Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 19
- Início
- Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias
- Capítulo 19 - O Plano de Victorica
17 de junho do Ano Santo de 1847 | Interior do condado de Santíssima Trindade, Campo de Batalha | 50 minutos desde a captura da colina
A essa altura não importava muito o tempo que elas tinham para tomar a colina, a antiga realidade em que a “competição” resolveria um imbróglio político já se havia quebrado em cacos e o que surgiu em seu lugar fora uma farsa, assim que o primeiro projétil explosivo estourou do lado do barril de Rumina. Se existia, de verdade, algum tipo de limite para aquela batalha, era aquele das munições e o de manter seus corpos vivos e intactos, ou pelo menos, funcionalmente vivos…
Havendo-se reunido todas as garotas 13 garotas, e Héctor, perto dos dois barris estacionados taticamente um perto do outro, atrás de um morro, Florência, que havia retirado e organizado parte do equipamento capturado, entregava um rifle e algumas munições para Virgínia. Era evidente sua linha de pensamento.
— Acho que você deveria ficar com pelo menos um dos quatro rifles que capturamos. Não vamos caber todas nós nos dois barris que sobraram. Mas, a boa notícia é que conseguimos ao redor de 50 munições explosivas daquelas duas unidades inimigas!
— Um momento… — Uma garota de marias-chiquinhas segurou a base do rifle, antes que Florência pudesse entregar a Virgínia. — Eu prefiro segurar isso — anunciou com um olhar inseguro para sua líder de esquadra.
Virginia deu de braços para Honora e foi para algum outro lugar, como se realmente nada de importante estivesse acontecendo e ela tivesse tempo para perder.
Detrás delas, Victorica parecia ter chegado a alguma solução com a nova informação, e abrindo um mapa sob a blindagem lateral do barril, ela o segurava aberto com seus braços esticados, pressionando uma das suas mãos contra o metal da máquina.
— Se entrarmos no forte, iremos estar logo embaixo de todos os barris de Gervásio, a seguir, poderei expurgar todas as munições; o resto é história. No entanto, tudo dependerá de quem é mais rápido em reagir a presença do outro… — Victorica agora delineava um círculo com o dedo indicador no mapa, como se demarcasse o rádio de uma área. — Dito isto, se existe alguma entrada para o forte, ela não deve estar afastada a muito mais que 100 metros dele. — Apesar dessa nova informação ter chegado em boa hora e ser crucial para derrotar Gervásio, uma expressão amarga surgia no rosto da visigoda. — O problema é encontrá-la.
— Agora que eu lembro, não se supõe que você é condessa da Santíssima Trindade? Você já deveria saber algo, certo? Afinal todo o território desse condado é literalmente teu.
— Está certa, eu deveria de saber. — Sem piscar, séria e altiva, a garota replicou a pergunta de Nañary. — Mas, como vosmecê pode notar, eu sequer tinha mínima noção que existia um forte aqui. — Victorica voltou sua atenção para o mapa, tentando decifrar alguma coisa que, definitivamente, não havia ali.
— Cadete Sierra, não precisa se surpreender. Na verdade, eu ficaria assustada se ela soubesse que existem laranjeiras no jardim do forte onde ela vive… Se tem algo que ela não sabe fazer é cuidar das posses dela. Por isso colocou o Héctor como adjunto para fazer suas contas e lidar com seus problemas.
Galore dava tapinhas no ombro do único rapaz de todo o esquadrão, dando a entender que ele era importante para a capitã, ou pelo menos para a vida burocrática e militar dela.
— Não olhem para mim, eu não sei de nada. Eu só faço contas e entrego os relatórios. No entanto, o que eu posso dizer é que era sabido que existia um forte da época das rebeliões, mas eu nunca cheguei a tocar nos arquivos de posse e plantas da fortificação, se é que existem… Essas não são informações que se encontram simplesmente jogadas num porão. — Internamente, ao ajustar seus óculos, Hector provavelmente já imaginava que todas essas informações provavelmente, senão certamente, estavam jogadas em algum lugar no calabouço da sua capitã, entre garrafas e barris de álcool, mas ele não queria acreditar nisso.
