Sina de Guerra! Ou Como uma Garota Projetava Fantasias - Capítulo 10
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- Capítulo 10 - Máquina de Guerra
Um largo tecido de pano descobria o que parecia ser uma enorme caixa de metal com a bandeira do império estampada em uma das suas laterais.
Uuaaahhh! O capitão Gervásio do duzentos onze não vai gostar naaaada disso! Galore olhava com hesitação para Victorica, que já estava bebendo de novo.
As quatro garotas ficaram atônitas com o que acabavam de ver, muitas delas nunca tinham visto uma máquina parecida com aquela.
— Um… trator… — disse Rumina, baixinho.
As outras três olharam de relance para ela.
— Você sabe o que é essa coisa de metal? — respondeu Florência, surpreendida.
Victorica deu um passo torto adiante e deu umas batidinhas na parede de metal do blindado.
— Quase isso! Hahaha! — A capitã se aproximou de uma das torretas laterais e abriu a escotilha mostrando o que havia dentro. — Não, tolas. Isto que vos apresenta diante não é um trator, apesar de haver sido baseado num, isto é um barril armado de batalha. Um Teiws A4: Uma máquina de guerra mortal que vossas mercês irão aprender a pilotar e manejar daqui em diante.
A seguir, a capitã abriu a escotilha lateral, da torreta, e entrou, desaparecendo para dentro do barril. Vendo isso, Florência, ainda interessada, voltou a perguntar a Rumina sobre o que ela sabia da máquina nas suas frentes, mas a garota não respondeu, já que parecia estar perdida olhando para longe da capitã.
— Ei! — Ñanary deu um tapa na cabeça de Rumina. — Volta pra realidade, ô!
— U-uhm, a-a-alguém disse algo?
— É má educação não responder quando alguém pergunta algo, sabia? — Florência novamente pegou a atenção da garota atordoada ao seu lado.
— A-ah… — Rumina coçava a cabeça envergonhada, voltando a lembrar da última coisa que Florência havia perguntado. — É, uuugh… Um trator é uma máquina parecida com um carro que usamos na fazenda para substituir os cavalos e bois na hora arar e fazer outras coisas… A diferença está nas rodas. — Ela apontava em direção às lagartas. — Na época de chuvas e no inverno é bastante húmido, então as lagartas são bastante úteis para andar em qualquer terreno em qualquer época do ano… e fazer as coisas.
Eu acho que foi isso que o velho me disse naquela época…
— Huh, então cê sabe falar no fim das contas, tsc. — disse Dolores, de forma amarga, antes de continuar — Quer dizer que até os birivas têm esse tipo de tecnologia… irônico! — Com um sorriso afiado, a garota insultava Rumina mais uma vez.
Do lado de trás, onde parecia estar o motor da enorme máquina de guerra, a garota que tinha revelado o barril e desaparecido nos primeiros momentos, aparecia agora fazendo as últimas checagens até o momento antes de dar um grito: — Capitã! Tudo pronto!
Sem demorar muito, Victorica assomou a cabeça pela escotilha.
— É óbvio que os camponeses teriam o apoio da coroa, sem isso não seria possível exportar comida e outras benesses à metrópole. A Platina é uma colônia, afinal de contas. — A autoridade que Victorica queria passar, como condessa e filha do vice-rei, se revelava nitidamente, quase como se estivesse dizendo “é minha colônia”.
Finalmente, a bela bêbada escondeu o rosto novamente dentro do blindado, e em seguida, o assustador barulho de um rugido começou a retumbar pelas paredes do hangar, acompanhado de um pesado ranger e bater de metais.
— Estão esperando o quê, cadetes?! Aos poooostos!
Com a bota pisando o pedal de arranque até o fundo, o pouco de seriedade que Victorica passava minutos atrás tinha desvanecido como pó. Qualquer pessoa que visse seu rosto naquele momento perceberia uma expressão que não era digna de uma capitã, ou uma condessa, mas de uma criança que tinha acabado de receber um doce; e estava mais do que feliz em saboreá-lo!
Galore habilidosamente subiu no topo do barril e entrou por uma das escotilhas de cima, mas não sem antes sinalizar às garotas, hesitantes diante da máquina cuspindo fumaça, para que entrassem também.
