Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 16
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- Capítulo 16 - A traídora (I)
Alguns momentos antes
Ver o sinalizador de Gervásio pintando uma linha verde no céu reafirmava a convicção de Victorica de que a batalha nunca havia dependido apenas de sorte e sim de quão longe elas estavam dispostas a ir para ganhar. O seu cálculo inicial tinha sido correto, já que ela esperava que os inimigos não tivessem a capacidade de tomar a colina desde o começo, mas, novamente, era a aparente astúcia do capitão que a surpreendia; demonstrando que tinha planos mais sanguinários por detrás. A situação havia se complicado e as perguntas começavam a surgir na sua cabeça.
— Tudo isto cheira-me muito mal…
Os barris de Victorica e Virgínia, avançavam juntas rumo a se reagrupar com Lília, ordenada a manter posição ao extremo sudeste na grade D4.
Enquanto o vento acariciava seus cabelos, sob a escotilha da torre, a visigoda encarava pensativa o horizonte em movimento… É verdade, a batalha teve aval de Ostrogoda, a fim de contas, agradava uma parte dos generais do Q.G. e serviria como uma maneira de resolver o antigo incômodo da minha presença para gentes como Badajoz, e claro, para testar os barris em campo. Tendo o transfundo de ser um “exercício de simulação tática”, a estúpida contenda se resolveria sendo útil do ponto de vista de prontidão e organização militar. Contudo, o que mais cheira-me mal é a atitude exagerada de Gervásio. Ainda não sei quem esteve-o motivando a tomar medidas negligentes como estas. Dito isto… tenho certeza que não são os generais, eles sempre foram mais discretos e ardilosos. Não estariam de acordo com uma ação desmedida como esta, e definitivamente não perderam os parafusos o suficiente para assassinar uma nobre visigoda em território colonial; ao fazê-lo estariam suicidando suas carreiras, mais ainda, ao causar danos desnecessários aos nossos importantes barris… Isso é inimaginável, por mais que eu e os generais do estado maior colonial não nos levemos bem, sei que são homens de palavra e leais ao império, apesar dos pesares…
— Capitã, reporte de Lília — indicava Picota, desde baixo dando um tapa na bota da capitã e passando o microfone do rádio.
— Victorica na linha, câmbio.
— Capitã, a primeira vista o D4 está completamente limpo… acredito que o grupo inimigo tenha se reagrupado e montado defesas aos arredores do forte. O capitão Gávea pretende dar o fim em nós lá de cima.
— Excelente — respondeu brevemente, Victorica. — Pois bem… agora o que quero saber é… o porquê de vosmecê estar trabalhando com esse capitão desvairado e a trair suas companheiras, del Alma?
A denúncia da capitã tomou quase todas as garotas conectadas pela transmissão, e Hector, completamente de surpresa.
Com um rosto sombrio, a amiga de Rumina ficou em silêncio por alguns segundos, antes de aproximar sua boca ao microfone e responder.
— Ai, ai ai… como chegou nessa conclusão, capitã?
— Simples, cadete. Desde que partimos da primeira linha, pedi a Virgínia que monitorasse outros canais de rádio a fim de conseguir interceptar transmissões do grupo inimigo. Entretanto, não tivemos sucesso, devido a criptografia…
— As frequências do nosso canal, vindas de ti, tinham interferência de maneira flutuante… o que por si só já é bizarro, já que não existem estações de rádio na cercania que usem as frequências de curto alcance que utilizamos — complementava Virginia, se somando à capitã.
Com seu cantil na mão, Victorica, agora, fazia uma expressão de lástima ao tomar um bom gole de aguardente.
