Spes Homini - Capítulo 20
— Parece que é mesmo neste parque — Evelyn com um sorriso no rosto olhava para todas as plantas, o odor delas vinha junto com a brisa da manhã que parecia mais feroz do que o habitual — Onde será que ele está?
Olhando para um banco à sua frente decidiu sem mais demora repousar ali. A viagem tinha sido longa, mas o desejo de ver o Nicolai não a deixava pregar o olho. Era o primeiro dia livre dela em um mês de trabalho duro.
— Realmente pensei que ia passar o dia a dormir, mas foi uma surpresa ele chamar-me…
— E posso saber com quem a senhora está a falar? — perguntou um estranho colocando a mão no ombro dela.
— Sotaque russo, que previsível. Tens de ser mais criativo para me assustares Nicolai.
— Eu realmente pensei… É uma pena…
O pistoleiro antes mesmo das palavras saírem da sua boca saltou por cima do banco e reservou um espaço ao lado da Evelyn.
— Estavas a demorar tanto que até pensei que tinha mandado o endereço errado — continuou ele terminando com uma leve gargalhada em seguida.
Rapidamente o olhar calmo dela concentrou-se no rosto dele. Parecia cansado, mas realmente demonstrava alegria por estar ali junto dela.
— Eu perdi algum tempo a escolher a melhor roupa para este encontro. Não é fácil parecer bonita.
De novo a boca do pistoleiro abriu para revelar uma gargalhada, interrompida por palavras solenes: — Que boba, tu és linda com qualquer roupa mesmo — a intensidade das suas palavras iam diminuindo conforme ele as percorria, acabando por virar a cara e deixar-se ser consumido pela vergonha.
Evelyn espantada com tudo aquilo colocou a mão sobre a boca e fingiu tossir para disfarçar o rosado de suas bochechas.
— Achei fofo até, por isso vou perdoar essa atitude.
— Eu sei que sim, eu já te conheço à algum tempo e sinceramente foram as melhores semanas da minha vida. Aconteceu de tudo, enfrentei terroristas… — sentindo-se mais confiante ele deixou os braços escorregarem pela superfície do encosto do banco, indo para atrás das costas da agente da Spes Homini.
Ela ao ouvir aquilo virou novamente a sua cara para ele, contudo desta vez encarou-o com um olhar mortífero.
— Bem eu não posso falar o mesmo, perdi para ti num duelo de mira. Antes eu era a segunda melhor atiradora, perdendo só para o John, mas agora que tu apareces-te eu sou a terceira. Que raiva.
— Porém, se pensarmos por outro lado, nós acabamos por nos conhecer melhor depois disso e agora estamos aqui neste parque juntos.
— Só esqueces-te da parte em que fomos vítimas de um atentado por tua causa idiota. Realmente pensando bem devia ter acabado com a tua raça quando te conheci.
Mais uma vez gargalhadas tomaram o parque, contudo desta vez não eram apenas do russo, a mulher também se juntara a ele e juntos não conseguiam parar de rir.
— Realmente estas últimas semanas têm sido de matar… Ah Ah Ah Ah…
O pistoleiro mais calmo nem reparou no que ela disse, o seu pensamento apenas consegui vislumbrar um único facto: “Visto de perto realmente o sorriso dela é muito lindo, eu podia olhar para ele o dia inteiro sem me cansar…”
— Ei, ei, ei, estás a ouvir o que eu estou a dizer?
— Sim… Claro que sim…
— Eu acredito mesmo nisso, — disse ela num tom de ironia — diz logo o que estavas a pensar.
— Infelizmente não posso minha donzela, só depois do casamento — assim que terminou o rosto dele transformou-se num longo sorriso que foi completado com uma pergunta — Vamos dar uma volta pelo parque, que tal te parece?
— Claro meu príncipe encantado.
Gostando da resposta ele ergueu-se, estendeu a mão e ordenou: — A sua mão por favor donzela.
— Aqui está meu senhor.
Alegres, fizeram ambas as mãos se encostarem e os dedos se entrelaçarem. Aquele curto espaço de tempo que tiveram separados fez com que se aproximassem mais ainda.
No centro do parque uma pequeno lago dava vida ao ambiente, sem hesitar eles aproximaram da água, pequenos salpicos molhavam o corpo de ambos há medida que iam dando a volta, sempre seguidos por pequenos grupos de peixes famintos.
— Sabes sinceramente, sobre o que estávamos a falar há pouco eu também acho que foste a melhor coisa que me aconteceu em meses — nesse momento uma leve pausa se deu, dando tempo para um curto suspiro — Eu estava meio sozinha lá na base, o John tá sempre cheio de trabalho então mesmo sendo amiga dele há anos é difícil ter uma conversa sossegada com ele. O Michael nem se fala, está no mesmo patamar que o chefe, só falo quando é sobre trabalho.