— Simbora! — disse Ñanary, a mais valente, pulando para dentro primeiro.
— Humpf! Até parece que eu vou arregar! — seguiu Dolores.
Só sobraram as duas.
Rumina olhou para Florência inocentemente, esperando que ela subisse. A garota, no entanto, parecia estar tremendo, ainda que tentasse fingir algum tipo de firmeza que não a colocasse debaixo de suas colegas.
Desde o início Florência parecia ter sido a que mais se surpreendeu com a máquina, talvez por isso era fácil deduzir que a ideia de subir em cima daquilo a começava apavorar, mais ainda depois de sentir rangidos e batidas dos pistões do motor. Para Rumina, no entanto, que já tinha visto máquinas muito maiores do que essa no campo, isso era apenas um trator assassino turbinado encaixado com algumas metralhadoras e um canhão. A única razão de não ter sido a primeira a entrar era por simples timidez. Entretanto, tudo isso começava a mudar agora, ao ver naquele estado de paralisia a única companheira de esquadra que lhe fora especialmente gentil durante todo esse tempo.
Esse foi o último empurrão para tomar a iniciativa que ela precisou. Sem pensar de novo, Rumina pulou para dentro.
— V-vamos, não tem o porquê ter medo… — A garota estendeu uma mão para a outra.
“O que era o que a motivava a tomar riscos e tomar a iniciativa?” Era uma das questões que começaram a martelar sua cabeça naquele momento de lucidez. “Porque ela não tinha sido capaz de fazer o mesmo horas atrás?”.
Ñanary estava errada, eu poderia ter feito algo com a ajuda do meu pacto… com a ajuda do meu poder.
O que a tinha impedido de fazer algo era uma força muito maior, que nem mesmo ela podia descrever. Sempre foi assim e sempre seria.
Eu tinha medo de fazer algo… por mim mesma.
Florência ficou parada por um momento, tomando a força para dar o primeiro passo dentro da torreta, mas finalmente deu a mão para Rumina e num pulo subiu a bordo.
Estando do lado da garota, que mostrava uma expressão um tanto abatida para quem tinha acabado de se mostrar mais corajosa do que a princípio parecia, a garota de cabelos laranjas sussurrou alguma coisa baixinho que só ela pôde escutar no momento: “Obrigada, não posso deixar que me vejam assim”.
Escutando isso, Rumina deu espaço para que ela fosse adiante e notou um sorrisinho que quiçá nunca tivesse visto no rosto da colega. Hã? Ainda perdida na reflexão anterior, ela ignorou toda a situação por um momento, e fechando a escotilha, deu meia volta para dentro do barril, aos gritos da capitã.
— Coño![8] Malditos engenheiros da metrópole! Não deixo de adorar estas maravilhas da holosíntese visigoda! Ave, ave! — Eufórica, ela puxava o apito da caldeira a todo vapor uma e outra vez.
Ao sinal, Victorica trocou de marcha fazendo o barril dar uma arrancada brusca, e produzindo todo tipo de barulho mecânico e metálico, elas começaram a se locomover em direção aos portões que davam a saída do galpão militar. Naturalmente, Galore abriu a escotilha do outro lado, ao se segurar com uma mão dentro do barril, e se esticou o suficiente para puxar uma alavanca no chão que passava do lado das lagartas em movimento.
As garotas começaram a perceber que Victorica estava bêbada demais e começaram a surtar “ela realmente deveria estar dirigindo nessa condição!?” vendo que ela conduzia a todo vapor em direção ao portão.
— A capitã não precisa se preocupar com esse tipo de coisas… hehe…— notou a garota de cabelos navais escuros. Não era a primeira vez que a via fazer esse tipo de coisa com outros cadetes.
O que Galore mais tinha medo, como a sargenta subordinada direta dela, era das escolhas administrativas que sua chefe fazia bêbada…
No fim, quase como por arte de magia, milagrosamente, o portão começou a se abrir a poucos metros do barril, fazendo as luzes do belo amanhecer começarem a surgir pelas frestas dos abundantes visores do blindado.
Nota de Rodapé
[8] Basicamente, um palavrão em espanhol da Espanha que significa algo parecido a “b*c*t*”. Tipo como quando dizemos “c*r*lh*” em português.