— O que realmente fez-me ter certeza foi ação voluntária de ser uma “distração”. — A capitã agora relembrava o momento em que Lília desviou caminho rumo à mata densa de arbustos e começou a “metralhar” os inimigos que estavam na perseguição. O que os fez dar meia volta e “fugir” de uma possível retribuição de uma Lília com o canhão nas suas culatras. — Àquela altura, as regras da disputa não faziam mais sentido, afinal os miseráveis haviam estado a usar munição real. Que razão existiria para dar meia volta? Teriam medo do quê? Pintar seus barris de azul? — A visigoda martelava o último prego no caixão da credibilidade de Lília. — Não! Eles deram meia volta para cobrir o passo de Gervásio à colina, e vosmecê foi a estrela principal de todo esse teatro. Era óbvio que foram informados de antemão que planejávamos fazer uma pinça pelo sul e o norte da estrada, sabendo que seria muito difícil tomar a colina antes do que eles. É por isto mesmo, que agora, Rumina encontra-se num impasse com dois barris inimigos.
— …E-ela não é meu problema, tsc. — Lília, parecia demonstrar angústia no rosto, apesar da relação complicada com a amiga. — Bem, você me pegou capitã. Não leve essa traição como algo pessoal, eu simplesmente não tenho outra opção a não ser fazer isso.
— É uma pena, eu tinha grandes expectativas de vossa mercê e sua esquadra. — A voz serena da capitã era reproduzida pelo receptor do rádio do barril da garota de tranças.
A mando da sua comandante o barril da esquadra traidora começou a se mover, e sem sequer hesitar, suas garotas seguiram as ordens a seguir. Julieta, a municiadora, uma garota de busto pequeno e cabelos loiros curtos e cacheados, levantou um dos pesados projéteis ao seu lado e trocou com agilidade a munição que estava carregada anteriormente.
— Fogo! — anunciou a Lília, com um olhar congelante e decidido.
Sem hesitar, Bárbara, com o olhar na mira, puxou a alavanca de tiro, vendo o canhão cuspir fumaça e fogo em direção à lateral do barril de Victorica, que ao longe, voltava em direção à colina.
Elas não estavam no D4. Surpresa! Na verdade, elas nunca obedeceram a capitã e ainda pairavam na posição na mata onde estiveram se escondendo até o momento, apenas esperando que o barril da capitã passasse despercebido. De fato, um lugar, convenientemente, muito útil para emboscar outros barris.
Certeiro, o tiro explodiu na lateral do barril, fazendo uma nuvem de fumaça surgir na sua frente.
— Acho que acertei em cheio, Lília! — disse a garota de olheiras e cabelos escuros à frente da óptica do canhão.
— Não… ela não vai sucumbir só com isso… ela não é normal.
A comandante encostou a bota no ombro da piloto e o barril deu meia volta rapidamente rumo à colina, para se reagrupar finalmente com o capitão ao qual ela verdadeiramente jurava lealdade.
Ao dissipar a fumaça, o que se viu era uma Victorica, que desde a torre do seu barril, ostentava por cima do quepe militar uma auréola resplandecente e flamejante de cor celeste, com um símbolo vermelho de uma cruz calatrava que simulava uma flor no seu centro. Acompanhando-a, um globo ocular do tamanho de uma bola de futebol, rodeado de anéis dourados cheios de olhos, flutuava ao seu lado.
— Avante! Atrás das traidoras! — vociferou a capitã, apontando para frente, mais incisiva do que nunca.
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Frente a entrada da colina, rodeada de árvores, pairava um barril. A floresta que delineava o caminho, assim como um raspão faz uma linha num tapete peludo, era densa e tinha pouca visibilidade, mas o pior disso é que agora, ela havia havia sido ocupada por forças inimigas prontas para aniquilar qualquer barril despistado que tentasse dar passo adentro.
— É isso, capitã, não existe mais volta atrás! — exclamou em alto e bom som, Lília, do alto do seu barril. — Ou vocês desistem e se entregam para conseguir uma pequena chance de viver… ou seguem adiante com essa estúpida tentativa de capturar a colina sem armas e vivem para ver seus corpos sofrerem uma morte dolorosa e infeliz através do fogo e do metal dos canhões de de la Gáv… — Lília se interrompeu, antes de continuar. — Dos nossos canhões.
