Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 6
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- Capítulo 6 - A Loba, a Rata e a Rumina
Mas não, os portões estouraram abertos pela última vez, trazendo as luzes da noite para dentro do aposento.
Um golpe de fúria tinha salvo a noite.
Em cima da garota, pronto para dar o último passo que mancharia sua vida para sempre, ele foi tomado completamente por surpresa.
Uma mão levantou a cabeça de Lautaro e a fez arrebentar o pallet da cama de cima pela metade, só para em seguida, outro golpe, quase que cirurgicamente localizado, atacar seu rim violentamente.
O cadete agressor foi jogado pelos ares, para longe de Ñanary, em direção ao corredor de beliches.
— Mas que merda cês acham que estão fazendo, seus doentes do caralho?!
Completamente tomados por surpresa, os dois outros delinquentes se afastaram, arrumando as calças. Lautaro, por outro lado, se contorcia de dor no chão. A dor era tanta que mal conseguia respirar.
Esse foi o dia que teve de dizer adeus para seu rim esquerdo.
— Sua… — disseram os dois ao mesmo tempo, avançando em direção à garota de brilhantes e escaldantes olhos celestes.
— Cês são homens mortos andando.
A garota sequer esperou eles chegarem perto, a fúria despertada pelo que tinha acabado de presenciar tomou conta do seu corpo, fazendo ela caminhar em direção a eles no instante mesmo que avançaram sem pensar duas vezes.
O primeiro veio pela direita, tentando acertar um golpe direto no seu rosto, mas errou feio. A garota esquivou com naturalidade do punho, como se tivesse sido treinada a vida inteira para isso, e enganchou uma joelhada no estômago do infeliz, que deu uns passos para frente antes de se espatifar no chão. Seguindo seu companheiro, o segundo cadete veio quase ao mesmo tempo que ele, tentando tirar vantagem da superioridade numérica, e a tentou agarrar, mas para sua má sorte a garota já tinha mirado na sua garganta e o punho já tinha sido encaminhado. O arrepiante barulho de uma traqueia sendo deformada estalou junto com um gemido de dor.
Ela não estava de brincadeira, realmente pretendia matar aqueles três.
— Já deu Lola, já deu! — Ñanary saiu correndo em direção da sua amiga. — Por mais que eles mereçam o pior… — disse machucada, contemplando as possibilidades — se tu matar eles agora… vão te colocar numa prisão militar, ou pior… — Sua volta aos dormitórios de tarde tinha um propósito completamente inocente e puro, nunca teria imaginado que aconteceriam aquelas coisas terríveis. Mais importante ainda, não podia deixar que sua amiga matasse alguém e acabasse presa em algum calabouço visigodo. — Já está bom assim…
Interrompida, Dolores olhou ao redor com desgosto, ver a cara retorcida daqueles infelizes no chão, lamentando a pouca dor que ela pôde causar neles, era revoltante.
— Hem! — Distendeu, antes de continuar. — VAZEM! Se eu ver algum de vocês perto da Ñanary ou de alguma outra garota de novo, podem ter certeza que vai ser a ÚLTIMA!
Os agressores se levantaram da forma que puderam e foram embora dali ao toque.
Tinha sido a última das vergonhas terem sido espancados dessa maneira por uma garota pouco mais jovem que eles. O desdenho na expressão de Lautaro, ao passar pelo portão, era confirmação de que aquele desfecho teria continuação no futuro. Contudo, por hora, não podiam ficar mais ali. Foram humilhados.
— Eu disse que não era uma boa ideia vir tão tarde para buscar aquela garota! Mas nãããão! Você nunca escuta o que eu digo. — Dolores olhou para baixo em direção a Ñanary, com preocupação verificando o corpo da garota — Enfim. Eles não chegaram a fazer nada contigo… certo? Cê tá bem?
Segurando o braço do uniforme da amiga, Ñanary lançou um falso sorriso para cima, antes de abraçá-la com força.
— Claro que sim! Sua cabeça oca, hahaha! — disse a garotinha, agora, com o rosto escondido no peito da amiga.
Dolores normalmente ficaria irritada depois de uma resposta como essa, mas dessa vez ela entendeu que aquele comentário significava algo mais. Algo que mais se revelava não pelo estado do uniforme ou do corpo machucado de Ñanary, mas pelos olhos arregalados que lembravam o de um gato apavorado até a morte.
Pelo menos, tudo tinha acabado bem. Era o que Rumina queria pensar, mas agora sua situação como espectadora tinha ganhado uma reviravolta, que definitivamente, não era boa.
A pequena garota fez parecer como se tivesse se recomposto de alguma maneira, e assim voltou seu foco ao propósito de ter vindo aos dormitórios.
— Bem… ela deveria estar aqui nesse horário…
Ela veio me buscar? Não, espera… todo mundo sabe que eu sou a última que vai embora?
— Ela tá aqui. — Dolores disse, rosnando com uma voz grave, atenta ao menor movimento dentro dos dormitórios. — Pode ir saindo de onde cê tá se escondendo, Zuuuugraveeeeescu!
A coluna de Rumina teria ouriçado do fim das costas até o pescoço se a situação fosse outra, mas dessa vez, ela sequer tinha forças para sentir medo. Sentia uma fadiga inacreditável. O mal estar que lhe pesava na consciência superava qualquer sensação de medo que Dolores pudesse causar nela.
