Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 14
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- Capítulo 14 - Eu Não Quero Morrer!
Com o tinido de uma munição sendo deslizada para dentro do canhão e a batida do carregador se fechando, o som explosivo de um tiro estrondou pelas planícies. O tiro atravessou o meio da linha de árvores e detonou no chão, perto de onde estava o blindado de Rumina.
— Hehehe, eu vou fazer você vai pagar pelo que me fez…. Não sabe o quanto eu estive esperando por esse dia, sua vagabunda! — Subindo pela escotilha, era possível ver um cadete de cabelo loiro e espetado fazendo sinal para o barril amigo à sua esquerda; esse alguém que saíra não era ninguém menos que Lautaro. — Vamos encurralar elas pelos dois lados! — cantarolou de forma pervertida.
Agora já era possível escutar que os barris inimigos começavam a avançar, fechando-as pelo leste e oeste. Por sorte as garotas ainda tinham a cobertura da leve elevação ao sul da grade B4, mas não parecia que a cobertura iria ser útil por muito mais tempo.
“Como aquela capitã espera que aguentemos aqui até chegar Fierosa?!” Rumina não conseguia evitar a frustração da ordem dada.
— Esquadra Zugravescu para Fierosa… quanto tempo estimado para o reforço, Fierosa? Câmbio.
Sem muita demora, um zumbido voltou pelo fone de Rumina.
— Uuuh… ééé…. aqui né.. Certo. — Os zumbidos ficaram mais fortes no meio de sons esteiras e o toque de mãos, antes de finalmente se estabilizarem. — É a Corina, quero dizer, Esquadra Fierosa, estamos a… — dizia uma garota de aparência inocente ao lado do carregador do tanque, com o microfone nas mãos. — Estamos a 300 metros de distância da sua posição, se formos a todo vapor… eu diria, uns… 10 minutos? Câmbio.
— Re-recebido… vamos fazer o possível. Câmbio e fora.
Merda, merda, merda… CARALHO! Rumina bateu com o punho no metal da torre. Porque ela deveria estar numa situação assim? “Porquê?! Por que a morte e a desgraça vivem flertando comigo?!”. A garota não podia evitar chorar suas mágoas internamente. Mais uma vez, ela estava encurralada, em mais de uma maneira, e não sabia o que fazer.
— A essa altura, essa batalha já não faz mais sentido. Com a munição explosiva que esses covardes filhos da puta estão usando, é óbvio que não vão respeitar as regras do jogo, mesmo que acertássemos em um ponto crítico com com nossas munições de tinta. Poderíamos estar atirando bananas neles e seria o mesmo…
Com toda a pouca calma que ela podia ter, Dolores tentava encontrar na sua cabeça razões para seguir lutando, enquanto encarava a mira do canhão, que pairava logo à sua frente.
Nañary, do seu lado, estava paralisada, tentando olhar para fora pelo visor dianteiro, apenas esperando ver o surgir o canhão inimigo por um dos lados da cobertura da elevação. O barril naquele momento parecia começar a esfriar, mesmo que o motor estivesse ligado e seu calor tivesse sido relativamente ameno até o momento, por causa da temperatura do dia. Mas esse frio não vinha de fora, e sim de dentro delas. Era a sombra do Deus da morte se assomando por cima do barril e levantando a foice, esperando pelo momento final em que os barris alcançassem a encurralá-las pelos dois lados.
— Nós não poderíamos simplesmente fugir? — sugeriu Florência, quebrando o gelo que começava a cobrir o barril. A garota que não havia dito uma palavra até o momento, e muito apesar da sua aparente calma e rosto cordial, ela não conseguia fazer parar de tremer suas pernas e braços.
— E o que cê acha que eles vão fazer se virem a gente sair correndo no meio do campo que nem umas frangas perdidas? Tsc! Se toca Florência! Por incrível que pareça, o lugar mais seguro é dentro dessa lata…
O clima era horrível. Parecia que elas estavam apenas esperando para serem encurraladas e peneiradas pelos dois barris inimigos.
Nessa situação, a única pessoa que podia fazer algo era ela. E ela sabia disso. A comandante estava numa encruzilhada entre dois caminhos igualmente desesperadores, mas agora era o momento de fazer uma escolha. Uma que por muitos anos evitou fazer, por medo, por pressão, por obrigação… mas pior do que isso, por que ela sentia que era o único caminho que existia. Lutar contra as amarras que o sistema visigodo impunha tinha sido apenas uma fantasia, ironicamente, uma fantasia que para ela era impensável.
