Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 31
De olhos arregalados julgando a confiança de Nikko Ichikawa em descansar, o Major Yura gesticula, cansado e abalado. — Sabe, Zero Dois… a gente avisa, avisa, avisa… mas chega hora, minha irmã… que a gente não diz é mais nada! Não existem mais palavras, nem mais nada… a dizer — ele ajeita a postura, recuando as mãos atrás da cintura. — Mas sabe de outra coisa, Zero Dois? Tenho fé que irá me impressionar mais do que esse seu canga medíocre! Só leve em consideração uma coisinha… É PRA IMPRESSIONAR NO BOM SENTIDO DA PALAVRA!!! — O grito balança as marias-chiquinhas. — Agora, por gentileza, troque suas vestimentas.
Nikko presta continência. — Positivo, Major Yura! — Em seguida, rompe marcha e… sai saltitando alegremente em direção ao trocador.
Por essa ninguém esperava…
Incrédulo, o major coça freneticamente as laterais da cabeça e sussurra: — Ó, deuses! Estou cercado por monstros e demônios! Malditos sois vós desta geração amaldiçoada! — Sua preocupação é encarar o que quer que a sua jovem tropa áurica tenha a oferecer para seus olhos.
Nikko sai do trocador vestida com o novo uniforme de treinamento. Seus passos, leves a conduzem diretamente à vasta gama de armamentos. Sem pensar duas vezes, ela estende a mão e pega seu equipamento encostado na mesa.
O ancinho.
— RÁ! ENTÃO ALGUÉM REALMENTE USA O RASTELO?! QUASE JOGUEI ESSA MERDA FORA QUANDO VI! MUAHAHAHAHA!
De costas para a turma, Nikko observa sua ferramenta como uma obra-prima de milianos.
Sem qualquer empunhadura, o ancinho possui um cabo de ferro afunilado à uma ponta afiada no topo. Com dentes de aço, a cabeça da ferramenta brilha em amarelo e verde, supostamente por ser feita da famosa pedra de esmeralda-topázio.
De “arma” em mãos, Nikko caminha até o centro do tablado de terra criado pelo instrutor. Lá, ela repousa os dentes do equipamento no chão e coloca a mão esquerda na cintura. Porém, seu olhar baixo nota algo lhe incomodando.
— Aff, esse uniforme não combinou nada com os meus sapatos e meias… Quem é o estilista dessa academia?
— O QUE TENS À MOSTRAR, ZERO DOIS?!
Mas logo, a destacada ergue o rosto com um sorriso.
— Primeiramente! Ainda não tive a chance de falar com todos da turma — ela apoia a mão livre no centro do peito — então aqui vai a minha apresentação!
— NÃO ENROLA!!!
— Credo, que tipinho amargurado, ele tem namorada…? Então! Indo direto ao ponto, me chamo Nikko! Tenho dezoito anos, quase um metro e oitenta, e sou pertencente à família Ichikawa! Então obviamente sou dobradora da aura clássica: vento!
— INTERROMPENDO…! É A PRIMEIRA VEZ EM QUE TREINAREI UM ICHIKAWA, ESPERO BOAS IMPRESSÕÕÕES!!!
A garota se vê pressionada. — Táááá…? Continuando, tenho FAB no Instituto Solar Taira, e… apesar disso… — ela flexiona os joelhos e coça a bochecha com um dedo, envergonhada — ainda não tenho uma arte marcial em específico…
— E COMO TU USAS ESTE TROÇO QUE DEVES CHAMAR DE ARMAMENTO?!
Nikko se anima. — Acho melhor mostrar na prática! — De perfil à turma e com as mãos segurando firmemente o cabo do ancinho, ela fecha os olhos por um instante, deixando o silêncio preencher o espaço.
Sutilmente, o ar começa a rodeá-la, tecnicamente protegendo-a ao tornar-se denso e visível.
Neste estado, Nikko abre os olhos com uma determinação renovada brilhando em suas íris esverdeadas.
Woosssshhhhhh…
Ela avança, seu movimento é um borrão de velocidade; com o rastelo em mãos, um arco perfeito é desferido, cortando o ar. Uma densa ventania segue o rastro do golpe.
Tendo se mostrado descontraída, a dobradora de vento não esconde o foco momentâneo em seu rosto, sua seriedade mostra o quão está concentrada.
