Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 32
Ah, a melancolia… Você sabe que alguém está realmente deprimido quando até a sua sombra parece entediada. E lá está Rin — aluna 04 — de braços cruzados no centro do tablado de terra, personificando a apatia.
Com um cabelo lilás curto que não se vê todo dia, a garota carrega consigo uma energia tão pesada que faz o ambiente sob a luz do dia parecer um velório. Sua franja desarrumada, caída à esquerda, cobre metade do rosto, revelando apenas um olho de pupila e íris púrpura aparentemente capaz de armazenar todo o tédio existente no mundo.
Mas, o Major Yura, sempre atento e nada sutil, percebe algo que o deixa desconfortável. E vamos ser sinceros, se há algo que deixa um homem assim desconfortável, todos em volta ficam em dobro.
— QUE ANOMALIAS SÃO ESSAS EM SUAS MÃOS, ZERO QUATRO?!
Cobertas por tons roxos que se movem como uma paleta de aquarela consciente, as mãos de Rin não apenas tomam olhares fascinados ou confusos, mas nos faz perguntar se alguém deu um balde de tinta para uma criança hiperativa e disse: “faça o seu pior.”
— Hm? O que tem elas? — A voz de Rin é suave, levemente rouca… e claro, cheia de sarcasmo. — Oh… entendi… são diferentes, né?
— SEM ENROLAÇÕES NAS MINHAS TUTORIAIS! APRESENTE-SE LOGO!
A garota suspira e murmura: — Ugh, esse sujeito é mais sem noção que os banheiros deste inferno. Por que eu tinha que parar aqui? Este lugar só me traz vitupérios… Ah, que se dane… — Logo ela eleva um pouco a voz. — Meu nome é Rin, dezenove anos, formada em um lugar qualquer e… Ah, eu não preciso falar da minha altura, já viram que sou baixa… Bom, pelo menos não sou a menor daqui.
— HÃN?! — Entre os alunos perfilados, uma pequena furiosa se ofende, mas mantém a compostura.
— APRESENTAÇÃO INCOMPLETA, ZERO QUATRO! ONDE ESTÁ O SEU SOBRENOME?!
— Meu sobrenome…? — Rin esquiva o olhar para o lado, enojada. — É… Kurosawa…
— Hm, agora seu rosto e sobrenome me parece familiar… É parente da recepcionista Yui?
Sem olhar a turma, a garota tem seu nojo aumentado. — Aquela vaca é a minha irmã mais velha.
O instrutor esfrega as mãos enquanto disfarça um sorriso interesseiro. — Muito bem, talvez haja meios de conseguir alguns contatos, he he… — seguidamente, ele se ajeita, voltando o ar de seriedade. — Ahém! PROSSIGA, ZERO QUATRO! DEMONSTRE A FUNDO SUAS HABILIDADES ÁURICAS!
— Não posso.
— … Não pode?
— É uma longa história… preciso mesmo explicar?
— CLARO QUE DEVE!!! CONTE-NOS OLHANDO PARA NÓS!!!
Rin revira o único olho visível até voltá-lo à turma. — Ooookaaay… Minhas mãos são assim desde que nasci, e aos quatro anos de idade, fui diagnosticada com uma aura de origem desconhecida. No caso ela tem vários nomes, porém é mais fácil chamá-la de aura do vazio.
Áuricos com poderes de origem desconhecida podem não ter seu tipo de uso: emanador, dobrador, e retrator, designados. Normalmente isso acontece pela complexidade do entendimento de seu funcionamento em relação ao universo. Este é o caso de Rin.
O Major aparenta entender algo. — Vazio…? Por acaso você é a…
— É… a “menina vortex”, a que passou por anos de observação e pipipi popopó… Todo mundo já sabe dessa história, mas pelo visto, não me reconheceram a primeira vista… Será que isso é bom?
Todos os presentes reconhecem o relato, uma garota que por nascer com um poder áurico de potencial devastador, tem sido cuidadosamente observada e guiada por médicos e especialistas, que a ajudaram a controlar suas capacidades.
A aura de Rin é única, nunca antes registrada em outra região, um poder enigmático e, até este momento, tecnicamente ininteligível…
— Ah, agora me recordo… PARABÉNS, ZERO QUATRO! SUA ORIGEM É BEM FAMOSA NO PAÍS! AGORA, APROVEITANDO SUA PRESENÇA, DIGA-ME O PORQUÊ DE TE LIMITAREM!
— Só me lembro de palavras difíceis e asneiras, tem certeza?
— NÃO RESPONDA COM PERGUNTAS!!!