O senhor carrancudo, que estava sendo mantido a salvo, apesar de ter transpassado de alguma maneira pelo campo minado em completa ignorância, agora descansava sentado em um tronco velho jogado no chão, acompanhado por Sucena, a piloto da unidade Stratagemma. Considerando o fato que ele teria sido feito de saco de batatas e levado de um lugar para o outro, o velho senhor não parecia estar se movendo mais, talvez o cansaço da velhice tivesse tirado o melhor dele. No entanto, ao escutar parte da conversa das garotas, isso mudou por um instante, fazendo a bolha enorme que inflava e desinflava do seu nariz estourar rapidamente. O que lhe ressoou na mente foi a frase “Condessa da Santa Trindade”, e não era por nada.
— Você é a condessa atual destas terras? — interrompeu o velho, surgindo subitamente no meio do círculo de cadetes que a poucos minutos discutiam empolgadas uma estratégia para tomar o forte.
Com serenidade, Victorica virou seu rosto e atenção para o senhor antes de responder. A garota visigoda, apesar de tudo, sempre teve modos com pessoas mais velhas, no fim, ela não era o tipo arrogante de nobre. Títulos nobiliárquicos eram apenas enfeites para ela, e não se via particularmente acima de ninguém. Ironicamente, seu ar respeitável muitas vezes contrastava com sua baixa estatura e gestos muitas vezes fora de lugar.
— Sim senhor, eu já lhe expliquei que este é um território da coroa e, por tanto, no momento está sendo administrado pelo Q.G. colonial.
— Não é isso que eu perguntei. — retificou o senhor. — Você sabe quem eu sou?
A garota pensou por um momento, ainda sem responder, e encarou novamente o senhor para novamente lançar o olhar para o lado, antes de voltar novamente a ele.
Ser condessa da Santíssima Trindade, significava muitas coisas. Uma delas era o domínio de um território. Quer dizer, conceder terras para para certas pessoas, amigos, parentes ou burgueses era comum, e o dono do título, e a quem ele era passado, também herdava todas essas responsabilidades sobre as concessões territoriais a todas estas famílias que ali residiam. Ser conde significava ser um lorde de um território, afinal, e por conseguinte, o lorde deveria saber destas coisas. Geralmente. E era a isso que o senhor se referia.
Quando Victorica voltou a atenção ao senhor na sua frente, desta vez ela parecia mais leniente, e evidentemente cuidadosa, como se estivesse falando com alguém do qual ela tivesse imenso respeito e admiração. Não era uma farsa de uma Victorica que não lembrava de organizar documentos e nomes de terras, dessa vez, era uma expressão estranhamente sincera de alguém que realmente sabia com quem estava falando.
— Acredito que eu não sei senhor, não sei mesmo.
O velho compreendeu a expressão da garota, e empatizou com seu sentimento. Parecia que através daquele olhar, ambos haviam entendido os valores e convicções semelhantes do outro. A linha de um sorriso fechado surgiu dentre as barbas esponjosas do homem.
— E eu achava que a nova geração de oficiais da colônia estava perdida. Quem diria que uma mulher visigoda me daria uma impressão diferente, hahaha.
— Não sei do que estás a falar, senhor, nossos oficiais são todos muito competentes. Pelo menos… aqueles que não se vendem.
Por algum momento ela se deixou pensar para dizer algo, mas antes que ela pudesse, o senhor idoso apontou para o mapa.
— Bem, garotas. Eu posso ajudar. — Ele acariciou as barbas, antes de continuar. — Não entendo qual é a situação de vocês, mas o que eu sei é identificar quem são os cipaios[12] e quem não o são quando os vejo.
Sentando novamente no tronco, ele prosseguiu explicando para as garotas aquilo que elas mais precisavam saber naquele momento: como encontrar a entrada subterrânea para o forte. Para todas as garotas presentes ali o surgimento do senhor agora tinha virado uma dádiva divina que gerou um grande alívio, mas para outras, tinha sido uma oportunidade inesquecível.
Nota de Rodapé
[12] Cipaios (Cipayos em espanhol/castelhano) historicamente são soldados indianos que trabalhavam para os ingleses durante a colonização da Índia, porventura disso, os argentinos começaram a usar o termo cipayo de maneira depreciativa para se referir mercenários, colaboradores nativos de países estrangeiros, etc.; em outras palavras, traidores da pátria que trabalham para nações estrangeiras.