Os movimentos não param.
Wosshh! Wosshh! Wosshh!
Recuando ao centro e velozmente atacando direções distintas, Nikko demonstra suas habilidades como uma dança do vento, praticamente deslizando em solo terroso com seu ancinho ofensivo em mãos, desafiando oponentes inexistentes.
As longas pernas e coxas bem definidas a impulsionam com uma explosão de ar, ao passo que ataques em arco, esquivas provenientes de breves saltos e golpes de mão espalmada são executados com uma destreza certamente graciosa.
Os pés tocam o chão apenas por breves momentos, desafiando a gravidade. Cada respiração é um comando para o vento.
Todavia, em meio a beleza, há uma observação: os gestos suaves com a mão livre cadenciam uma mera brisa em comparação à tempestade de vento efetuada pelas ações do ancinho — um contraste claro designador de oscilações.
Ainda assim, as correntes de ar geradas pela ferramenta seguem altamente tangíveis e nocivas, mas controladas com maestria, redirecionadas pela graça de uma dançarina e a força de uma guerreira…
Inesperadamente, durante uma investida à diante, a garota salta para trás, flutuando no ar instantes antes de descer deslizando em um giro rápido com o ancinho, mostrando toda a efetividade de seu corpo.
Após o último golpe no centro do tablado terroso, Nikko se acalma por um breve momento e, de equipamento em mãos, respira profundamente. Então, com fluidez, ela gira o ancinho ao redor do corpo a uma velocidade impressionante, criando um vigoroso vórtice de vento em intensidade crescente.
Repentinamente, reagindo aos movimentos, uma chama branca e transparente surge, vibrando e crescendo a cada segundo; é a manifestação áurica de Nikko.
O ar zune, criando sons ofensivos aos ouvidos; enquanto isso, a contraforça da ventania dificulta as manobras…
Entretanto, com sua leveza etérea, Nikko se agacha e dispara para o alto. A terra deixada ergue uma poeira que não se safa dos remanescentes fluxos do vórtice criado.
No meio do trajeto às alturas, o ancinho é soltado, flutuando na vertical abaixo de sua dona, que encolhida nos céus, rodopia no próprio eixo como um globo perdido na sua própria órbita.
Cobrindo os movimentos giratórios, uma esfera de vento gradualmente se forma; e como se o tempo desacelerasse, Nikko ajusta seu corpo, alinhando-se perfeitamente com uma linha reta imaginária que se estende do céu à terra. Envolta pela esfera de vento inquieta, sua manifestação áurica continua a pulsar. Ela dobra suavemente o joelho direito, recolhendo a perna, enquanto a outra permanece de pés apontados diretamente ao solo.
Os braços estendidos acima da cabeça, paralelos e colados, emolduram a figura de um pilar celestial. Suas mãos, com os dedos alongados e virados de costas um contra a outro, agraciam a pose.
O ancinho com a ponta afiada para baixo está preparado para o golpe final.
Os olhos focados e cabelos amarrados entregues ao balançar do vento poderiam fazer parte de qualquer cena de ação… e estão!
Em um último impulso, Nikko se atira ao solo. Antes do alvo ser atingido, a esfera de vento explode em todas as direções; novamente, mais uma alta cortina de poeira vem.
Wwoooooosssshhhhhhhhhh…
Quando a nuvem marrom desce, uma aterrissagem impecável é desvendada.
De manifestação áurica cessada e olhos fechados acentuando o rosto concentrado, Nikko repousa milimetricamente o pé esquerdo firme nos dentes do ancinho com a ponta fincada no chão. A perna esquerda se alinha perfeitamente acima da ferramenta, já a direita, se estende para cima em um ângulo de controle e elasticidade. O tronco inclina-se horizontalmente, um equilíbrio incrível auxiliado pelos braços, o esquerdo à frente e o outro ao alto. A flexibilidade está presente até nos dedos delicados.
Nikko mantém a pose sobre o ancinho, refletindo a serenidade após o furor da batalha imaginária.
Não há uma única camada de poeira em sua camiseta branca…
Ao observar cada movimento de olhos atentos, o Major Yura apenas balança a cabeça. — Impressionante, Zero Dois… — diz ele, quase admirado.
Ver os olhares do instrutor dá confiança à garota equilibrada. — Foi o suficiente, Major Yura?
