Rei Celestial - Prólogo
Naquele dia, o sol brilhou intensamente sobre a praça da capital. Uma multidão se reuniu, suas vozes ecoavam palavras de condenação: “Morte ao traidor!”, “Traidor!”, “Iria entregar a nação ao inimigo!” O homem, algemado e escoltado por dois guardas, vestia roupas simples que contrastava com sua posição real. Ao caminhar sobre uma plataforma de madeira que levava a uma corda pendurada à frente, ele parou e observou atentamente a multidão, como se buscasse alguém em particular.
— Anda logo!— disse um dos carrascos, ao mesmo tempo em que o empurrava.
Alexander tinha cabelos dourados, semelhantes aos raios do sol, e seus olhos castanhos exibiam um semblante triste e vazio. Com a cabeça baixa, ele parou em frente à corda, que foi imediatamente colocada ao redor de seu pescoço por um dos carrascos. Ao olhar à frente, encarou as pessoas que testemunhavam sua morte. Seu último pensamento foi para sua família; seus filhos estariam seguros agora? E sua esposa, seria condenada também? Então, com um empurrão na alavanca, a vida de Alexander Valencia, o último rei de Garden, chegou ao fim.
Naquela noite, uma forte chuva cobriu a visão da lua e das estrelas. Uma mulher de longos cabelos negros, olhos azuis quase sem vida, pele branca e gelada devido à chuva intensa, carregava nos braços algo enrolado em panos brancos, enquanto corria o mais rápido que pôde. Subitamente, escorregou na lama formada pela chuva, e ao olhar novamente para cima, avistou uma figura usando um sobretudo preto. Seu rosto estava oculto por uma assustadora máscara de raposa negra, mantendo as mãos nos bolsos, transmitindo calma e tranquilidade.
— Por favor, não! — ela disse ao ver uma arma apontada para si. Nesse momento, um choro de bebê tomou conta do cenário. O homem olhou para o pano branco que ela carregava e baixou arma.
— Isso é… Solte-o!
Em meio às lágrimas ela começou a cantar uma canção com uma linda melodia, acalmando o filho em seus braços — “Somos pinturas temporais, e o destino é o autor, como um quadro em branco ganhando cor…”. — Enquanto cantava ela largou lentamente o bebê no chão. Ao parar de cantar, o homem apontou a arma para ela novamente.
— Posso me despedir?! — ela disse olhando para o bebê enquanto tirava um colar que estava usando para colocá-lo na criança. A moça, então, deu o último beijo na testa de seu filho.
— Você já aceitou seu destino.
Um raio cortou o céu no momento do tiro, unindo os dois sons em um só. O sangue da moça se espalhou pelo cenário, e seu corpo sem vida caiu sobre chão, ao lado de seu bebê. O homem se virou para sair dali quando, então, a criança começou a chorar; ele seguiu andando, mas logo decidiu parar. Então deu meia-volta e pegou o bebê em seus braços. E esse foi o instante em que algo mudou.
— Não posso deixá-lo vencer… Afinal, que criaturinha bonitinha, os Valetes não vão por as mãos em você. — Ele olhou para o bebê e sorriu por trás da máscara. — Vai ser bom ter alguém — disse enquanto conversava com a criança, e seguiu andando. — Bem, qual vai ser seu nome? Rodeado pela morte desde que nasceu… Que tal…
No dia seguinte o sol brilhou sobre uma nova Garden. Um garoto vendedor de jornais gritava as manchetes do jornal em suas mãos para as pessoas que passavam por ali:
“Ex-rainha de Garden, Elizabeth Valencia, é encontrada morta!, Protestos no país todo pedem votações para eleger representante do povo, Onde estará o poder celestial de Garden?”
Dois militares que liam o jornal ali conversavam sobre a situação em que seu país se encontrava:
— Agora só há dois caminhos para Garden, guerra civil ou aceitar que se torne uma república.
O outro militar que estava com ele argumentou:
— Mas estamos em guerra contra o Reino de Wolfsburg! Garden não vai aguentar uma guerra civil! — falou olhando para o jornal.
— O melhor para Garden, no momento, é aceitar se tornar uma República. — Ele olhou para o céu azul sem nuvens, onde alguns pássaros voavam livremente. — Parece ser um novo tempo.
Nesse mundo algumas pessoas conseguiam usar magia, mas existia uma que somente os reis das quatro grandes nações conseguiam utilizar; essa magia era chamada Magia Celestial. A pessoa que a utilizava podia invocar exércitos inteiros, e essa habilidade, após a morte do rei, era passada para um dos seus filhos. Mas havia um ‘porém’: para utilizá-la, o rei devia ter ao seu lado um abjurador com poderes de cura, ou, como diziam, um ‘suporte’, já que após usar a Magia Celestial o corpo se tornava muito fraco, por conta do tanto de energia gasta.”
《♤♡◇♧》
(1857) Fronteira terrestre entre Garden e Wolfsburg
Dmitry estava caído no chão, seu corpo banhado em sangue, que manchava as madeixas brancas. Seus olhos de cor púrpura perdiam gradualmente o brilho e a vida. Ao olhar à frente, com a visão turva, apenas vislumbrava a silhueta borrada daquele que o deixara em estado moribundo, alguém em quem depositara sua confiança como um irmão. Consumido pelo ódio, com o sangue fervendo, Dmitry reuniu suas últimas forças para jurar morte e vingança contra quem o deixara naquela condição.
O pôr do sol tingiu o céu com tons de laranja-escarlate, assim como os corpos dos soldados manchavam o solo de vermelho, deixando sua marca na batalha que acontecera algumas horas antes. Infelizmente, não houve sobreviventes de ambas as nações, e nenhum lado saiu vitorioso. Em meio aos corpos, ele caminhava sem rumo e tentava deixar para trás o que havia acabado de fazer. O ato de assassinar Dmitry foi o limite, seus olhos turquesa refletiam toda a raiva e dor que ele experimentava naquele momento. Ele despiu seu sobretudo vermelho, com estampas que lembravam a carta de ouros do baralho, e imediatamente sacou a espada que carregava na cintura.
— Não quero morrer como um verme — Apontou a espada para o próprio pescoço, tomado por um desejo de acabar com o sofrimento que torturava sua mente.
Mas antes de concluir seu ato suicida desviou o olhar para o lado e avistou um soldado ainda vivo, dando seus últimos suspiros. A farda azul indicava ser um soldado de Garden.
— Você é de Garden… — Ele se agachou e pegou a identificação do soldado. Nela estava o nome “Harley Barnes”.
Ambos aparentavam ter a mesma idade e a mesma cor de cabelo; a única diferença era o corte, algo que poderia ser facilmente resolvido. Sem hesitar, ele apanhou a identificação do soldado moribundo e considerou aquela a oportunidade perfeita para escapar de seu passado sangrento. Viver em busca de redenção não se mostrou tão difícil para uma alma pecadora, que já havia tirado tantas vidas sem questionar.