Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 107
O dia estava levemente nublado em Mea. Pedro, naquele momento, estava quase chegando na capital Wilblood, a mando dos três grão-duques, que, na condição de Marechais de Exército, reuniram todos os oficiais de alta patente com o fim de planejar a defesa.
Ele poderia chegar em um terço de hora se valesse-se de sua velocidade dragonark, mas escolheu ir pelo método tradicional, montando Dalila, a égua bravia.
Por ser dragonark, não precisava de muitos suprimentos, nem de sono diário, o que sempre deixava as viagens mais rápidas do que seriam para outros.
— Bom, pelo menos dessa vez cê não tá tão enjoada — disse para o animal.
Um relincho de consternação foi o que recebeu, com um aumento súbito de velocidade por parte da égua.
Parando para prestar um pouco de atenção no ambiente, contudo, Pedro reparou em um barulho quase inaudível. Eram passos.
“São cinco. Seis… A leste”, refletiu. “Não parece ser outro regimento ou oficial. Passos muito leves. Inimigos?”
Para confirmar a hipótese, o rapaz deixou-se ser seguido, ficando à mostra, sem se preocupar com ocultação ou rastreamento. Apenas seguiu pela estrada de terra, normal.
Cerca de meia hora se passou. A noite começou a cair e, para dar descanso ao animal, Pedro decidiu parar um pouco.
A primeira coisa que fez foi prender Dalila a um pedaço de toco, em um laço quase frouxo.
Quando estava prestes a terminar de montar um pequeno abrigo coberto com uma pequena lona que trazia, acabou sendo surpreendido pelos homens que o seguiam.
— Lorde Pedro, de Vilazinha?
A pergunta deixou Pedro um tanto consternado. Afinal, assassinos e ladrões não faziam esse tipo de coisa com seus alvos. Faziam?
— Eu mesmo. Aqui — respondeu, escondendo a indiferença e tentando mostrar surpresa.
O que se seguiu foi um chiado açodado, quase inaudível. Uma lâmina desceu, seguida de quatro flechas e o que parecia ser uma lança.
Shiiiiin! Shiiiin! Golpes rápidos. Os mais ágeis que vira até então em toda sua estadia em Mea.
Os reflexos de Pedro eram mais que sobre-humanos, contudo mesmo assim quase foi ferido pelo toque acinzentado do espadachim de aço. O pescoço retraiu com agilidade. Pode sentir o vento da espada batendo na pele.
— Você é rápido. Quase me lascou, maldito.
Dalila relinchou ao canto, quase como se risse da quase desgraça de seu dono.
A resposta do oponente foi outra sequência de golpes. O paladino não estava sozinho. Os outros em apoio agiam nas laterais da mata. O rapaz teve dificuldade de se livrar de todos os projéteis.
Uma das flechas quase o perfurou na altura do tornozelo. Ele parou por breves milésimos, foi a deixa para o paladino descer outra vez a grande lâmina.
“Tsc! Ainda não pude pegar minha cimitarra. Tenho que criar uma distração, ou vou ser acertado por esses malditos”, refletiu.
— Tiid KLo Ui! — E o tempo quase parou.
Pedro não conseguia manter isso por muito tempo. O custo de mana era absurdo. Mas um segundo era mais que suficiente para agarrar a lâmina em formato circular.
“Localizei os malditos”, refletiu.
Quando o fluxo temporal voltou ao normal, duas grandes labaredas de fogo seguiram em duas direções específicas na floresta.
— Morram!
De imediato, dois gritos mórbidos soaram. O cheiro de carne queimada logo chegaria.
Quando Pedro se concentrou no inimigo-mor, os metais se encontraram. Um grande choque surgiu, jogando as folhas das árvores para longe. Foi tão intenso quanto uma batida de carros velozes na estrada.
“Ele é rápido. E tem essa camada fina de mana. Aura de batalha, parece… Esse vai me dar um pouco de diversão”. Sorriu.
Três árvores já haviam caído neste curto tempo de luta. Mas as flechas não paravam de perseguir o rapaz. Ele ainda tinha alguma dificuldade em se esquivar, ao mesmo tempo em que lidava com o paladino de metal.
Shiiin! Pah!