— Impressionante, Zero Dois… IMPRESSIONANTE COMO NÃO MATARIA UMA MOSCA!!!
Mais um pisão raivoso causa um leve terremoto no tablado.
BBRRRRUMMMMMM…!
Nikko tenta se manter no ancinho… — EEEEEH???!!! — Mas cai de boca no chão.
Pof!
— QUER LEVAR O SOBRENOME ICHIKAWA COM UMA APRESENTAÇÃO SONÍFERA DESSAS???!!! A VERDADEIRA AURA DE VENTO NÃO SÓ LEVANTA POEIRA! ELA CORTA, FERE, E ACIMA DE TUDO, MATA! JIN TERIA VERGONHA DE VER ALGO ASSIM!
Derrubada, Nikko ergue a cabeça, sentida pelas duras palavras do major. — Ve… vergonha…? Ma… mas eu-
— SEM MAAAIS!!! NÃO OUVIREI RECLAMAÇÕES! ATÉ PORQUE É PRA ISSO QUE ESTOU AQUI! MEU TRABALHO É MELHORAR-TE! NÃO IMPORTA O QUÃO INOFENSIVA SEJA! POIS ENTÃÃÃO!!! DEVOLVA SUA FERRAMENTA DE JARDINAGEM E VOLTE AO SEU POSTO!
Nikko se levanta para bater a poeira em suas roupas. — Que coisa! Eu fiz tudo tão perfeito… — sussurra ela, quase lacrimejando.
— ZERO TRÊÊÊS!!! TU JÁ SABES QUE ÉS O PRÓXIMO! DIREÇÃO AO TROCADOR!!!
De novas vestes e uma cara de paciência tão evidente quanto sua cicatriz de corte na sobrancelha, pés descalços, e escuros fios no cabelo (ele é praticamente careca…), o aluno número 03 se posiciona no centro do tablado de terra.
— Argh, vâmo lá… — Sua voz segue rouca e irritada — meu nome é Kentaro, família: Ozaki, idade: dezoito, e.. minha altura e formação…? Ah, meio que isso é irrelevante, já que diferente de alguns, não preciso ficar levando uma arma comigo por aí, eu mesmo a faço quando e como eu quiser.
Kentaro estende o braço direito para cima, a mão aberta e firme, enquanto o esquerdo aponta para diagonalmente para baixo.
Em resposta, dois bastões metálicos aparecem. O primeiro emerge do solo bem diante de Kentaro; já o segundo materializa-se na palma da mão levantada do garoto, que o solta apenas para pegá-lo novamente no meio do material metálico.
Ambos os bastões possuem exatamente um metro e setenta e cinco de comprimento, correspondendo precisamente à altura de seu criador.
— EXCELENTE, ZERO TRÊS!!! PARA UM EMANADOR DE METAL, NÃO TINHA ARMA MAIS PÍFIA PRA TIRAR DA BUNDA?! O QUE VOCÊ FAZ COM ESSAS BARRINHAS?!
— Bato.
Peewwwwwwnnnnnn…!
Com seu jeito chulo, Kentaro colide os bastões. A força do impacto entorta o material vindo do solo.
O instrutor cruza os braços. — … E é só isso, Zero Três?
— Nah, posso fazer mais.
Kentaro ergue o punho livre, e as proximidades do solo vibram levemente com a força contida naquele gesto.
De repente, uma infinidade de barras metálicas surge da terra, como lanças convocadas por sua vontade, formando um labirinto a céu aberto, onde as sombras projetam formas distorcidas no chão.
No solo, Kentaro crava a barra que segurava, e com um movimento ágil, une as mãos diante do peito; entre as palmas se separando, o metal molda cilindros e correntes, fluindo como água sólida…
Até que uma arma ganha forma.
— UM NUNCHAKU???!!! MUAHAHAHAHA! JÁ VI MUITO ALUNO FAZER MERDA COM UM DESSES NA MÃO, ZERO TRÊS! SERIA MUITO ENGRAÇADO VER VOCÊ FALHAR COMO TODOS OS OUTROS!
Ignorando a fala do major, Kentaro sorri de canto de boca. Ele manuseia o nunchaku lentamente, cada movimento seu é calculado, mas ao mesmo tempo, cheio de uma confiança que beira a arrogância.