Rin olha aos céus. — Ah, dai-me paciência… — reclama ela, antes de novamente encarar o público curioso. — Resumindo. Aqueles que detêm a aura do vazio são imbuídos em uma condição áurica conhecida como “Singularidade”. É esta condição que provoca manchas roxas na minha pele, e quanto mais eu uso dons áuricos, mais elas se disseminam pelo meu corpo. Mas a propagação das manchas além das minhas mãos não é crônica, elas recuam desde que eu consiga dominar ou interromper o uso… “indevido” da aura.
— O QUE ACONTECE SE FOR CONSUMIDA POR ESSE ROXO?
— Sou desintegrada até desaparecer… Bom, foi o que me disseram.
— E VOCÊ REALMENTE NÃO CONSEGUE NOS MOSTRAR NADA?!
— Ah, eu consigo fazer uma breve representação do espaço. — Rin permanece de braços cruzados, e com um movimento sutil, ela abre mão esquerda apontada à direita.
Algo roxo, escuro e hipnotizante surge de repente, girando em espirais que se expandem cada vez mais, se moldando até formar um portal oval de bordas deformadas, indo da altura da cintura até a cabeça de Rin.
O centro do portal pulsa a luminosidade viva de um vórtice violáceo, há uma galáxia inteira ali, suas nebulosas movendo-se lentamente remetem uma correnteza cósmica.
A vastidão do espaço é apenas uma ínfima parte do que está materializado à frente da turma.
— Isso já os deixa entretidos? — pergunta Rin, sua feição entediada segue indiferente.
Por incrível que pareça, o Major Yura está genuinamente impressionado, sem nem um pingo de sarcasmo desta vez. — Como você…
Mas antes que ele termine, Sho ergue a mão tão fascinado quanto os outros. — Isto é um verdadeiro portal de translocação ao espaço sideral?! — Sua língua presa se destaca mais do que nunca.
— Argh, você de novo?! — Rin se exaspera ao ver o garoto na turma — me recuso a responder qualquer pergunta sua, nojento.
— ENTÃO EU A FAÇO! QUE RAIOS ACABAS DE CRIAR?!
— Hm, ok. Tratem isso como apenas uma arte visual. Vejam, se passar a mão, nada de ruim acontece.
Rin balança o braço pelo portal, deformando-o até fazê-lo sumir como fumaça.
— COMO QUER FERIR UM INIMIGO COM ISSO???!!!
— Tá, quer ver algo legal? Farei um portal de verdade.
Ao estalar o dedo das duas mãos na altura dos ombros, dois portais idênticos de um roxo profundo emergem aos lados de Rin, ambos voltados um para o outro. As bordas dos portais oscilam levemente, como se fossem feitos de uma substância viva.
Sem hesitar, a garota estende o braço esquerdo e o mergulha no desconhecido de um dos portais. Porém, no mesmo instante, o braço emerge pelo portal à sua direita.
O que era apenas um gesto simples, vira uma façanha sobrenatural.
Com o dedo indicador tocando o outro braço através dos portais, Rin mantém a ironia. — Olha só, agora consigo tocar no seu inimigo de uma maneira diferente. Feliz?
— É sério que consegue fazer só isso, Zero Quatro?
Os portais instantaneamente desaparecem num piscar de olhos quando Rin retira o braço do vão para dar de ombros. — Sabe, se você quiser eu posso criar um buraco negro e obliterar tudo no raio de um imenso horizonte de eventos. Inclusive eu… — Ela coloca uma mão no queixo. — Hmmm… pensando bem isso não parece má ideia… — Pela primeira vez, vemos empolgação em seu rosto.
— Buracos negros?! — murmura Sho — ela consegue criar uma massa tão compacta a ponto de deformar o espaço-tempo…?! Incrííível…!
O major finalmente percebe que está lutando uma batalha perdida. — Certo, Zero Quatro. Você já falou demais. Suas capacidades são interessantes, mas não passam de truques fajutos… POIS ENTÃO!!! VOLTE LOGO PARA O SEU POSTO!!!
— Ufa, até que enfim.
Rin sai caminhando de volta à formação, deixando todos com mais perguntas do que respostas.
— ZERO CIIINCO!!!
Agora quem se destaca é Teruo — aluno 05 — um jovem com um olhar astuto por trás de óculos que fazem até o próprio arco-íris questionar suas cores variadas.
Diante de todos e ajeitando um de seus simples relógios em ambos os pulsos, ele se apresenta com uma voz suave, como a de alguém acostumado a ser o mais inteligente da área: — Enfim. Finalmente um tempo de palco. Meu nome é Teruo Kenzo, tenho 18 anos, altura média, graduado pelo Instituto Lunar Hoshizora, e assim como a última a se apresentar, minha aura também não possui um elemento clássico de origem.
