro, entretanto a cor preta se dilui em uma vasta fumaça branca. A rotação se torna desordenada, como se algo estivesse destoando, pois em um determinado momento ela acelera e logo sem seguida recua ficando lenta.
Na mente do Zac ecoam algumas palavras de Dio e em seu coração surge uma pequena chama, ele percebe que o culpado por tudo isso não é o Dionísio e sim ele mesmo. Ele sabe que lá no fundo não queria estar ali e veio apenas para agradar seu amigo.
Em meio a fumaça é possível ver algumas memórias, uma delas é de quando Dionísio e Zac foram salvos por Kyron do ataque de luz que via na direção dos dois, mas a frente ele vê o momento em que atacou Lacer sem pensar nem duas vezes, ele também vê o momento que sem ouvir seu amigo entrou na sala e tocou no livro, e por último quando descia a escada furiosa e seu amigo estava chorando desesperado.
Zac entende que o culpado pelo sofrimento de seu amigo sempre foi ele mesmo. Em meio às visões ele pensa que talvez as pessoas não estivessem tão erradas em relação a ele, pois tudo que ele toca se quebra e fica sujo.
Dentro do ambiente astral ele começa a chorar e se culpar por todo o sofrimento que seu amigo está passando, e o pensamento de que ele talvez seu amigo fique melhor sem ele começa a tomar espaço em sua mente.
Zac começa a ouvir barulhos de latidos em meio a fumaça, mas ao fundo ele ouve o som de asas batendo.
— Eu sei disso, mas ele não merece mais sofrer, talvez seja melhor para gente. Sempre ficamos sozinhos nessa — “Croac croac”
Zac é interrompido pelo som de um corvejo de um animal voador.
— É um até logo, eu vou resolver o que o Kyron falou e já volto. Mas sinto que o melhor é a gente se distanciar, pelo bem do Dio.
— Eu reuni vocês aqui, porque gostaria de fazer um pedido, eu sei que encontrei cada um de vocês e estamos juntos desde então. Não sei como falar isso, mas não posso deixar meu amigo sozinho.
— O Dio vai acabar se metendo em uma enrascada e não vai ter ninguém para defender, ahhhhh que raiva, é injusto pedir isso de vocês.
Novamente Zac escuta um ” Croac croac” que ecoa pelos o ambiente, um som estridente de um corvo grunhindo.
— Otto, você faria isso por mim? Eu não sei quanto tempo vou ficar fora, então não posso afirmar qual vai ser a próxima vez que irei te ver.
O barulho de grandes asas batendo ecoa pelo espaço astral e pela alma de Zac, a batida das asas se equipara com a batida de seu coração, ele então começa a entender os sentimentos de Otto, do alta cai uma pena branca que cai bem na frente de seu rosto, ele pega com sua mão e cerra o punho.
— Hehehe, me distanciar de dois amigos. Não estava preparado para isso não hehe — a voz de Zac está bem embargada, como se estivesse segurando o choro.
Zac sente sua mão molhada, algo pegajoso está se movimentando e logo percebe que tem algo lambendo as suas mãos.
— Ahhh vocês também estão aí? Holy você está bem?
Jack e Holy começam a latir em alto e bom som, Jack começa a saltar em direção ao Zac.
— Eu esqueci disso né, fui mesquinho novamente. Pode deixar que vou dar um jeito nisso, mas acho que preciso ir agora, Otto, muito obrigado, até logo meu amigo.
Zac percebe que o clima na sala está ficando pior e força sua saída do lado astral. Quando volta vê o seu amigo com um olhar de raiva estampado em sua face. Enquanto isso Kyron toca em seu braço e diz:
— Vamos Zac, estão nos aguardando.
Sem falar nenhuma palavra ele se levanta da cadeira e começa a seguir seu professor.
— Zac você tá de palhaçada, né faz algo — Dionísio antes mesmo de concluir a frase se levanta rapidamente e tenta segurar seu amigo.