— Podem continuar assistindo! Talvez aprendam uma ou duas coisas!
Pewwnn! Pewwnnnn!
O nunchaku se choca contra as barras próximas, entortando-as.
De tronco ereto e com uma selvageria controlada, Kentaro se move pela àrea como uma máquina, direto e brutal, uma característica inesperada de alguém tão esguio.
Pewwnn-pewwnn! Pewwnn!
O metal contra metal tilinta em uma intensidade quase primal, um incessante sino de guerra, acelerado e desritmado.
Pewwwwnnnnnn!
Kentaro não está apenas transformando as barras em um L invertido, está dominando o espaço.
O nunchaku é uma extensão de seus braços, de sua ira.
Há algo quase artístico na brutalidade dos movimentos imparáveis, uma coreografia ensaiada retratando a ferocidade de uma briga de rua.
Kentaro está em casa nesse caos, e qualquer um pode ver isso.
As expressões no rosto alternam entre concentração e um prazer quase maníaco. Seus lábios se contorcem em um sorriso cruel a cada barra torcida.
Em um movimento inesperado, ele solta o nunchaku, deixando-a girar até o chão segundos antes de agarrá-la novamente e converter o movimento em um devastador golpe rasteiro e circular, arrancando a base de várias barras que caem no solo, levantando uma breve poeira.
O resultado anima o rapaz, fazendo-o voltar o nunchaku pela palma da mão esquerda e gerar um espinhoso porrete metálico pela mão direita.
Kentaro segura a nova arma em ambas as mãos, e com um rodopio de corpo, barras são despedaçadas em explosões de fragmentos.
Não há hesitação ao continuar atacando o labirinto ao redor. O metal sente do próprio veneno.
— Haha! Estão gostando do show?! — Kentaro provoca, sem nem sequer perder o ritmo ao trocar o bastão por uma dupla de facões de dois gumes unidos por correntes.
Parado, sua cara malvada se empolga ainda mais com o girar das lâminas.
Buscando as próximas vítimas de metal, Kentaro se abaixa como uma fera à espreita. As lâminas gêmeas em suas mãos seguem em movimento, raspando a ponta afiada no solo, cortando a terra. Seguidamente, com passos rápidos, o rapaz corre rente ao chão, assimilando-se às sombras das barras restantes.
As correntes esticam e balançam sob o controle de Kentaro, criando uma melodia dissonante quando as lâminas cortam a base das barras como se fossem papel.
É a sinfonia da destruição à luz do dia deixando um rastro de caos pelo caminho.
Kentaro se move carregado de uma intensidade quase desumana. Seu rosto é um reflexo desse caos: concentração mortal, olhos fixos no próximo alvo, e um sorriso cruel para cada barra que sucumbe à sua fúria.
Deste modo, ele revela a verdadeira natureza dentro de si, uma tempestade que poucos podem dominar…
Por fim, sobram duas barras.
Em pé diante delas, Kentaro às cede aos seus imperceptíveis cortes.
Agora, no meio de escombros metálicos, o rapaz é cercado pelos pedaços das barras que ele mesmo criou e destruiu. Sua respiração pesada não diminui a animação; afinal, isso não passa de um aquecimento que o diverte.
Ele olha para o Major Yura com o mesmo sorriso desafiador, os facões metálicos que segura descansam sob o sol.
— … Você também me impressiona, Zero Três… ME IMPRESSIONA SOBRE COMO PARECE UM PALERMA USANDO ARMAMENTOS!!! NÃO VEJO FUNDAMENTO ALGUM! APENAS UM ANIMAL SEGUINDO SEUS INSTINTOS! MAS PELO MENOS!!! JÁ É O NECESSÁRIO PARA FERIR O INIMIGO!
Kentaro desvia o olhar e retorna pela mão direita os facões acorrentados. — Tsc.
— MAS E AGORA, ZERO TRÊS???!!! COMO IRÁ SUMIR COM TODAS ESSAS SUAS TRANQUEIRAS DE METAL COBRINDO A MINHA ARENA?!
Kentaro abre os braços e, como um ímã devorador, começa a puxar todas as barras para dentro do corpo, um processo demorado, porém surpreendente.
— … Que ser humano bizarro… ENFIM! ZERO QUAAATRO!!!
— Aff… Tá, eu já tô indo…