Quantyum: A Queda da Humanidade - Capítulo 4
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Mia… — O nome percorreu meus pensamentos — Não, é impossível que ele a conheça.
— Quem não tem nada a proteger, nunca irá passar por você, não é? — Ele lembrou — Felizmente, eu tenho algo a proteger.
Lentamente, o garoto começou a caminhar em minha direção. Sem conseguir raciocinar rapidamente por causa da dor, recorro a única saída que eu tinha no momento. Joguei minha espada no chão, a qual começou a flutuar a alguns centímetros do mesmo.
Meu movimento seguinte foi arriscado já que essa técnica ainda estava em desenvolvimento, sem pensar muito sobre isso, me concentrei intensamente na espada e imaginei sua lâmina se alargando até ter tamanho suficiente para suportar uma pessoa.
Quando achei que o tamanho era suficiente, parei, a arma havia ficado quase do jeito que eu havia imaginado, não estava perfeita já que eu não havia treinado essa forma, mas teria que servir.
Sem pensar duas vezes, subi em cima da espada e me concentrei em move-la, assim que comecei a me movimentar, aros e espinhos negros surgiram em minha frente, fiz um esforço tremendo para conseguir desviar mas mesmo assim acabei recebendo um belo corte no braço.
— Desfilar pela arena com sua espada não vai te ajudar a vencer, garota. — Disse Aaron enquanto vinha em minha direção
Pensei em diversas respostas, mas se eu falasse acabaria perdendo a concentração e desabaria no chão, mas lá no fundo algo me dizia que ele estava certo, eu estava apenas ganhando tempo, não havia plano, nem formas de vencer.
Só espero que isso não piore — Pensei
Obviamente as coisas pioraram assim que terminei de pensar nisso. Depois de desviar do que deveria ser o centésimo quinto espinho, algo diferente aconteceu.
Um espinho negro surgiu ao meu lado, a princípio parecido com todos os outros, com dificuldade, desviei e continuei a ganhar tempo, então, tive a estranha sensação de que havia algo me perseguindo, ao olhar para trás, eu perco a concentração por meio segundo, o que quase custa minha vida.
O último espinho de que eu havia ultrapassado, agora parecia se esticar e me perseguir, logo atrás dele, os aros também disparavam seus projéteis carregados de eletricidade que mudavam de direção em pleno ar, o que desafiava completamente toda a lógica.
Controlar prata é uma coisa, um voxer consegue alterar até mesmo a forma atômica do seu font, mas o garoto além de alterar a composição da própria prata para alongá-la, parecia que também estava controlando os disparos, que eram pura eletricidade.
— Você realmente achou que eu não tinha mais cartas na manga?
Ainda sem forças para responder tudo que pude fazer foi encará-lo, mas enquanto eu o fazia, notei algo estranho, a ponta de seus dedos possuiam rachaduras alaranjadas que brilhavam como lava.
Sobrecarga — O nome veio à minha mente de imediato, resultado das minhas longas horas de estudo— O font dele é poderoso, mas controlar tudo isso deve exigir muito da mente, como resultado o corpo dele não consegue produzir spike o suficiente para manipular tanto quantyum ao mesmo tempo.
Nesse momento, um raio de esperança cruzou minha mente, mudei de direção e ao invés de ganhar tempo comecei a ir em direção ao garoto.
— Aceitou sua derrota? — Ele perguntou enquanto tomava posição de batalha.
Ignorando-o, me aproximei cada vez mais enquanto diversos outros espinhos e disparos me perseguiam, quando estava quase me chocando com o garoto, pulei para a esquerda enquanto minha espada foi para a direita e tudo o que vinha atrás foi em direção a ele.
Poucos segundos antes de tudo aquilo o atingir, pude ver a surpresa estampada em seus olhos por ter caído em algo tão simples, após isso, ele desapareceu sob toneladas de espinhos e disparos energizados.
Depois de todo o esforço que fiz durante o percurso, minha vontade era de desabar e dormir por três dias seguidos, mas eu soube que não poderia fazê-lo assim que uma mão cheia de rachaduras vulcânicas emergir por entre todo o entulho.
