Quantyum: A Queda da Humanidade - Capítulo 5
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Já era quase duas horas da tarde quando finalmente acordei com o barulho da campainha tocando. Por um momento pensei que estivesse sonhando, já que eu nunca havia dormido tanto, meu corpo parecia mais leve do que de costume.
Depois de algum tempo sentada ainda refletindo sobre o que havia acontecido ontem, finalmente me levantei, tomei um banho frio para despertar e troquei de roupa. No momento em que vesti a camisa, escutei a porta de meu quarto abrindo, reconheci Marianne imediatamente.
— Você tem visita, senhora.
— E quem seria — perguntei, já que não esperava ninguém.
— Aquela sua amiga, Anny.
— Diga que já irei
— Com sua licença — Antes que Marianne fechasse a porta, eu a chamei novamente.
— Sim?
— Por que não me acordou hoje?
— Seus pais não estão em casa — Ela deu de ombros — A senhora já faltou à escola, achei que não haveria problema em descansar um pouco mais, já que ontem foi um dia cansativo.
Por um segundo, pensei que explodiria de tanta amor pela empregada.
— Obrigada..
— Disponha — respondeu enquanto saia
Depois de algum tempo terminando de me arrumar, eu finalmente saio do quarto e caminho em direção a sala. Chegando lá, ela me esperava no sofá. Anny sempre chama muita atenção, seu cabelo loiro com uma mecha azul é enorme, quase chegando às suas coxas. Sua pele é excessivamente branca devido à pouca exposição à luz, no pescoço ela possui um pequeno colar com formato de estrela que carrega pra todo lado.
— Bom dia — cumprimentei-a
— Dia, como vai minha princesa favorita?
— Se veio aqui para me atormentar, recomendo que saia
— Que isso garota? — fala com falso tom ofendido — Eu vim aqui humildemente saber como você está e é assim que me recebe?
— Te trouxe a matéria de hoje — Ela joga uma pequena pilha de papéis sobre a mesa de centro enquanto me sento no sofá — Porque faltou?
— Eu não estava me sentindo bem.
— Sei, fiquei sabendo da luta.
Meu coração falha uma batida quando escuto luta, imagens da batalha voltam a minha mente sem que eu possa impedir.
— Não acho justo aquele idiota ganhar as recompensas do torneio com um empate.
— A decisão dos juízes é absoluta.
— hump… Não sei por que aprovar aquele esquisito, ele obviamente, não é um bom sujeito, viu o cabelo dele?
— o que isso tem haver — perguntei — Ele provavelmente pintou, deve ser alguma moda do lugarzinho de onde ele vem.
— Ele não pintou, a raiz também é completamente branca. — Eu a encarei por alguns segundos antes de finalmente perguntar.
— E pode me contar como você sabe disso?
— Fiz uma visitinha enquanto ele não estava acordado na enfermaria.
— Como diabos você passou pelos guardas?
— Eu dei meus pulos, mas a questão não é essa.
— Então qual seria a questão? — Peguei um copo de chá que Marianne me serviu.
— Síndrome do Terror — Ela respondeu
— E que seria isso?
— Não posso te culpar por não saber sobre isso, eu mesma só sei por que meus pais trabalham em um hospital.
— O que essa síndrome tem a ver com ele?
— A síndrome do terror se originou na era trespasse e é pouco conhecida hoje em dia, já que os casos são… eram inexistentes. — Ela se corrigiu — Pelo que sei, se manifesta apenas quando o indivíduo passa por uma situação extremamente traumatizante, não é algo grave ou que possa matar, ela afeta o cérebro e faz com que produza menos melatonina o que prejudica o sono, a maior característica dos afetados é o cabelo, que fica completamente branco, devido a doença.
— Sei… O passado dele não me interessa de toda forma.
— A qual é? — Ela disse enquanto se levantava — Eu poderia ter sido expulsa sabia?
— Você invadiu a enfermaria por vontade própria
— Mudando de assunto — Ela falou enquanto se sentava novamente — O que foi aquilo?
