Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 5
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- Capítulo 5 - Impotência
AVISO! [+18]
Existem cenas apresentadas neste capítulo que podem conter conteúdo sensível ou gatilhos para algumas pessoas. Se você não se sente confortável com insinuações ou atos de violência, recomendo não ler.
— Victorica fram Horinondo, filha do vice-rei “o Pomposo” e condessa da Santíssima Trindade — disse, levantando o queixo levemente para um lado, assim que seu anjo desvanecia como pó no vento.
Ah, não… isso não pode estar acontecendo comigo… Tinha o anjo lido sua mente? Não pode ser real, isso só pode ser parte de uma novela de terror! Exato. Qual era o nome… “Victoria’s secret and the tale of Bloodythullu”? Ou algo assim? Não importava. Eu definitivamente vou morrer.
— Oi… ahm. D-devolvendo, livro. Quero dizer, livros, isso, livros! — Eu preciso sair daqui.
Do outro lado, Victorica retirava um cantil da algibeira do casaco que lhe cobria pouco mais da metade do corpo.
— Eu também, sabias? — Deu um gole rápido e seco, soprando levemente pelas narinas ao terminar. — Ahh!
Rumina não conseguia ver muita coisa através da fenda maior, que os livros, ou melhor, a falta de um livro, criava. Mas conseguia ver a parte superior do torso da garota. Seu queixo estava direcionado para o chão, parecia pensativa.
Talvez seja um exagero assumir a morte de cara. Hhm… eu ainda não sei o que se supõe que um Galgalim oferece, muito menos suas limitações… Isso pode pender para ambos lados. Tanto para “agora eu morro”, quanto para, “hoje eu volto para casa comer os bolinhos que minha mãe faz”.
Bem, suponho que o que me sobra é tentar conseguir parecer normal. As chances dessa guria duvidar de alguma coisa em mim devem diminuir. Espero…
— É “memso”? — Definitivamente não conseguiu evitar o nervosismo nas palavras — E-eu… eu…
— Vosmecê…?
Rumina colocou o livro no seu lugar, cobrindo a fenda.
— P-preciso ir! Um prazer, senhorita fram Horinondo!
Dando uns passos para trás com as mãos nas costas, pronta para qualquer coisa, ela saiu de lá o mais rápido possível. Ferrou, ferrou, ferrou, ferrou…
Gotas frias de suor começaram a cair pelo seu rosto. Ela sentia sua alma querendo sair do seu corpo, mas sabia que ainda não era hora de partir. Por mais medo que tivesse, precisava mover as pernas.
Se tranquiliza, Rumina. Por trás, por trás…
As prateleiras se borraram, e pela primeira vez desde o dia em que entrou na academia militar, conseguiu marchar como uma verdadeira cadete imperial. Quem diria que o que faltava para corrigir seus passos desajeitados era o medo aterrorizante da morte?
Certo. Ela olhava de um lado para o outro no final do último corredor de prateleiras. Na sua frente, menos poderia ter importado a correria para a bibliotecária, a atenção da mulher estava perdida na montanha de papéis de trabalho que não lhe correspondia.
Me desculpa, Lía, não vou poder devolver teus livros hoje…
Após colocar a mão na bolsa percebeu que algo estava faltando.
É, parece que… um livro desapareceu.
Que azar. Ela começou a caminhar em direção à saída. Que aula era para ser agora mesmo?
Não deu tempo suficiente para que terminasse de pensar. Como uma sombra vinda do além, uma mão agarrou seu ombro com firmeza.
Quem estou querendo enganar? Alguma hora esse dia iria chegar. Era questão de tempo, as chances sempre estiveram contra mim. Ainda com a mão dentro da bolsa, cruzou os dedos, era questão de um movimento. Não vou me fazer de boba…
— Mas que tremenda tensão muscular sofres, garota! Se quiseres, recomendo-te um massagista.
Victorica passou pela lateral, sem soltar a mão do seu ombro, e deu uma meia volta tórpida na sua frente.
— Esqueceste disto… — Revelando um livro, um sorriso com intenção maliciosa se formou no seu rosto, que se inclinava levemente para o lado.
Que expressão desagradável, e ela está tão desnecessariamente perto… Rumina tinha que abaixar a vista um pouco para poder encarar Victorica, que de alguma maneira se segurava de pé na sua frente. Agora que a vejo melhor, ela tá… bêbada?
De frente uma para a outra, alguns segundos se passaram, sem que houvesse resposta alguma. Um estranho silêncio pairava entre elas, até que finalmente a garota desconfiada respondeu:
— Obrigada…
Qual é teu problema? Se tu fizer algo estúpido, eu… vou ser obrigada a fazer algo que eu não quero! Ela não podia evitar estar confundida, alguns minutos atrás podia jurar que estava morta.
A visigoda soltou seu braço levemente e lhe deu as costas. Parecia ir embora. Passando cambaleante pelo portal da biblioteca, saudava um adeus ao tentar não cair.
Mas, logo após desaparecer pela esquina da parede, voltou, ainda de costas.
— Ah… esqueci-me — falava com um tom sério na voz. — Todas as cadetes da esquadra devem estar presentes no dia. — Por cima do ombro, sua mão apontou perfeitamente em direção ao livro que tinha acabado de devolver.
Victorica assomou o rosto para trás e sorriu de novo, antes de desaparecer definitivamente.
— Bom fim de semana!
Quê? Uma onda de perguntas começava a inundar a cabeça de Rumina. Não sabia muito bem como nem o que responder. Tudo o que havia acabado de acontecer era completamente alheio a ela.
Estava perplexa.