Lentamente, o garoto saiu de baixo de tudo aquilo, completamente ferido, mas vivo, no momento em que ele me encarou, percebi que seus olhos estavam novamente castanhos, sua “Transformação” havia acabado.
Ganhei — Pensei imediatamente.
Ao meu ver ele desistiria da luta assim que aquela forma estranha acabasse, mas para minha surpresa, ele apanhou a sua espada, agora suja e até meio torta e começou a andar em minha direção novamente, ver aquele garoto completamente ferido e exausto se recusando a desistir me irritou profundamente.
— Porque? — Eu gritei — Porque você não desiste?
— Eu te falei — Ele respondeu enquanto apontava a espada em direção a minha garganta — Tenho algo para proteger.
— Então somos dois, não posso perder aqui.
— Posso dizer o mesmo
Antes que o garoto pudesse fazer qualquer coisa, eu entoei:
— Segunda forma — Atrás dele, minha espada começou a brilhar e lentamente se dividir em várias réplicas do tamanho de adagas — Mil lâminas inquebrável
Ao olhar para trás já era muito tarde, uma tormenta cortante o envolveu, aproveitei o tempo, e, com muita dificuldade, me levantei.
— Eu ainda tenho uma ou duas coisinhas guardadas — falei enquanto observava o garoto que se encontrava aprisionado em uma espécie de redoma — Eu não estou afim de te matar, por favor, se renda.
Quando os olhos do garoto encontraram os meus, pude ver que ele não iria desistir, não importa o que ocorresse.
Nesse momento, ele me lembrou alguém. Uma garota de quase cinco anos, que desde pequena foi julgada por quem ela mais amava, apenas por não nascer com um poder resplandecente.
Eu já tinha os olhos dele antes — me lembrei — Essa determinação inabalável, essa chama que insiste em queimar…Eu perdi isso em algum lugar no caminho até aqui.
— Desculpe — Eu disse sem nem pensar enquanto o encarava — Mas eu não posso perder aqui — Memórias jorravam em minha mente, os empregados da mansão, o olhar de minha mãe antes de entrar no carro, e por último, Marianne que me encarava com um olhar gentil todas as vezes que a encontrava — Você é forte, isso eu reconheço. Parabéns por chegar aqui.
Sem me demorar, eu dou a ordem, todas as lâminas que o cercavam se viram em sua direção, e sem qualquer aviso, o atacam.
Aaron ainda tentou, em vão, bloquear as lâminas. Uma após a outra, as espadas se fincaram em sua carne enquanto ele ficava cada vez mais lento e encurvado, até que por fim, uma delas o atingiu no peito, o exato local onde ficaria seu coração. Ele desabou no chão.
Após alguns segundos, eu me encaminhei para o portão da arena, no caminho passei pelo corpo do garoto, agora com os olhos castanhos, outrora tão cheios de vida, vazios, fitando o infinito.
Aaron… — O nome ressoou por minha mente. — Eu vou me lembrar — Pensei antes de seguir meu caminho
— Hoje! — Gritou o narrador com a plateia explodindo em gritos— Presenciamos uma das prováveis melhores lutas de todo esse torneio!
— Mas como todos já sabemos… Essa batalha foi uma completa vit-
Nesse momento, eu senti uma mão extremamente quente, segurando em meu calcanhar.
Impossível… — Foi tudo que tive tempo de pensar
— Desculpe… — Disse o garoto com a voz falha — Mas eu… também não. posso perder
Antes que eu pudesse reagir, ele entoou:
— Finalização. Montanha prateada.
Imediatamente, um enorme espinho surgiu do chão, transpassou por minhas costas, e me levou em direção aos céus, minha consciência ficou pesada imediatamente, minhas últimas forças foram arrancadas e eu me encontrava agora quase inconsciente apenas fitando o céu azul acima de mim, pequenos pássaros rodavam acima tão pequenos que eu mal os enxergava.
Enquanto minha visão falhava, eu podia escutar o narrador, mas ele não estava mais gritando, ele parecia distante e sua voz era como um eco.
— E parece que o resultado dessa partida foi um… — Ele parecia dizer
Mas que droga… — Sem perceber, desmaiei durante a frase, caindo em um mundo de escuridão.