A garota de olhos cinzas, viu sua capitã e antiga camarada pararem seus barris a uns 100 metros atrás delas.
— Entregar-me, eu, euzinha? Nunca! E vosmecê, cadete Virginia, o que dizes?
— O dia que os porcos voem, capitã!
— Capitã… O sr. Gávea não é tão idiota quanto você pensa… ele sabe sobre seu anjo e arquitetou todo esse plano pensando nisso. Se você acha que ter um pacto é o suficiente para dar conta de um grupo de batalha inteiro de barris armados, a senhorita está enganada. Eu te suplico… mande para que todas se rendam antes que isso se converta em um banho de sangue…
O som de uma explosão surgiu de longe, e logo após, era possível ver no céu uma nuvem de fumaça e vapor subindo desde a elevação onde Rumina havia sido cercada.
Vendo isso, quase instintivamente, o anjo de Victorica fez seus anéis girarem de uma maneira irregular e rápida, como se tentasse comunicar alguma coisa para sua pactuante.
Victorica, por um momento, encarou o olho flutuante sem expressão, antes de soltar uma gargalhada ingênua.
— Hahahahahhahahah! Que ironia! — Com uma mão no rosto, incrédula, a bela e radiante visigoda não conseguia evitar um feliz sorriso saltar de bochecha a bochecha.
Lília virou sua atenção, ao mesmo tempo que a outra garota, em direção à posição da fumaça. Entretanto, era um rosto perturbado o que surgia nela e um que começava a ficar completamente deprimido, desolado e finalmente deformado, como se não conseguisse aguentar o que ela acabava de presenciar.
“O que ela tinha feito?”, “realmente valia a pena ter traído suas companheiras?”, “porque isso aconteceu com ela?”, “e agora?”. Seus pensamentos convulsionaram em uma onda de sentimentos dolorosos com os quais ela não podia fazer nada, além de suprimir com todas suas forças. Naquele momento algo quebrou dentro de Lília e, desolada, como se estivesse pisando nas águas rasas de um lugar claustrofóbico e sem saída, o único que podia fazer agora é ver os cacos doloridos do seu coração cair um a um, nas suas mãos, manchadas de sangue; o sangue de Rumina.
Com um grito de agonia que rasgou os céus, Lília bateu na escotilha do barril indignada com ela mesma.
— Do que você está rindo, sua maluca?! Isso é tudo sua culpa! Ela morreu por sua culpa e todas vão morrer por sua culpa! — Com uma lágrima escorrendo pelo seu rosto pálido e inexpressivo, a garota deu de costas para os barris e mandou sua piloto arrancar. — Espero que tenham boa sorte tentando passar pelo campo minado sem perder nenhuma parte do corpo ou queimando dentro dos barris, suas imbecis…
Com o barril de Lília desaparecendo na estrada, Virgínia não soube fazer outra coisa que tentar compreender a situação.
— E agora capitã, isso não quer dizer que a esquadra Zugravescu morreu? O que a gente faz?
— Ora, ora… Pois, eu não estaria convencida! Haha… — Essa garota não tem alma? — O sr. olhos está a me dizer que Zugravescu e Fierosa conseguiram dar conta dos barris inimigos… mais importante, agora nosso dever é o de resolver o problema à nossa frente. — Victorica bebia um gole, mais esperançosa.
A estrada empoeirada, agora, emanava um ar muito mais ameaçador e sombrio do que antes.
— Verdade, devemos cruzar o campo minado. Pode deixar comigo, capitã! — Virgínia saiu do barril habilmente e começou a bater a armadura lateral do blindado com uma pá, fazendo tinir um som forte e grave. — Saiam.
— Para, para! Tá bom, já estamos saindo, para! — diziam as garotas ao escapulir rapidamente como ratos pela escotilha lateral e superior.
— Realmente era necessário fazer isso? Era só dizer, sua idiota! — Mesura gritava com razão para sua comandante, como de costume.