Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 8
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- Capítulo 8 - Uma Noite Apertada (I)
27 de março do Ano Santo de 1847 | 00:59 | Bar Solácio
Tsc. Que outra opção eu tenho a não ser morrer no final? Pelo menos eu posso escolher minha morte fazendo algo útil para alguém ou alguma causa. Talvez Kuntur esteja certo; ele geralmente está certo… Mas, o que eu deveria fazer?
As três garotas paravam prontas para entrar pela fachada do movimentado e iluminado bar noturno.
— Tá esperando o quê? — Dolores perguntou com desdém ao notar que Rumina ficara imóvel atrás delas, admirando as luzes da noite no centro da cidade, com um brilho de descoberta nos olhos. — Tsc, vamos logo — praguejou ela finalmente, ao abrir a porta, fazendo um sino tocar.
De um lado para o outro caminhavam rápida e agilmente as garçonetes levando pedidos de bebidas e comidas em bandejas grandes e reluzentes, por vezes repletas. As mesas estavam quase todas ocupadas por clientes, homens e mulheres bem-vestidos e sorridentes, todos conversando alto e animosamente com suas bebidas nas mãos. O ritmo dramatúrgico da milonga tocada pela banda, no centro do salão, dava o retoque final ao ambiente agitado e caloroso da noitada.
A noite era, definitivamente, jovem.
Sem terem esperado muito, ao encontrar uma mesa de quatro lugares vazios nos fundos do bar, as três colegas de esquadra logo notaram que uma belíssima garota de lisos cabelos alaranjados se aproximava, segurando uma bandeja de canecos cheios de bebida escura.
Ao chegar perto da mesa, ela levantou o peito e começou a distribuir os canecos na mesa, fazendo saltar seus já avantajados seios, espremidos pelo corselete que segurava o impecável vestido xadrez, exibindo apenas a suave pele do seu peito.
Largada com as botas em cima da mesa, Dolores não pôde perder a oportunidade de caçoar da sua colega.
— Olha isso! Eles estão tão espremidos que parece que vão ser disparados com esse vestidinho aí! Hahahaha! — A garota imitava o som de um disparo fazendo uma pistolinha com os dedos.
— Engraçada — respondeu Florência, tirando as pernas de Dolores da mesa sem misericórdia. — Esse é meu vestido de trabalho, sua idiota. — disse a garota de cabelos alaranjados, agora um pouco insegura de sua aparência. Nem é tão revelador assim… — Após se recompor, com um leve e calmo sorriso, ela deu uma espiada no seu relógio de bolso. — Então, porque demoraram tanto?
Sentadas, as duas amigas instintivamente encararam Rumina, voltando sua atenção para Florência novamente. Uma expressava um rancor inequiparável em relação à garota, mais do que costumeiramente, e a outra, insegurança sobre o que responder, ou sequer do que sentir.
27 de março do Ano Santo de 1847 | 20:00 | Forte da Santíssima Trindade, sede governamental do Vice-reino da Platina
Pingavam e escorriam gotas de água pelas pedras que formavam as paredes do calabouço subterrâneo do forte. Nos escuros e úmidos corredores, sentia-se o fraco som das ondas do mar batendo nas muralhas do forte.
Do fundo deles, começa a surgir o eco de coturnos pisando, às vezes sim, às vezes não, em charcos de água e areia, fazendo retumbar os som dos salpicos e estrépitos pelas paredes do corredor, e das celas vazias do calabouço.
No fim do enorme corredor, o fraco lumiar das lâmpadas penduradas no decorrer do teto, pintavam de amarelo as costas de um homem, vestido de um ilustre uniforme branco. Imóvel, segurando com a mão numa alça metálica, estava prestes a abrir a parede de aço que o encarava.
— Grande generaaaaaal! À que eu devo vossa… como deveria dizer-te isto… — Desleixada numa cadeira giratória, Victorica dançava um copo de aguardente na mão ao dar meia volta e parar pensativa por um momento — Certo! — disse antes de continuar — À que eu devo vossa tão excelentíssima presença a esta hora da noite?
O general tinha entrado em seco pela porta, sem bater ou avisar.
— Sabes muito bem porque estou aqui… condessa.
Estupefacto com a visão que acabara de se deparar ao abrir a maciça escotilla de metal, o homem de barba cuidada e penteado lambido, franziu um tique de nojo com os olhos.
— Todavia custa-me entender a razão de vosmecê utilizar o calabouço do forte como “oficina”… — dizia, prestando atenção nos enormes barris de madeira amontoados e nas garrafas vazias jogadas pela mesa de Victorica.
Girando levemente a cadeira de um lado para o outro, quase como se estivesse perdida num devaneio, a bela visigoda tomava um gole em silêncio.
— …Então?