Neste mesmo momento o livro de Zac começa a emanar uma fumaça preta que se divide em duas partes e partem em direção ao Dionísio. Tudo isso foi tão rápido que ninguém na sala conseguiu ter reação.
Enquanto a fumaça avança, ela vai ganhando forma, a penugem aparece, as patas vão surgindo e dois lobos finalmente dão as caras. Um acaba partindo em direção à mão direita, enquanto o outro pula na direção da mão esquerda de Dioniso, com o intuito de impedir o movimento. Os dois animais fincam seus dentes afiados na pele do jovem.
— O que você está fazendo Zac? Manda eles me soltarem.
Dioniso fica muito confuso, pois ele acabou de ser atacado por seu melhor amigo. Porém ele não está sentindo nada, muito pelo contrário, e ele começou a sentir algo pegajoso, Dio demorou um pouco para perceber que os dentes não perfuraram nada, ele apenas está recebendo lambidas.
Ele entende como um ato de despedida de Zac e de seus bichinhos. Ele só não consegue entender o motivo que fez Zac concordar em seguir as ordens de Flora.
Dioniso olha para seu amigo e percebe um sorriso forçado, mas não porque Zac estava mentindo, Dionísio melhor do que ninguém sabia que seu amigo agia assim sempre que ele não conseguia expressar seus sentimentos.
— Zac não precisa de nada disso, o Dionísio não vai fazer nada, chama eles de volta e vamos. Já estamos atrasados, não é Flora?
Flora não consegue responder, apenas flexiona sua cabeça para cima e para baixo como forma de afirmação para Kyron.
Seguindo o pedido de Kyron, Zac chama Jack e Holy de volta para o grimório. O jovem dá um suspiro de alívio, pois acredita que ninguém na sala, nem mesmo seu professor conseguiu ver o que acabou de acontecer.
Pois na hora que Jack e Holy pularam na direção de Dio, uma parte da fumaça não se solidificou e acabou entrando no bolso interno da roupa de Dionísio.
— Kyron, antes de ir, providenciei que pegassem roupa tanto para você quanto para o Zac. Não acredito que o traje da academia será bem visto durante a jornada de vocês.
— Muito obrigado, diretora. — respondeu Kyron enquanto abria a porta da diretoria.
Zac antes de passar pela porta, olha para traz e com um aperto na alma diz:
— Até uma próxima, meu amigo — frase essa que servia tanto para Dioniso quanto para Otto.
Kyron passa pela porta e fecha, o som projetado pela porta ecoa na mente do Dionísio, que sente um desconforto, como se tudo tivesse rodando, provocando um enjôo e por fim uma ânsia de vômito.
— Dionísio, isso será o melhor para os dois, eu sei que está com raiva de mim.
— Diretora, esqueça que eu tô aqui. Você já foi uma pessoa muito importante para mim, agora só não é mais, não nutro nem ódio e nem rancor, apenas sinto pena. Como falei, você enviou uma ovelha para o abatedouro, o sangue do inocente está sobre você. Minha família é suja, você é suja, achei que fosse legal mas a única coisa que sabe fazer é mentir.
Dionísio sai da sala da diretora e parte em direção ao banheiro, pois a ânsia de vômito continua a aumentar. Ele desce algumas escadas e estranha ao ouvir um som de sapatos batendo no chão, como se alguém estivesse sapateando entres os corredores, o que seria estranho, já que no colégio só teria alguns soldados de seu tio. O som acaba ficando para depois, pois agora ele precisa ir ao banheiro pois sente a necessidade de vomitar.
Ele acelera os passos e ao chegar no banheiro parte em direção a uma das privadas, ele consegue tirar o que estava incomodando, mas sente que muito do enjoo era emocional.
Dionísio vai até o lavatório, onde lava sua boca, seu rosto e enquanto enxugava percebe que na pia tinha um objeto. Para ser mais específico uma gaita preta com detalhes dourados, algumas jóias cravejadas e nele estava escrito “presente para Enoque”.