No fim, tristemente, se levantou.
De longe as duas garotas assistiram o vulto cabisbaixo de Rumina se dirigir ao corredor principal, por meio das fileiras.
— ESSA INÚTIL!
— Calma. — Ñanary segurou o pulso da amiga, tentando evitar que a situação se tornasse violenta mais uma vez.
Os olhos de Rumina ainda estavam visivelmente chorosos e tristes.
— Então quer dizer que você ficou até agora escondida ali, hein?! Estava esperando o que para ajudar a Ñanary?! Covarde! Inútil! Lixo!
A garota pequena deu um passo para frente.
— Ei… ela não tem a culpa, e mesmo que tivesse tentado fazer algo, aqueles caras teriam feito a mesma coisa que fizeram comigo… — Nañary mostrava compaixão, quiçá porque estava cansada demais ou porque queria parecer mais forte do que ela realmente era.
Nesse momento, Dolores notou a expressão da garota cabisbaixa na sua frente, apertando o peito com os braços cruzados. Parecia segurar uma angústia enorme dentro dela.
— Tsc! Você não vale a comida que come. E eu ainda sou obrigada a aguentar sua liderança; “como se desse” para chamar o que cê faz de “liderança”! Meu deus do céu! COMO VOCÊ É COMPLETAMENTE INCAPAZ! Não tem outra explicação pra isso. O que realmente me surpreende é que VOCÊ, de todas as outras garotas que se mataram estudando, tenha conseguido chegar à academia com essa falta de, basicamente… tudo!
Essas frases, ditas na sua frente, evaporaram qualquer sentimento de autocompaixão que pudesse ter. Seu coração despedaçou.
Eu já sei disso…
Absolutamente desolada, Rumina tentou caminhar em direção aos portões.
Entretanto, antes que pudesse passar pelas colegas, o chanel da baixinha dançou no vento.
Seu pulso foi segurado.
— Na verdade, a gente veio te convidar para sair hoje — disse Ñanary, entre elas, segurando o pulso das duas. Ela não iria desistir do que tinha vindo fazer, não depois de tudo o que aconteceu, ou melhor, o que tinha acontecido não lhe deixava outra opção.
O quê? Me convidar? Ela parou de caminhar subitamente.
Entristecida, não conseguia acreditar que mesmo depois do que havia acabado de acontecer, essa garota que a segurava, estava se preocupando com ela.
— Fale por si mesma, eu vim aqui apenas pra te acompanhar. — Dolores dava as costas para Rumina — E cê… ainda vai chamar ela para sair depois disso?! Caralho, Ñanary!
Eu… eu não posso aceitar.
— Eu não mereço compaixão. — Rumina murmurou algumas palavras no meio do pensamento.
Para Rumina era um absurdo que alguém mostrasse o mínimo de atenção a ela em circunstâncias normais. E agora, na frente dela, alguém parecia mostrar compaixão mesmo depois dela ter ficado imóvel frente a um incidente que ela poderia ter intervido? Não havia palavras para descrever o quão anormal isso se mostrava aos olhos da garota triste. Mas era natural, Rumina não tinha como entender quais eram as razões de Ñanary para seguir com essa inocente atitude de chamá-la para sair. O ponto residia no valor da atitude; para Rumina era uma questão de culpa, para Ñanary era uma questão de honra.
— O que tu disse, inútil? Não dá pra escutar essa sua voz de cadáver!
Ñanary se irritou com ambas.
— Já basta, Lola! Não é suficiente o que acabou de acontecer?! Eu já disse que não ia mudar nada a garota tomar alguma atitude, não existia opção. E você e eu sabemos muito bem quem são eles e o porquê fizeram isso comigo. — A garotinha encarou Dolores com reprovação e puxou Rumina para perto — E você Rumina, vai embora sem dizer nada, jogando no lixo o fato de eu ainda estar aqui esperando uma resposta?! Não me faz de estúpida!
As duas ficaram sem palavras por alguns segundos.
Isso é muito injusto, Ñanary. Como tu ainda consegue levantar o rosto e me dizer para sair com vocês como se não fosse nada? Ela percebeu naquele momento, o quão fraca ela era de verdade.
— As coisas que eu tenho que aguentar… Tsc, que se foda! — Dolores largou a mão que a segurava, partindo em direção à saída dos dormitórios.
Nenhuma das duas realmente queria aceitar as palavras da garotinha, mas era impossível para elas dizer não depois de tudo. O ambiente altamente tenso que minutos atrás afogava Rumina por dentro e incendiava Dolores por fora, rapidamente passou a ser problematicamente conciliador, graças à inabalável força de vontade de Ñanary, que precisava disso, ainda que pudesse ser uma tentativa infrutífera e fútil.
Vendo a sombra de Dolores passar pelo portão, a garotinha sinalizou com uma piscada para Rumina.
— E ai, bora?
— E-eu, e-eu… não posso…
— Pode e vai sim! Ou eu vou ter que fazer o mesmo que a Dolores fez com aqueles caras, contigo?! — Séria, Ñanary tentava arrastar Rumina, mas sem muito sucesso. — VAAAAMOS CARALHO!
Deixa eu tomar banho pelo menos…