— Vosmecê Victorica deve estar ciente da situação no quartel general da colônia. O Estado-Maior na Yuropa acredita que a guerra entre os impérios seja inevitável. É peremptório para o comando central de Toleto que as colônias estejam prontas para apoiar com as tropas e os recursos que se façam necessários no esforço de guerra próximo, assim que for dada a ordem. Vendo como o cenário está se desenvolvendo no mar sul do extremo oriente, não seria estranho imaginar que daqui a alguns meses aconteça algo… Dito isto, vosmecê não mostrou progresso algum no Projeto Teiws desde nossa última reunião e o pessoal do Q.G.[4] está começando a questionar se foi uma boa ideia escolher a filha do vice-rei para desenvolver um projeto tão vital para o Sacro-Império…
O general se aproximou, esperando uma resposta.
— O Terço de Calatrava estará pronto até lá, fique tranquilo, general Badajoz. — Esses malditos generais… Acreditam que pressionando-me conseguirão algum mágico corolário. Se deslindar alguns engenheiros e holosintesistas qualificados nos vice-reinos fosse tão fácil como arranjar escravos… Tsc, a culpa não é deles… Malditos sejam os nobres profissionais da península, não se valem nem para vir às colônias prestar serviço ao império. Um projeto que eles mesmos decidiram fazer aqui para esconder dos angelinos…
A nobreza visigoda fede.
— Não quero promessas apenas, capitã. Quero resultados. — Chamando-a de capitã, o general deixava claro o feio contraste entre seu título nobiliárquico e sua posição no exército. Quase como se estivesse zombando dela, agora o homem a pressionava. Ao jogar uma pasta na mesa ele colocou sua mão sob ela e a arrastou em direção a Victorica. — Pois bem, entendo que apesar das grandes expectativas que o Q.G. possa ter, a falta de pessoal realmente pode estar sendo um grande empecilho no progresso do projeto. O departamento de holosíntese maquinaria já foi notificado, mas lamentavelmente isso é tudo o que Q.G. do vice-reino pode fazer por agora. Dito isto, o comandante maior, fram Ostrogoda, espera não mais de três meses para que o esquadrão esteja pronto para o despacho na Yuropa.
Victorica segurou a pasta e tirou os papéis de dentro, lendo atentamente ao que diziam.
Três meses? Só podem estar a gozar da minha cara! Treinar um pelotão adequadamente levaria no mínimo um ano, isto sem contar que estamos falando de uma tecnologia completamente diferente de tudo o que já lidamos até o momento…
— Vosso pai é respeitado pelo imperador, não o faça se arrepender de uma escolha novamente.
Novamente?! Com um sorriso malévolo, o homem tinha tocado num ponto frágil; ou seria uma ferida? Victorica torceu brevemente o olhar para o general, mas se conteve rapidamente, evitando um evento trágico e febril. Em seguida, se levantou calmamente e, cambaleante, saudou em direção ao horizonte com seu característico sorriso burlesco.
— Sim, meu general!
O general deu as costas e partiu. A garota, no entanto, ficou imóvel no seu lugar enquanto via o superior desaparecer pela escotilha.
“Três meses é um absurdo!” ela não podia evitar pensar. Aqueles documentos deveriam ter algo mais; mais do que metas e estipulações baseadas em supostas promessas de repostos e maquinarias que mandariam o departamento de holosíntese. Quer dizer, sem elas, era impossível fazer com que aqueles monstros de metal funcionassem. A lamentável verdade era que os papéis que ela encarava não tinham nada além de exigências. Eram óbvias as intenções de Badajoz: seu cargo estava na mira dos militares no topo.
Que ordem conveniente para eles… hahaha. É assim que eles esperam tirar-me daqui? Podem sonhar, malditos!
Escrutinado os documentos, a visigoda percebeu que havia um adendo que não tinha notado antes. Ao abri-lo, o que encontrou tiraria o sorriso do seu rosto: era uma ordem direta do imperador concernente ao projeto.
— Francamente… — O velho deve ter perdido os últimos parafusos que lhe sobravam na cabeça… — Como uma faísca, uma luz iluminou o pensamento Victorica — Bem, ter escolhido aquela cadete talvez renda alguns frutos, no final de contas.
Andando pelo corredor úmido, Victorica agora se dirigia em direção ao elevador que conectava o calabouço à parte superior do forte.
— …Três anos em três meses — disse pensativa ao pressionar o botão do primeiro piso.
É um grande salto na expectativa de conclusão do projeto. Precisarei mais do que um par de esquadras. Será que consigo deslindar o pelotão inteiro? Mesmo que consiga… vou precisar de muito mais do que isso…
Treinar centenas de cadetes em três meses…
As portas do elevador abriram e a garota saiu levantando a mão.
— Etrúria, arranque o carro, iremos à Central! — vociferou alto, para que a chefe das empregadas a escutasse de qualquer lugar do forte que estivesse.
Em questão de minutos desde a garagem, vorazmente a caldeira do carro começou a apitar e os pistões a tinir, apenas à espera que os portões pneumáticos se abrissem. Tudo estava em prontidão para tomar rumo à estrada.
— Ao mesmo lugar de sempre? — disse a empregada desde o assento de condutor olhando para Victorica pelo retrovisor.
— Certamente.
Os faróis acenderam e a porta de trás do carro finalmente fechou, fazendo com que os pistões a vapor começassem a mover o carro para fora dos jardins amuralhados do forte.
Nota de Rodapé
[4] Quartel General.