Spes Homini - Capítulo 23
Tudo era branco, como se o vazio consumisse o lugar onde Paul apenas existia. O som de fogo entrava pelo seu ouvido direito e no seu olho esquerdo a imagem de uma criança impactava a sua mente.
Imóvel, o chefe da Spes Homini aguardou qualquer movimento da estranha coisa que havia à sua frente.
Calmamente a silhueta infantil abriu a boca, expelindo palavras doces: — Bom dia senhor, qual o seu nome?
Sem entender nada, as palavras escaparam dele por impulso: — Paul R. Johnson…
— Não, quero saber o teu verdadeiro nome.
Ao ouvir aquilo ele encarou a criança sem entender nada. Em alguns segundos de observação veio à sua mente a estranha semelhança entre ele quando era novo e aquele ser fraco.
— Eu realmente não sei a que nome tu te referes…
Antes de concluir o que ia falar tudo em volta começou a ruir, o teto despedaçava sobre o branco solo e as palavras desmoronavam para o abismo negro que existia do outro lado.
A criança olhou para o fundo da alma dele e com uma voz mais grossa que a própria escuridão que os cercava, gritou: — Tu não podes fugir do teu passado!!!
— O que aconteceu John? — perguntou o assassino ao notar os gritos que vinham de dentro do edifício.
— O chefe desmaiou… e a situação não parece boa.
Todos receberam aquela notícia com espanto, naquele tempo servindo na Spes Homini nunca eles tinham visto o seu líder demonstrar fraqueza. Aquilo abalou-os, mas por Paul eles tinham de continuar.
Michael patrulhando parou, encarando a escuridão da noite, não tão negra pois os últimos raios de sol ainda iluminavam o céu, que preenchia o espaço exterior. Na sua cabeça veio apenas um pensamento: “ Provavelmente foi envenenamento, eles devem saber que estamos aqui… “.
— Oi James. O presidente já está na sala de segurança, pelo que eu entendi não teve nada haver com os gritos de à pouco. Ao que parece foram por conta de um desmaio, nada de grave. — Ryan puxou um cigarro de uma pequena caixa vermelha — Queres um?
O assassino calmamente voltou o seu olhar para o homem, mas com um simples balançar de cabeça recusou.
— És tu quem perdes — arrumou a caixa num dos múltiplos bolsos que existiam na sua jaqueta, dando um longo trago em seguida — Realmente isto é a única coisa que me acalma — continuou ele enquanto observava o cigarro com toda a atenção.
O dedo indicador dele juntamente com o polegar formavam uma espécie de pinça que segurava o pequeno objeto. Em menos de cinco minutos Ryan já tinha levado mais de vinte vezes o cigarro à boca.
— Não acredito que já acabou… — ele mostrou-se irritado, jogando rapidamente o pequeno cilindro no chão e apagando a sua chama com o pé.
Michael nesse momento notou algo dentro da mata que existia a oeste do hotel, sombras, mas estas eram familiares. Estranhando a situação, emitiu um pequeno gesto ao companheiro. Ryan entendeu de imediato e levando a sua mão para dentro da jaqueta retirou a sua arma, uma fiel companheira nos tempos modernos.
— O que achas que pode ser? — rapidamente o homem segurou forte a arma e tentou prever a rota daquelas curiosas sombras andantes.
Definitivamente aquilo era uma armadilha, aquelas silhuetas davam para ver observadas até pelo mais cego homem. Michael bastante pensativo tomou a dianteira e propôs uma teoria: — Certamente é uma cilada…
— Sem dúvida, mas há algo estranho nesta história.
Ryan sempre de olho nas sombras agarrou num comunicador e sincronizou o seu canal com o pertencente a Nicolai. O pistoleiro alguns andares acima deles, deitado, fechava os olhos lentamente. Contudo, quando estava quase a cair no mundo dos sonhos o forte barulho vindo do comunicador assustou-o, fazendo-o cair para o lado de medo.
— Francis… Francis… Cuidado, inimigos a oeste.
Nicolai atordoado da queda levantou-se e calmamente respondeu: — Entendido, pronto para atirar.
Ele rapidamente ajeitou a mira do seu rifle e esperou por uma ordem do seu superior. No chão eram cinco as sombras que ele conseguia ver se mexerem como humanos. Acertar um alvo em movimentos na escuridão, não parecia um desafio muito difícil para o considerado melhor franco-atirador do mundo.
O cano da arma dele ficou grudado na cabeça de um dos possíveis assassinos, seguindo-o para onde quer que ele fosse. Ao mínimo barulho do comunicador, o dedo como um íman era puxado para o gatilho da arma.
Porém nada aconteceu. O sinal que fazia um barulho constante cessou e por vários segundos a voz do Ryan desapareceu.
— Parece que a rede foi cortada, estamos por nossa conta agora…
O companheiro de Michael confirmou se tinha munição suficiente para o confronto. Todavia, pela cara de pânico que fazia, parecia apenas uma válvula de escape para contar até dez e respirar naquele frio.
— O melhor é ir para dentro, lutar aqui fora sem apoio é uma decisão estúpida.