Eu só sei que… e-e-eu não quero morrer! Nessa situação… não importa da forma que tu veja, todos os caminhos levam ao enfrentamento e a morte…
— M-mas… não tem outra. — Rumina murmurou para si mesma, deixando seu punho se abrir lentamente sob a parede fria da torre. Se não forem eles, vamos ser nós. E mesmo que a capitã acabe sentindo uma distorção no campo liminar, eu prefiro ter a chance de ver o amanhã e descobrir uma forma de seguir adiante! — Existe… e-existe uma alternativa. — Com os olhos chorosos e o rosto sombrio tapado pelos seus cabelos, a garota agora murmurava para suas tripulantes.
Elas nunca tinham visto aquela expressão no rosto da sua líder de esquadra. Era um rosto de resignação e indiferença, que contrastava muito com seu rosto tímido, medroso e envergonhado de sempre.
— …E que alternativa seria essa, hã?
As rígidas cadeias mentais criadas pela sua criação e o passar do tempo tinham sido finalmente quebradas.
— Vamos ir… em direção a e-eles…
— C-como assim? — disse Nañary, estapafúrdia.
Não havia muito tempo para explicar o que Rumina pretendia fazer acontecer a seguir, mas ela precisava fazer o esforço, para aqueles rostos surpreendidos com sua inusual resposta.
— V-vocês precisam confiar em mim… não temos outra opção daqui em diante do que… ir pelo meio e tentar desabilitar os b-barris inimigos…
Dolores abriu o carregador, mostrando uma munição encaixada no canhão.
— Qual é seu plano, acabar com eles com essas munições de tinta?
— …S-sim!
🕀🕀🕀
Era um plano arriscado, afinal nada garantia que as unidades inimigas iriam agir de acordo como elas esperavam, mas a ideia já fora aceita por todas, apesar das ressalvas de algumas sobre o que Rumina lhes teria mostrado…
A bela piloto do barril segurou uma alavanca para diante e outra para trás, puxando a embreagem e engatando marcha ré no acelerador. Rapidamente, o barril das garotas começou a rotacionar e ficar de costas para a elevação.
— Espero que isso funcione, porque senão, eu juro que vou te matar ainda depois de morta, Zugravescu!
— P-pode deixar…
Rumina cruzou os dedos indicador e médio, e puxou seu braço em direção à direita, abrindo um vão nas laterais da cabine da torre. Não havia nada do outro lado da realidade, além de fios. Milhões de fios.
Sem Kuntur eu não consigo fazer muito além de configurar o básico no plano material… além de que, se eu usar muito da minha própria força vital, isso vai me quebrar depois… Vou ter que ser criativa…
Vendo apenas metade do corpo de Rumina, sentada na cabine, uma das garotas viu novamente aquilo que parecia inacreditável aos olhos. Apesar de já ter visto algumas vezes o processo de projeção, o sentimento de estranheza e absurdo que surgia no seu interior sempre era o mesmo, ao ver a realidade sendo partida ao meio; encarar o vão por si só, era tenebroso.
— Consigo ver um dos barris inimigos entrando pela esquerda! — anunciava Florência, vendo pelo visor do piloto. — Parece que eles já notaram que estamos aqui em cima…
Assim que o primeiro barril chegou no fim da intersecção, onde estavam elas antes, ele lentamente começou a virar para cima, para apontar seu canhão na direção delas.
Lautaro, agora dentro da torre, soltou uma gargalhada cacofônica.
— Elas realmente acham que a frente do barril vai defender elas de um tiro direto?! Hahahahah!
Rumina finalmente lançou um segundo movimento ágil com seu braço esquerdo e segurou diversos fios com suas mãos para um lado.
— Eles estão muito confiados achando que não temos como contra-atacar, e essa é a fraqueza deles… Configuração de observação: objetos tipo “Cu e H2O”, alteração de substância, vide, alteração de densidade et sum alteração de ligação; projeção de reforço! — Em um piscar de olhos, milhões de fios em algum outro lugar se entrelaçaram e se puxaram entre eles de forma rápida e firme… contudo, nada parecia ter acontecido no plano material, mas, sim, algo tinha de fato acontecido… — F-fogo!