— Por isso que este russo aqui foi encomendado, para satisfazer a melhor agente.
Evelyn olhou para ele corada, e ele respondeu observando-a da mesma forma, lentamente os seus lábios foram se aproximando. De frente para o lago as suas gentis bocas se tocaram. Outros seguiram-se depois, um atrás do outro. Os lábios passaram tanto tempo juntos que pareciam não querer mais se separar.
— Sabes Evelyn, eu finalmente percebi que quero saber tudo sobre ti.
Com rostos alegres, os dois abraçaram-se por longos segundos. Nicolai pela primeira vez na sua vida tinha um motivo para voltar vivo das missões. A agente não tardou a dar uma resposta ao seu companheiro, assentando o seu corpo sobre o pequeno muro do lago.
— Ai… Em todos esses anos eu sempre pensei que talvez não fosse destinada a conhecer alguém. Eu sou estranha?
— Claro que não.
Suspirando outra vez ela continuou amargurada: — Mas todos o diziam. Eu entendo que saber lutar e atirar com quinze anos não é normal, mas que culpa eu tenho — as suas mãos gélidas foram de encontro ao rosto triste que ela exprimia — O meu pai sempre disse que era para me proteger, mas que raio de proteção era aquela, afastar-me das pessoas. Eles tinham medo de mim.
Lágrimas vazavam dos seus olhos conforme as palavras eram expelidas, Nicolai perplexo aproximou-se limpando com a mão o rosto frágil da mulher.
— Está tudo bem, não chores.
— Aquele homem estava sempre a dizer que ele era uma ameaça para o país, mas que culpa é que eu tenho que o general mais renomado da Alemanha tenha traído o seu país. Eu mereço ser castigada por isso?
— Claro que não, vamos acalmar-nós é melhor não achas?
Ela negou com a cabeça e em seguida retornou à sua história, entrando mais afundo num passado escondido de Nicolai.
— Naquele dia o John entrou na nossa casa e matou-o…
O pistoleiro recuou alguns passos, ele não entendia o que aquilo significava. Uma das pessoas com quem ele tinha mais confiança matou o pai da sua amada.
— John o fez a mando dos americanos quando trabalhava na CIA, foi nesse dia que eu o conheci. Ele estava calmo e revelou que iria poupar a mim e a minha mãe. Eu aceitei e o ajudei. Eu culpava aquele homem por tudo o que ele me fez. Transformou-me numa arma de matar para o seu próprio bem.
O homem não conseguia vê-la naquela situação, dava-lhe calafrios. Mais uma vez colocou as mãos no rosto dela e de uma só vez limpou todo o líquido que pingava da pele dela. Em seguida as mãos de ambos encostaram-se novamente e ele puxou-a para cima.
— Eu chamei-te aqui para te dar uma coisa, não para ver-te neste estado.
Do bolso esquerdo ele retirou uma pequena caixa. Evelyn, esperta como sempre, deduziu logo que de um anel se tratava. Realmente ela estava certa. Ele o retirou da minúscula caixa branca e o colocou no dedo dela.
O brilho do sol fazia o pequeno diamante na ponta reluzir, aquele brilho encantava-a, como poucas coisas tinham feito antes. Como resposta ao presente, Nicolai, foi recompensado por outro beijo. Menos trivial que os anteriores, contudo com o gosto de amor habitual que ele sempre admirava.
— Promete-me que vais voltar vivo de todas as missões? — questionou ela, deixando apenas o seu mindinho levantado.
O pistoleiro fez o mesmo gesto com a mão e ambos se encontraram e deram um forte abraço.
— Eu prometo que vou voltar vivo de toda e qualquer missão…
Mais ao fundo, num pequeno café, sentado numa mesa Ryan observava tudo aquilo e em conversa com os seus superiores reportava qualquer evento que acontecesse por mais banal que fosse.
— Parecem ser um casal normal, nada de especial.
— Tal como eu tinha dito, fazer esta vigia foi só perda de tempo para todos nós — respondeu o espião dando um gole no café.
— Porém, tens de admitir que esta situação é estranha. Tirar uma folga dias antes da missão e ainda por cima encontrar-se com uma mulher que nunca teve qualquer contacto com o Francis é estranho.
— Realmente isso é algo que precisamos ter atenção, vou continuar a investigar. Se acontecer alguma coisa eu ligarei. Adeus.
Assim que desligou o seu telemóvel caiu sobre a mesa. O jornal estava quase no fim, assim como o café. Por outro lado, o encontro daqueles dois parecia estar apenas no começo. Aquela situação fez os olhos do investigador revirarem-se.