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E agora, Rumina? Você marcha! Nem mesmo ela acreditava nisso. Ainda que eu não saiba quais são os motivos daquela visigoda… estranha, para dizer o menos, também não acho que eu possa fazer muita coisa de qualquer forma. Ela se convenceu novamente que iria falecer, não importa o que fizesse. Mesmo que tivesse conseguido escapar da morte agora, para ela, era só uma questão de tempo para que sua vida fosse ceifada no futuro. A vida é complicada demais, quero desistir…
O livro que Victorica lhe devolveu pairava na sua cama inferior do beliche, aberto.
O mais difícil vai ser ter que contar para as outras que fomos transferidas para um “esquadrão de barris”. Na mão, ela segurava um cartãozinho que a visigoda havia colocado dentro do livro que lhe devolveu, com um horário e lugar marcados. Seja lá o que isso for…
Rumina abriu o armário ao seu lado e começou a retirar algumas trocas de roupa. Afinal, era para isso que tinha escolhido uma matéria não optativa, ficando até de tarde às sextas-feiras. Um prazer proibido. Bem, por hora, vou tomar banho sozinha. Finalmente! Se eu conseguir relaxar, talvez eu consiga pensar em alguma coisa… há, até parece! Naquele instante, caminhando em direção aos vestiários, se surpreendeu com o alto astral que lhe surgiu. É… realmente, são as pequenas coisas que dão vida à vida né?! Hehehihihi!
Um barulho de madeira e metais sacudindo ecoou pelas paredes da alongada dependência; vinha dos portões da entrada.
— Me solta seu bosta! — Uma garota pequena e de pele escura se debatia em vão, tentando escapar das mãos de um cadete que segurava seu uniforme firmemente.
— Fica quietinha, escória. Quem você acha que é, pisando numa academia imperial, hein?! Gente como você deveria estar no meio do mato dormindo na lama e comendo capivaras, como selvagens que são!
Pressionada contra o portão, também a rodeavam outros dois cadetes igualmente perversos.
— E aí, Lau, vamos fazer o que com ela? — Alto e de expressão bisonha, seu colega cadete molhava os lábios da boca ao olhar para o corpo da garota que seu amigo segurava.
Não muito longe e tentando não fazer barulho, Rumina tinha se escondido por trás de uma das fileiras dos beliches e bisbilhotava pelas brechas das camas o que estava acontecendo lá na frente, nos portões.
Mas que… mer-, maldições, essa guria tá fazendo tão tarde! Ela reconheceu a garota, era Ñanary Sierra, sua colega de esquadra.
Droga! O que eu faço, o que eu faço?! Rumina pairava imóvel, seu corpo parecia ter congelado e seus pensamentos travado num loop.
Não sabia o que fazer, o único que conseguia, de fato fazer, era manter seus olhos vidrados no que estava por acontecer.
— A gente vai dar para ela o que ela merece… — disse o terceiro cadete, encarando a garota, já tomado pelo ódio e luxúria.
Como se tivesse recebido a última confirmação que precisava para continuar, Lautaro, ainda do lado de fora, puxou a garota violentamente para dentro dos dormitórios, e seus amigos o seguiram para dentro. Finalmente, a porta estourou mais uma vez, mas desta vez fechando e trazendo penumbra aos aposentos.
Meu deus…
Pressionada pelo pescoço contra a cama, Ñanary cuspiu ao dar um soco na cara do cadete que a segurava.
— Quem você acha que tá assustando, ô grandão? — falou com a voz rouca, pela dificuldade de respirar. — Você jamais vai poder imaginar o quanto eu me esforcei para estar aqui, não é um mamador de visigodos que vai tirar isso de mim! — Ela sabia que não podia fazer nada para se livrar daquela situação, não tinha força suficiente para contrapesar três caras do dobro do seu tamanho a segurando pelos braços e pernas. — Faz o que tu quiser… minha dignidade vai seguir intacta, seu merda! E vocês dois também, seus filhos da…
Antes que ela conseguisse terminar, Lautaro lançou uma violenta bofetada que virou o rosto de Ñanary para o lado, quase instantaneamente, resultando numa bochecha avermelhada e num corte no lábio inferior da boca da garota, que agora se encontrava completamente impotente.
— Já disse pra ficar quietinha…
Por fora, ela podia se fazer parecer forte, mas por dentro, o único que podia descrever seus sentimentos mais profundos, era terror. O medo e o desespero do que a aguardava a consumiam por dentro. O pior era a angústia de saber que ela não podia fazer nada sobre isso.
Rumina, escondida, sabia o que estava acontecendo, mas não conseguia se mover. Justamente por isso, sua consciência não processava mais a situação… e já fazia um tempo.
Seus olhos começaram a fraquejar, o peso do que presenciava atrás dela era demais para ela aguentar. Então, os fechou. Em seguida, deu as costas e sentou abraçada das pernas no chão, encostada na beira da cama.
Tinha aceitado, mais uma vez, que não podia fazer nada. Era sempre assim.
Ela conseguia ouvir os barulhos que vinham da frente dos aposentos.
A tarde tinha acabado fazendo a noite descer, e com isso, o silêncio também.
O advento do silêncio não significou calma, muito pelo contrário, o silêncio só intensificou a percepção dos menores ruídos que ressoavam pelas paredes do dormitório. O som de cada movimento abafado que acontecia lá na frente, parecia estar sendo dado ao lado de Rumina.
Envolvida na culpa da sua inação, que agora carregava nos ombros, não conseguia evitar se imaginar no lugar de Ñanary. Sua consciência não permitia outra opção para ela.
Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Rumina.
O silêncio tinha se tornado um purgatório. Era sua culpa, ela permitiu que aquilo estivesse a ponto de acontecer, e teria que escutar tudo, aguentando cada parte dessa culpa.