Entendi imediatamente sobre o que ela estava perguntando, afinal, era algo de meu interesse e que não possui explicação.
— Eu também não sei — Admiti — Aquela “forma” negra… de início pensei que ele pudesse controlar a prata, mas a forma com que ele deformou os espinhos e controlou a energia…
— Sem mencionar a regeneração
A imagem do ferimento se fechando voltou a minha mente, eu havia esquecido desse detalhe.
— Se soubéssemos a classe dele talvez conseguíssemos uma explicação — Falei — Também seria necessário uma pesquisa sobre as propriedades da prata.
— Você não ouviu?
— Não ouvi oque?
— Um pouco antes de você entrar, o apresentador disse que ele é da classe Nenty.
— Um Nenty? Impossível! — Eu elevei o tom de voz, sem perceber — Um mero Nenty não conseguiria nem controlar a prata de forma decente, imagine deformá-la a tal ponto, nem mesmo um Voxer pode fazer aquilo.
— Você acha que ele pode ser um… Singular?
Eu fiquei quieta por algum tempo, refletindo a possibilidade, singulares são extremamente raros e sua aparição é sempre vista como um mau presságio.
— Acho difícil — Respondi após refletir — O último singular de que se tem notícia…Morreu há cerca de trinta anos.
— E levou metade de um continente junto…
— Oceania — Eu me lembrei de ver reportagens antigas, um singular que podia multiplicar por dezenas de vezes a força de uma explosão em troca de anos da sua vida. Ele estava causando o caos na Oceania quando cometeram o erro de levá-lo a uma base secreta do governo para estudos, a situação saiu do controle quando perceberam que ele podia utilizar seu font a longa distância. Havia cerca de dez bombas nucleares escondidas no local. — Mas o que Eu vi não se encaixaria em um singular, os fonts deles geralmente são mais… poderosos
— Nós não sabemos ao certo o que foi aquilo pra começar, mas se você tem outra classe que se encaixe no que vimos pode falar à vontade. — Eu reviro os olhos, ela realmente havia me encurralado.
— De toda forma, se me der licença — disse já pegando as folhas que ela me trouxe — Tenho coisas a fazer.
— Você não é a única
— Nos vemos amanhã então — Estendi a mão para ela.
— Às vezes eu detesto sua formalidade — Anny gentilmente afastou minha mão e antes que pudesse recuar, me envolveu em um abraço.
— É assim que se despede — Ela sussurrou — Faça questão de não se esquecer.
—Tentarei… — respondi sem jeito.
Depois que ela saiu, voltei ao meu quarto com as matérias em mãos, mas não consegui me atentar a nada que copiava, a conversa ainda presa em minha mente. Os minutos se passaram enquanto eu copiava tudo, e estes por fim viraram horas. Quando me dei conta, o sol já estava a se por, joguei o lápis para o lado sem conseguir mais suportar a dor na mão, logo em seguida, escutei um barulho conhecido, que eu escutei durante vários anos, o barulho do motor da limusine desligando, meus pais haviam chegado.
Sai de meu quarto imediatamente, enquanto andava pelo corredor, dois homens passaram por mim e entraram em meu quarto, sem entender direito o que estava acontecendo, apertei o passo para a sala.
Meus pais estavam conversando com um homem de terno que fazia anotações num pequeno caderno.
— Mãe? Você demorou, o que está acontecendo?
— Por favor — pediu com simplicidade, sem nem olhar para mim — Não me chame dessa forma novamente, me causa nojo.
O choque foi imediato, eu paralisei por um momento enquanto digeria lentamente aquelas palavras.
— Mas… mã-
— Sinto que além de inútil, você parece ter ficado surda — desta vez ela encarou o fundo dos meus olhos — Vou te explicar resumidamente a situação. Eu estava fora organizando sua transferência para os dormitórios da escola.
Levei algum tempo para entender o que ela queria dizer, mesmo sendo tão óbvio, tentei me aproximar de minha mãe, mas minhas pernas não se moveram.