O outro apenas concordou com a cabeça, limitando os seus movimentos seguintes a simplesmente seguir o caminho para a entrada do hotel.
Michael logo atrás, achava tudo muito estranho. Não havia nenhum guarda ali, porém horas antes dezenas cercavam o prédio. Aquilo era tudo menos normal.
O silêncio reflexivo do assassino combinado com o receio da morte de Ryan fundiram-se ao negro da noite, gerando assim o clima de tensão perfeito para ambos.
Não conseguiam ouvir e ver nada a cinco metros de distância. Sem dúvida toda a lateral do prédio não fora abençoada com luzes, talvez o orçamento fosse pouco no início.
Mas então fez-se luz, diante deles estavam as luminárias que revelavam o caminho da entrada. O amarelo das lâmpadas refletidas no chão surgia nos olhos do assassino. Em baixo dele estava um líquido vermelho.
Curioso abaixou o seu corpo e passou dois dedos sobre o material. Alguns metros à frente estava Ryan, paralizado…
— Mas que porra, James olha isto…
De joelhos encolhidos, ergue-os e tomou para si alguns metros adiante. Tal como o seu companheiro, assim que os seus olhos se cruzaram com o que compunha agora todo o mar de rosas, paralisou. No entanto, não de medo ou surpresa. Era uma sensação diferente, era nostalgia.
— Eles já estão lá dentro, o que fazemos agora? — perguntou o agente analisando agora os ferimentos dos corpos.
Ryan olhou com atenção para ele e para a situação, mas a mente continuava em branco. As palavras temiam sair, poucas foram as que tomaram coragem e saltaram para fora: — Acho… que o melhor agora… é entrar. Sinceramente a única coisa que me vem à cabeça… é vingar estes homens.
— Eles ainda devem estar por perto, pelo menos os que entraram. O sangue ainda ferve, com este frio seria estranho se estivessem aqui à largos minutos.
A maioria dos cadáveres demonstrava simplesmente um corte no pescoço. O inimigo era astuto e matou-os rapidamente, deixando o menor rasto.
— James olha aqui — ele fazendo o mesmo que o assassino revirava também os restos, dentre eles algo reluzente cativou a atenção do agente.
— Uma faca — agarrou o objeto manchado de sangue e apontou-o para a luz — Escritas antigas e desenhos, não consigo ler nada, mas parece importante — com muita força abanou a faca expelindo o sangue para o chão.
John preocupado com o seu chefe, puxou uma cadeira de madeira refinada e sentou-se. Na sua mente aquilo realmente preocupava-o, pairando um único pensamento: “O que será que tinha acontecido?” Aquele evento recordava-o do que aconteceu com Dener semanas antes, talvez toda aquela preocupação fosse fruto desse sentimento ainda não ultrapassado: “Mas e se o Dener tivesse feito isso? A verdade é que nem mesmo o nosso chefe conseguiu vencê-lo no seu jogo doentio“.
Foi então que quando John se afundava cada vez mais nos pensamentos viu a maçaneta da porta rodar. Estranhando, o agente pegou na arma que estava em cima da mesa e escondeu-se num canto onde não seria alvejado.
— Quem é? — gritou ele esperando alguma resposta.
A pessoa do outro lado de imediato girou toda a maçaneta, adentrando com tudo aquele espaço. Era Jennifer que preocupada vinha ver como estavam os seus novos companheiros, mesmo que fosse só para manter um disfarce de companheirismo.
— Porra Jennifer, foi por pouco que eu não atirei. Eu não sei mais em quem posso confiar — demonstrou ele largando a arma na mesa de novo.
— Eu entendo John, mas cortaram a rede. Temos de seguir com a missão com o que ainda possuímos…
Enquanto ambos trocavam opiniões. Palavras soltas começaram a pairar pelo ar, quase silenciosas.
— Mas o que aconteceu… Este sonho
… E aquele homem… Onde ele está? — Paul quase inconsciente tentava mover o seu corpo para fora dos quentes cobertores da cama.
— Só estamos aqui eu e a Jennifer… — disse John estranhando a fala com um tom louco do seu chefe.
— Não, aquele homem, onde ele está? Era um jovem loiro de olhos azuis…
Paul tentava cada vez mais sair da cama onde estava. A sua mente apenas via aquele curioso sujeito. Parecia que tinham lançado sobre ele um feitiço divino de amor de tanto que ele o desejava encontrar, embora não fosse pela paixão, mas sim para exigir uma explicação para tudo o que surgiu na sua cabeça. Porém John segurava-o.
— Calma, fala-me mais desse homem, eu vou atrás dele.
— Eu não sei muito… mas eu me lembro que parecia uma cópia minha. Foi o único que não reagiu à minha queda, como se soubesse que ia acontecer. Neste momento ele deve estar no salão, ou talvez já tenha desaparecido — revelou o chefe da Spes Homini acalmando-se e tirando um tempo para digerir as coisas.
— Jennifer, fica aqui com ele, eu vou procurar esse tal homem.
A certeza que iria atrás de quem quer que fosse aquele sujeito transpirou por todo o seu corpo. Ele fervia em emoção e a sua arma carregava o peso dessa adrenalina.