Shihais: Remanescentes da Aura - 42.1
A vista acima é um quadro tranquilo, pintado em tons de azul claro e pincelado por nuvens preguiçosas deslizando lentamente nos céus.
Para iluminar a arte, um sol brilha ameno, tendo sua luz filtrada por folhas de outono no alto de pinheiros.
Uma… floresta?
Cantos distantes de pássaros chegam aos ouvidos de Akemi, logo, o coaxar de sapos complementam a melodia de um ambiente vivo e… um tanto surreal.
Onde estou?
O rapaz recebe uma brisa leve no rosto, e num piscar de olhos, percebe-se caminhando sobre folhas secas, como se já estivesse no meio de uma jornada há muito tempo iniciada.
Estranhamente, ele não se lembra de ter começado a andar…
Porém, ao olhar para frente, uma cena o intriga.
Uma figura fina e graciosa, iluminada pela luz solar, passeia pelo caminho de folhas caídas entre pinheiros e arbustos. Se trata de uma garota com cabelos escuros e kimono laranja.
Por um momento, Akemi pensa em não incomodá-la, uma incerteza o atinge.
Uma… menina…? Quem é? E por que ela parece tão familiar?
A garota vira o rosto, e num lampejo, é reconhecida.
Oh…
O brilho nos olhos, o sorriso meigo… vem de Hiromi Miyazaki.
— Miya…?
Ainda em silêncio, Miya volta o olhar para o caminho à diante, onde o fenômeno de momiji((Momiji é uma palavra asahiana que significa “folha vermelha” ou “folha de bordo”, e se refere principalmente às folhas de outono.)) embeleza o cenário.
— … Miya, por que estamos aqui?
— Vou te mostrar o caminho correto. Não me perca de vista, ok? Apenas me siga.
Akemi acena positivamente, mas não dura muito até perder o foco. Seus olhares voltam aos arredores, admirando a beleza da floresta.
Estranho, parece que há algo mágico aqui.
Seu corpo fica mais leve, o simples ato de andar o traz uma calmaria indescritível. Seu coração está em paz.
Por que estou com essa sensação? É como se tivesse alguma presença divina por perto… Me observando…
A natureza o acolhe, tornando-o um com a floresta outonal. A mente do jovem está dominada.
Entretanto…
… Espera! O-onde ela foi?!
Miya sumiu…
Neste momento, Akemi se dá conta de que está sozinho. Ele olha ao redor, mas seus olhos só encontram troncos de árvores e arbustos.
Tudo parece igual, tudo parece… solitário.
— Miya! Onde você foi?! — grita ele, seus pensamentos aceleram junto de seus passos. — Miya!
Caramba! Não achei que ela fosse desaparecer do nada! Onde ela está?! Por que ela sumiu sem me avisar…? Ela me deixou?
— Miya!
Complementando a falta de respostas, a floresta mergulha em um silêncio abissal, uma quietude assombrosa. Isso faz o garoto suar frio.
Calma, Akemi! Ela só deve ter se escondido! Mas por que? Por que?! Pra… pra me… assustar…? Ééé…! Ela tá querendo me assustar! Só pode ser isso, hehe…
Um sorriso trêmulo aparece em seu rosto. Seus olhos não param de checar os arredores enquanto caminha pelo desconhecido.
Até que finalmente, um farfalhar((Som de folhas ou ramos se mexendo.)) quebra o silêncio próximo a um arbusto avermelhado. Akemi para e vira o rosto rapidamente, alerta.
O-o que foi isso…?! Tem alguém ali?
Mas o brilho de um par de olhos verdes entre as folhas traz um grande alívio.
Ufa… ela está ali, claro que é ela! Quem mais poderia ser?
— Miya! — Akemi chama, de braços abertos — por que você tá se escondendo aí? Não adianta mais tentar me assustar, eu estou te vendo.
Tomado pela curiosidade, ele se aproxima devagar, mesmo que suas pernas tremam um pouco.
Por que ela não diz nada? O que ela está fazendo?
Perto o suficiente, o rapaz implora ao não ter respostas: — Miya, não faça todo esse suspense comigo. Anda, saia daí.
Uma pressão crescente não o permite disfarçar o medo.
Algo está errado. Muito errado.
Os olhos verdes não piscam. Eles continuam fixos, imutáveis, e o arbusto começa a se agitar.
… Mas o que é isso?
Algo grande se mexe nas folhas, e a atmosfera reage à presença. Uma onda invisível faz o ar ao redor do arbusto vibrar.
A floresta inteira pressente a vinda de algo inevitável, algo poderoso.
Pássaros disparam voos dos galhos, soltando gritos agudos; outros animais escondidos entre as folhagens se agitam, emitindo mais sons aterrorizantes.
Assim, uma ameaça emerge do mato. Uma figura colossal, um tigre feroz, com músculos ondulantes sob a pele alva e listras pretas. Afetando o ar distorcido, uma aura negra, opaca e pulsante, envolve a fera, tornando-a um ser ainda mais imponente ao engolir a luz do sol.
Em choque, Akemi cai de cóccix no chão coberto de folhas. O que está diante dele não é humano, nem sequer um tigre comum.
E não, definitivamente não é uma besta qualquer.
Um… Byakko!
Segundo a lenda, o Byakko é um espírito guardião que aparece somente quando o mundo está em paz e não há guerras, um símbolo de força, poder e proteção.
O ser lendário reluz seus olhos como duas esmeraldas polidas, mas o que deveria ser a representação da nobreza, desta vez, se mostra tudo menos puro.
O Byakko está corrompido…
E-eu achei que espíritos não existiam! E se existem, eles não deveriam ser bons?! Isso aqui quer é me matar!
Dentes afiados e imensos se revelam lentamente, uma arcada felina prestes a mostrar a morte para um jovem.
Cada passo que o ser feroz dá torna a floresta ainda mais escura; ele está consumindo a própria luz.
Sem conseguir desviar os olhares, Akemi percebe que o Byakko não o olha nos olhos, mas sim, na alma. É um olhar profundo, algo mais do que simples ferocidade; é um olhar que compreende, que reconhece o temor da presa.
— … A-ag… — ele tenta gritar, mas sua voz não sai direito.
Eu não consigo pedir ajuda… Eu estou sozinho… O que eu faço?!
O espírito se aproxima, e cada vez que se move, cresce mais e mais.
Eu… e-eu tenho que fazer alguma coisa!
Akemi quer correr, quer gritar, mas o corpo não responde, sentindo-se um mero brinquedo das garras que lentamente avançam de forma implacável. O peso do terror o mantém preso ao chão como uma âncora invisível, e agora, o Byakko chega tão perto que o jovem consegue sentir a respiração quente em seu rosto.
Mas quebrando as leis do que é intrínseco, o ataque da fera nunca vem.
— Ngh! — Akemi fecha os olhos, finalmente aceitando um destino trágico… Todavia, quando os abre novamente, percebe que seria melhor se tudo isso fosse realmente um sonho…