Antes que o barril inimigo conseguisse sequer se posicionar, Dolores, com o motor do inimigo na mira, puxou com força a alavanca de tiro.
Uma explosão estrondou pelo campo inteiro, e iluminando a ponta do canhão, um empurrão puxou o barril das garotas para trás.
Direto no alvo, a bala atravessou pela caldeira do barril inimigo e perfurou um dos tanques de água, fazendo o líquido ardente e pressurizado estourar em uma nuvem densa de vapor que sumiu em direção ao céu. Dentro do barril, só se ouviram os gritos de agonia dos tripulantes, que agora estavam sendo cozidos a banho Maria dentro da prisão de aço, na qual, minutos antes, se sentiam invulneráveis.
O barril de Lautaro parou de se mover, mas a batalha ainda não havia acabado. Ele era apenas uma das duas unidades.
Do lado direito, outro barril surgiu apontando o canhão em direção às garotas. Não havia forma de esquivar do tiro. Agora, a lateral das garotas estava completamente aberta.
Com diversos fios na mão esquerda, mantendo a configuração que acabara de estabelecer, Rumina sentia o peso dos fios na mão começar a rasgar seus dedos e levar seu braço para baixo.
— E-eu, não posso… A gente não pode morrer a-aqui ainda!
Ela segurou a alavanca rotatória da torre, com a mão direita, e começou a girá-la rapidamente para posicionar sua torre em direção ao flanco vulnerável à sua esquerda. Entendendo a situação, ao ver pelo seu visor lateral o barril inimigo apontando para elas, Florência trocou a marcha para diante e fez o barril deslizar para baixo velozmente.
Se a gente não pode atacar eles, pelo menos, podemos criar uma situação para comprar tempo…
Rumina arrancou mais fios do vão com a mão direita, que agora estava livre, e configurou mais uma vez: — Configuração de observação: objeto-estrutura “Cetina”, alteração de substância, vide, alteração de densidade et sum alteração de ligação; projeção de reforço! — Com ambas de suas mãos pesadas, cheias de fios entrelaçados nos dedos, ela segurou as duas alças da metralhadora e pressionou o botão no meio com o polegar, fazendo uma cortina de balas começar a chover em cima do barril inimigo.
Outro tiro de canhão estourou, mas dessa vez, para a surpresa do atirador, uma bala de metralhadora havia conseguido atravessar o vidro do visor, ferindo seu braço, o que fez com que ele errasse o alvo por alguns milímetros.
Ainda em movimento, o Teiws-A4 das garotas havia conseguido esquivar para o flanco direito do barril inimigo, mas ainda estavam lado a lado, e os inimigos tinham a iniciativa.
Nañary levantou e carregou mais uma bala de canhão, mas com sangue escorrendo pelas mãos, Rumina já não conseguia mais manter as configurações. Pouco a pouco, seus dedos avermelhados e apertados começaram a fraquejar e os fios a desaparecer junto ao vão.
Rotacionando em direção a elas, barril inimigo estava a ponto de tê-las na mira. Era o fim para as garotas, apesar de que elas haviam se esforçado ao máximo para sobreviver…
Ou pelo menos, isso era o que tinham pensado, até o ruído do rádio soar novamente.
— Ehem! Estão precisando de uma ajuda?
Morro abaixo, a toda velocidade, surgiu o barril de Fierosa que antes de chegar à base do morro, freou com agilidade uma das esteiras. Ao fazer isso, o barril deslizou de lado e colidiu violentamente com a lateral do blindado inimigo, A batida retumbou o som de metal e ensurdeceu ambas esquadras, mas pouco depois o barril inimigo tombava sem não antes estourar uma de suas esteiras no processo.
Mas esse não era o fim… para os tripulantes do grupo de Gervásio, que ainda virados, tinham a mira direcionada às garotas.
Levantando, atordoado, o comandante masculino inimigo voltava aos seus sentidos, furioso.
— Atire nessas malditas agora! FOGO!
Sem mais, o estopim do projétil do barril derrubado era incendiado com a puxada de uma alavanca, e uma explosão saiu do canhão; era um tiro direto ao barril de Rumina.