Talvez, se Pedro derrubasse mais dois arqueiros, a batalha ficasse mais fácil. Era só que, por algum motivo, ele não conseguia parar de balançar o braço de forma a aparar os golpes do adversário.
Algo naqueles movimentos o encantava. E ele tentava copiar.
“Quando eu bato na armadura, parece que a mana dele se concentra na mesma região. É tipo um escudo de mana… Então é assim que se usa a aura de batalha para a defesa”.
Na outra vez que enfrentou os gaudérios, nas proximidades de Vilazinha, Pedro não teve tempo para testes ou treino. Um deslize e o líder gaudério ceifaria sua vida. Dessa vez era diferente.
Por alguma razão, aquele paladino usuário de aura de batalha queria matá-lo. Então não havia motivos para poupá-lo, o que dava uma ótima oportunidade de aprendizado ao rapaz.
“O líder gaudério transferiu a mana para a cimitarra. Esse cara parece fazer o mesmo com a armadura”, refletiu. “Mas até onde vai a resistência desse negócio?”
De modo a responder a própria pergunta, Pedro desferiu golpes mais fortes e mais rápidos no paladino, copiando o que conseguia da técnica do inimigo.
Esgrima não era o ponto forte de Pedro, contudo se saiu bem.
A força das primeiras pancadas foi desviada por pura técnica. A das segundas foi espalhada pelo corpo da espada larga com outra tática. Só que isso tinha um limite.
Sentindo a agitação tomar conta, Pedro foi cada vez mais sentindo-se cada vez menos capaz de segurar no uso da força. Até que, por um fogo súbito que atingiu-lhe o peito por dentro, algo que não conseguia explicar nem controlar, usou toda a potência de seu braço num golpe único e brutal.
O estrondo veio depois do impacto, que foi tão rápido que quebrou a barreira do som.
Destroços logo tomaram conta da área. As árvores, que lá existiam, sumiram. Uma ravina de profundidade desconhecida foi o que sobrou, na direção e ângulo da cimitarra.
O paladino parecia ter desaparecido. Não fossem os pedaços de tripas, ossos, aço e sangue espalhados pelas paredes do pequeno cânion, Pedro desconfiaria que ele tivesse fugido.
— Ô cacete… Agora fudeu.
Olhou para o lado, para dimensionar o tamanho do estrago. Não foi a primeira vez que alterou a geografia de Ark. Só que nessa ele poderia ter matado a montaria. E não tinha simplesmente como explicar que mandou um quadrúpede de meia tonelada pelo ar.
O vento produzido pelo impacto foi forte.
A arma de Pedro sobreviveu intacta. A do paladino, não. Isso o deixou pensativo por alguns segundos, quando outra questão tomou-lhe a atenção.
— Tsc! Agora tenho que ver se todos os malditos estão mortos, ou estarei lascado pra explicar pra aqueles dinossauros assustadores que deixei vazar a informação da nossa existência.
E assim se iniciou uma busca moderada, que custou quatro horas do dia de Pedro. Dos que restaram, um morreu com o choque; os outros dois caíram há centenas de metros e estavam à beira da morte quando o rapaz de cabelos compridos os encontrou. Não sobreviveram para contar história, por evidente.
…
Enquanto isso, em um lugar distante…
Rebecca estava ansiosa para encontrar a família. Ela foi exilada muito nova com o pai. Agora fora chamada de volta à Lunaris.
Na carta que recebeu, o pai lhe contou que o avô deu um golpe e assumiu o poder de chefe da família. Seria o novo duque de Trous. Então estaria seguro voltar.
Ficar lá não era a intenção de Rebecca. Ela e Pedro tinham planos. Só que tinha que responder ao pai, bem como conhecer o avô.
A arquitetura gótica lembrava a casa em que cresceu, só que muito melhor. Prédios gigantescos voavam sobre a vista da garota. As cores eram vividas e, por incrível que pareça, combinavam com o clima nublado.
Um enorme castelo podia ser visto logo na entrada da cidade de Vimlly, capital do ducado. Era para lá que a dupla se dirigia. Na rua, as pessoas olhavam de modo suspeito para Rebecca. Talvez fossem as roupas, ou a pele bronzeada pelo clima ensolarado da Península. Aquilo a deixava desconfortável.
— Lady Rebecca, os guardas já foram avisados de nossa presença. A notícia parece ter se espalhado.
— Vamos lá.