Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 19
Akemi entra em casa com cautela.
A luz vindo das grandes janelas à esquerda revela a sala de estar, onde na poltrona de couro desgastado, está Isao.
— Vovô?
Os olhos do avô miram no neto, e sua expressão se enche rapidamente de emoção. Erguendo-se da poltrona, ele atravessa a sala em direção ao jovem.
— Akemi! — exclama o idoso, envolvendo o neto em um abraço apertado.
Sentindo a fragilidade e o calor do corpo do avô, o rapaz tenta dizer algo: — Vovô, eu…
Mas antes que possa falar, Isao se afasta do abraço e pergunta preocupado: — Como você está?!
Akemi entende a situação e opta pela sinceridade.
— Eu estou bem. Confesso que vivi momentos assustadores, mas já passou.
O semblante de Isao se ilumina momentaneamente, mas a satisfação logo dá lugar a uma sombra de preocupação.
— Ainda bem, mas o que quer dizer com momentos assustadores? O que aconteceu lá?
— Bom… como posso explicar? Meio que eu… eu consegui!
— Conseguiu?
— Deu tudo certo, vovô! Eu serei um integrante da ASA!
— Você… — Isao arregala os olhos ao receber a notícia.
Vendo a reação do avô, Akemi tenta passar confiança.
— Vovô, eu vi tudo com meus próprios olhos e agora entendo do que o senhor estava tentando me proteger. Mas, durante essa jornada, conheci pessoas incríveis que estão dispostas a me ajudar. Pela primeira vez na vida, não me senti sozinho…
Isao desvia o olhar, como se essa revelação fosse o suficiente para desencadear memórias dolorosas.
— É muita ingenuidade… Você não entende, Akemi. A vida de um militar… ela é… — sua voz oscila, um sofrimento inocultável.
— O que há de errado? Por que você sempre foi contra os meus objetivos?
As palavras que Isao deseja dizer parecem contidas na garganta; porém, mesmo assim ele suspira e conduz Akemi até o sofá…
— … Olha, precisamos conversar melhor sobre isso, vamos nos sentar ali.
— Certo.
Ele está tão tenso e confuso…
Sentado ao lado do neto, o avô explica: — Akemi, existem coisas que você ainda não sabe. Você não passou por momentos de guerra, mas eu, por ser mais velho, sei bem o que ela causa. Vi cidades devastadas, amigos se perdendo, famílias sendo destruídas. Apesar de estarmos em paz agora, o exército de Asahi é uma ameaça que pode desencadear novos conflitos intermináveis. Não quero que você tenha que passar por tudo isso.
— É óbvio que a guerra é terrível, e por isso farei tudo ao meu alcance para evitar novos embates. Mesmo que eu seja vulnerável e tenha muitas coisas a melhorar, sei que não estarei sozinho nessa.
Uma nostalgia invade Isao.
— Você fala exatamente como ela… esse brilho nos olhos junto dessa teimosia…
— Se refere à minha mãe?
— Não, esqueça isso. Quero que me diga como foi esse teste que você fez na ASA.
O olhar afiado do avô busca respostas não apenas nas palavras, mas nos recessos da alma do neto.
— Eh… Imaginei que seria um teste como uma prova escrita, porém… era um combate.
A reação de Isao é apenas um rosto confuso.
— Um combate?
Akemi esperava um choque, mas seu avô apenas parece refletir sobre algo.
— Foi em uma arena, era tipo um coliseu enorme com uma redoma transparente que protegia os espectadores. Eu mal podia acreditar que estava lá.
— Redoma transparente? — sussurra o idoso — Você entrou nesse campo de batalha sabendo que faria uma luta real?
Confiante, o garoto responde: — Sim, vovô. Mas meio que eu não sabia dos riscos, entretanto não adiantava fugir, eu tinha que seguir em frente!
Isao balança a cabeça lentamente, como se lamentasse algo. Akemi explica sobre a função do shihai temporal, trazendo um pouco mais de tranquilidade ao avô, que continua questionando: — Contra quem você lutou?
Akemi detalha a magnitude de sua surpresa ao descobrir quem seria o seu oponente…
O sobrenome do adversário parece pesar na sala.
— Miyazaki… — murmura Isao, a pronúncia sai como uma maldição.
— Era um garoto, insolente e valente, mas era rápido e poderoso. Pra falar a verdade, eu sempre soube que não teria a menor chance — o rapaz coça a nuca —, até porque eu estava passando por alguns problemas para controlar a minha aura.
— O que ele fez com você?
— Eu não sei como explicar. As chamas dele… elas não me afetavam.
— … Como assim?
— Ele tentou me atacar com fogo, mas eu não sofri dano algum. Só que… antes que eu pudesse perceber, ele partiu pra cima de mim…
Akemi relata como sua aura reagia para protegê-lo, deixando ferimentos graves em um Miyazaki. Todavia, ele não foge de dizer o que aconteceu quando sua defesa foi quebrada, lembrando da sensação de derrota iminente ao ser superado nos estágios finais da batalha.