— Porque? — Perguntei
— É um pouco óbvio, não acha?
Durante algum tempo, fiquei calada, pensando o que Poderia fazer, de repente, me veio à mente algo: Nada, não havia nada que eu pudesse fazer, eu convivi com meus pais durante dezesseis anos e sei bem que poucas coisas os fariam mudar de ideia. Desesperada, recorri ao único argumento que tinha.
— Mas foi um…
— Não! — Ela me interrompeu, pela primeira vez em toda a minha vida ela pareceu perder a compostura e elevar a voz — Foi uma derrota completa! Além de empatar com um garoto de quinta, ele ainda conseguiu ingressar na melhor escola da atualidade de graça. Você tem noção de quanto tempo eu passei construindo meu nome? Tudo pra um lixo igual a você chegar e mandar tudo por água abaixo em menos de uma hora. Meus ouvidos doem de todas as risadas que escutei das minhas chefes ao sair daquela arena.
Após alguns segundos calada tentando ignorar as palavras que penetravam como agulhas afiadas em meus tímpanos, eu resolvo falar:
— É isso que te dói…? — disse baixinho a princípio
— O que disse?
Eu poderia simplesmente dizer “Não é nada” e acabar com a discussão, mas eu já estava cansada de ouvir tudo calada.
— É isso o que te dói? — Gritei — Escutar risada dos seus chefes? Não te dói ver a porra da sua filha ser empalada diversas vezes pra tentar proteger a desgraça do seu nome? Não a machuca ver uma pessoa que você criou durante dezesseis anos em coma toda ferrada em uma máquina na enfermaria? Qual seu problema? Que tipo de mãe é você?
O silêncio que se seguiu poderia resfriar a mais quente lareira, durante exatos quarenta e sete segundos o tempo pareceu parar.
— Me desculpe — ela finalmente respondeu — Eu acho que você não entendeu, até hoje.
Ela se aproximou lentamente, os olhos frios refletindo a impiedade de suas próximas palavras.
— A única coisa que nos une, garota, é o sangue. Não me leve a mal, eu nunca, nem por um segundo, me considerei sua mãe. Você é apenas um objeto que eu fui forçada a criar para poder unir a minha família e a de seu pai. Se você alguma vez você pensou que eu te amei — Ela exibiu um pequeno sorriso — Você é tão idiota quanto o garoto que te humilhou na arena.
Sabendo que não receberia uma resposta, ela se virou e voltou a falar com o homem de terno cordialmente.
Quanto a mim, apenas fiquei ali parada encarando o vazio por não sei quanto tempo, algum dos empregados deve ter me puxado pela mão até a o carro, pois, quando me dei conta já estava dentro da limusine.
Depois de finalmente engolir todas as palavras de minha mãe, as lágrimas não vieram como achei que viriam, elas demoraram, e quando chegaram foram silenciosas, escorriam pelo meu rosto enquanto eu encarava meus próprios pés.
Quando o carro parou em frente ao prédio administrativo da Academy, em algum momento entre o caminho devia ter começado a chover, mas eu só percebi por que a água gelada banhou meu rosto antes de alguém me estender o guarda-chuva.
— Jessy? — Disse uma voz — Me siga por favor, vou levá-la ao seu quarto
Não reconheci bem quem estava me guiando, mas o segui mesmo assim, devo ter andado por cerca de dez minutos até parar diante de uma porta de madeira marrom com o número 975 inscrito. Quatro homens passaram na minha frente carregando as malas, não observei direito como era o cômodo, fui direto para onde me indicaram e me joguei na cama.
— Seus colegas de quarto já devem estar dormindo, você poderá conhecê-los amanhã — Disse quem havia me guiado antes de fechar a porta.
Enquanto eu contemplava a escuridão, as lágrimas finalmente pararam de escorrer, tudo o que eu queria era dormir e não acordar mais, mas nem isso eu iria conseguir.
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