O Major Yura se adianta com sua delicadeza habitual. — OLHA SÓ QUE COINCIDÊNCIA, ZERO CINCO! ASSIM COMO A ZERO QUATRO, VOCÊ TAMBÉM NÃO TEM O MÍSERO SEMBLANTE DE SER UM BOM COMBATENTE! PRA SUA SORTE, CONHEÇO O SEU PAI. ESPERO QUE ESSA AURA ESPECIAL POSSA RELEVAR TUA INSIGNIFICÂNCIA APARENTE!
Teruo continua imperturbável, mais interessado em estudar os arredores do que o próprio discurso inflamado. — Compreendo… — murmura ele, sorrindo brevemente. — Entretanto, todos nós sabemos que a aura vai além do que os olhos comuns veem… — Seus dois dedos ajustam rapidamente a ponte dos óculos reluzentes. — Vejo que todos aqui estão em níveis extremamente distintos um do outro, isso é interessante.
— PARE DE VIAJAR, ZERO CINCO! O CENTRO DAS ATENÇÕES AGORA É VOCÊ, APROVEITE! NÃO PERCA TEMPO ANALISANDO OS OUTROS, E SIM, SE ANALISANDO!
Teruo ergue uma sobrancelha ao receber um desafio que finalmente valha seu tempo. — Certo, farei de um jeito que talvez possa lhe interessar… — Seguidamente, ele fecha os olhos, concentrando-se por um breve momento.
Então, ele ergue o braço esquerdo à altura do ombro. A mão permanece relaxada, os dedos ligeiramente abertos.
Há uma quietude estranha no ar, um silêncio tenso, parece que o mundo pausa apenas para observar o que virá a seguir…
Teruo agarra o pulso do próprio braço esquerdo com a mão direita, segurando-o firmemente. Seus olhos ainda fechados causam uma serenidade perturbadora em sua expressão.
Assim, sem aviso, ele puxa e estica fortemente o braço para o lado oposto num movimento inesperado, rápido e violento.
Crec!
O som é inconfundível, o ombro foi deslocado.
Mas surpreendentemente, o garoto não esboça dor alguma, nem sequer um tremor. Seu olhar permanece calmo enquanto observa as reações confusas de seus companheiros de curso.
E o Major? Está sorrindo. Para ele, finalmente algo interessante está acontecendo.
— RÁ! ACREDITEM! POUCOS TÊM CORAGEM DE LESIONAR O PRÓPRIO CORPO… AGORA! O QUE VOCÊ FARÁ COM ESSE BRAÇO BAMBO, ZERO CINCO?!
Com o braço claramente fora de operação, Teruo olha diretamente para o instrutor cético. — Minha aura, senhor, é um pouco peculiar… — O rapaz apoia a mão boa sobre o braço inutilizado. — Consigo rebobinar qualquer coisa ao seu estado anterior. Qualquer coisa. Mas, como todas as maravilhas do universo áurico, isso vem com um preço, uma condição áurica… Se a dose for exagerada, seja no tempo retrocedido ou na dimensão do alvo, meus órgãos internos envelhecem drasticamente em troca. Imaginem como um jogo de xadrez, posso mover a rainha para onde quiser, mas corro o risco de perder a peça mais valiosa, minha própria existência. Então geralmente prefiro jogar só com os peões. Sabe como é, menos risco de autocancelamento… Apreciem a capacidade de um dobrador do tempo.
Teruo toca o braço com a ponta dos dedos. Um brilho suave percorre sua mão, e então, o braço começa a se corrigir. Ossos estalando de volta ao lugar, músculos se recompondo, pele se esticando…
Em questão de segundos, o ombro está como novo.
Teruo gira o braço no próprio eixo enquanto sorri para o instrutor em uma expressão de “gostou?”. — Viram? Novinho em folha.
Novamente, o Major Yura se mostra levemente impressionado, mas a confusão ataca seu rosto. — É, você daria para um bom médico, Zero Cinco. Entretanto, já vi pessoas com potenciais melhores. Aliás, essa sua condição áurica não faz sentido na minha cabeça… MAS TENHO PREGUIÇA DE PERGUNTAR PARA UM BIZARRO COMO VOCÊ!
— Se quiser, posso explicar.
— NEGATIVO!!! JÁ DEU O BASTANTE! PRÓÓÓXIMOOO!!!
— E lá se vai o meu tempo nos holofotes…