— … Mas então, tudo ao redor parou. Foi o shihai do tempo.
Imerso na história do neto, o avô diz: — O que aconteceu em seguida?
— Fui puxado para um tipo de corrente temporal, foi a sensação mais estranha da minha vida, e quando retornei, tudo estava como antes, eu estava ileso e com as roupas intactas.
O olhar de Isao revela perplexidade, então ele indaga: — E como isso terminou?
Levemente triste, o jovem responde: — Como esperado, fui declarado perdedor… A plateia reagiu de várias maneiras com o fim da luta, mas Nihara estava furioso por eu não lutar como ele queria e tentou me atacar após o fim do combate. Pra minha sorte, um shihai o impediu.
— Hm… que situação deplorável — sussurra o avô novamente — bom, imaginar você ganhando um combate é realmente impossível. Mas o que você fez depois?
— Questionei ao público a necessidade dessas lutas. Falei sobre a futilidade de confrontos mortais e a necessidade de buscar a paz. Não sei se deveria ter falado isso, mas senti que precisava.
— É bem a sua cara fazer uma coisa dessas… Entretanto, se você perdeu o combate, como entrou para a ASA?
— Eu… conheci uma garota da família Miyazaki… — Akemi comenta sobre como Miya foi amigável. — Ela enxergou algo em mim e disse que precisava da minha presença para realizar seus sonhos de paz. Mesmo com algumas desavenças, ela usou o sobrenome para me indicar.
— Só ela não é o suficiente para uma indicação.
Akemi olha para frente, relembrando dos momento crucial de sua vida.
— Nós também sentimos isso, mas foi aí que o Marechal Jin Ichikawa apareceu.
— Ji- — antes de terminar de proclamar o nome do marechal, Isao paralisa com um rosto assustado.
Sem notar a paralisia do avô, o rapaz continua: — Nós já tínhamos nos encontrado antes da minha luta. Não sei como, mas ele descobriu sobre o meu caso e colocou muita esperança na minha aura elétrica… Só que, algum tempo depois, quando aquela garota me indicou, ele apareceu do meio do vento, como se fosse do próprio nada! Você devia ter visto!
Uma quietude estranha surge entre os dois, Akemi percebe isso, e ao olhar para o lado, se assusta com a reação inerte do avô.
— Vovô?!
Evitando contato visual, Isao quebra sua paralisia e diz: — Você… não precisa me dizer mais nada…
— Não?
Sequencialmente, o olhar do avô encontra o seu neto, e por um momento, Akemi vê uma faísca de compreensão no rosto de Isao.
— Você está entrando em um mundo perigoso, rapaz. Só espero que, no final, você encontre o que busca. Você é um adulto e te manter longe do perigo já se tornou difícil. Saiba que está avisado.
— Confie em mim, vovô. Sinto-me inspirado agora. Não quero mais ser aquele garoto sozinho e estranho. Serei alguém melhor!
Mesmo momentaneamente aceitando a situação, Isao se preocupa com as incertezas do futuro de seu neto, e adotando uma postura mais séria, chama a atenção: — Entendo, mas agora, deixe-me contar algo sobre os Miyazaki.
— Claro, pode dizer — responde Akemi, atento.
— Os Miyazaki são extremamente poderosos, imponentes e ricos, porém rudes e gananciosos, infestados de pessoas com feitos sujos e maléficos. Entretanto, eles conseguiram apagar esses casos com a chegada de certos integrantes que alavancaram o nome da família. Então, tome cuidado, orgulhosos destroem coisas cegamente.
— Tá tudo bem, consigo perceber a índole dos outros. A garota que conheci é totalmente diferente do que você está dizendo, eu confio plenamente nela.
— Seja como for, só peço para que preste atenção nela, diferente de você, eu nunca acreditaria nessa classe alta… Enfim, como você vai se preparar para a ASA? Nem roupas para lá você tem.
Com base nas informações do contrato que Akemi assinou, ele repassa: — Parece que elas serão enviadas em encomenda até a nossa casa, juntamente de várias outras coisas. Não sei quando irão chegar, mas estou ansioso para ver!
— Compreendo. Bem, como não terá mais tempo para trabalhar, darei fim ao seu estágio na usina. Espero que seja feliz com sua nova rotina daqui para frente.
— Você… aceitou tudo isso numa boa?
— Como eu disse, não tenho mais forças para te segurar, preciso descansar a cabeça — Isao se levanta e ajeita as calças.
— Onde você vai?
— Vou ao meu quarto escutar um pouco de rádio, essas tecnologias de hoje em dia me encantam. Fique à vontade para fazer o que queira — Isao caminha até o corredor à direita da casa.
Nossa, achei que ele iria espernear, trancar a porta da casa e jogar a chave fora comigo aqui dentro, mas foi tudo tão tranquilo… Enfim, queria aprender mais sobre a ASA, mas não tenho nada que possa ajudar… Acho que vou apenas esperar a encomenda.