Não tive sonho algum, como é comum da maioria das pessoas que desmaiam, mas isso não me surpreendeu já que desde pequena fiz diversos treinos mentais para conseguir relaxar o máximo possível quando não estou acordada.
Ao acordar, a primeira coisa que senti foi dor, todo o meu corpo parecia ter sido espremido e depois jogado no forno, faixas cobriam boa parte da minha barriga e minha perna estava engessada.
Lentamente me sentei, o que quase me fez desmaiar novamente, mas consegui me manter acordada de alguma forma. Notei que havia uma muleta encostada ao lado da minha cama, com muito esforço eu a peguei e levantei.
Com dificuldade, caminhei até a porta, quando a abri, pude escutar o que parecia ser uma discussão:
— Não posso deixar — Reconheci como a voz da diretora
— Não me importa — disse outra, a qual não decifrei de primeira. Era Aaron — Eu vou, nem que precise passar por cima de você
— ho…! — respondeu a diretora em tom impressionado — Eu adoraria vê-lo tentar…
Imediatamente, escutei um pequeno estrondo, seguido de gritos. Me posicionei ao lado da porta de forma a espiar o que estava acontecendo.
Aaron estava frente a frente com a Scarlet e possuía faixas manchadas de vermelho ao redor da cabeça e dos braços, o tremor que eu havia sentido provavelmente veio do enorme espinho prateado que emergiu ao lado dele e parou a centímetros do rosto dela.
— Eu realmente não entendo os jovens — A voz carregada com evidente desprezo — Vocês se acham tão fortes que não percebem quando estão à frente do perigo…
Ela deu um passo à frente, quase se chocando com Aaron.
— Ouça, garoto — Uma onda de ar pareceu correr por todo o local, o espinho que havia surgido virou pó imediatamente — Eu tomei a liberdade de cuidar desse seu “problema”, agora volte para sua cama, antes que eu decida te expulsar e retirar o que você ganhou.
Expulsar… — A palavra ficou gravada nos meus pensamentos — Então… isso significa que…
Apenas pensar sobre isso me fez ficar tonta e perder o equilíbrio, sem conseguir me apoiar na muleta, desabei em direção ao chão. A última coisa que me lembro é de ver o rosto surpreso da diretora olhando para mim.
Quando acordei, eu já não estava mais no hospital, reconheci o local como meu quarto. Meu corpo já não doía tanto, me sentei na cama com as palavras da Scarlet ainda gravadas em minha mente.
Fiquei parada por alguns segundos, perplexa demais para conseguir agir, até que escutei algo, um barulho de metal atrás de mim. Ao olhar, percebi o que era, Marianne havia deixado uma vasilha cheia de faixas brancas cair no chão.
— Senhora… — Ela disse com a voz fragilizada
Dispensando toda a formalidade que seu emprego exigia, ela correu em minha direção e me envolveu em um forte abraço.
— Eu assisti a partida… fiquei tão preocupada… — Eu a ouvia, mas meus pensamentos estavam em outro lugar
— Merianne… — Iniciei a pergunta para a qual já imaginava a resposta — Por favor, me diga qual foi o resultado.
— Agora não é um bom momento…
— Me diga! — Me arrependo imediatamente por gritar após ver lágrimas escorrendo pelo rosto de Marianne.
— Foi… um empate, senhora.
A surpresa toma conta de mim, embora não afastando a decepção.
— Empate? Mas eu ouvi a diretora falando em expulsá-lo. — Marianne balança a cabeça afirmativamente.
— Foi um empate, mas os responsáveis pelo evento decidiram dar as recompensas do torneio ao Aaron.
— Então… Eu perdi?
Ela se afasta delicadamente e põe a mão sobre minha cabeça.
— Eu gostaria que seus pais pensassem de maneira diferente.
— Meus pais… oque eles fizeram após o torneio?
— Eles saíram, sem falar nada. Não sei onde foram.
— Sabe se eles ao menos visitaram o hospital?
Eu soube a resposta quando ela desviou os olhos para o chão. Sem que eu pudesse controlar, lágrimas encheram meus olhos, eu estava tentando a tanto tempo, e quando eu finalmente iria conseguir algum respeito dos meus pais eu falho.
Minha vontade era de gritar e destruir tudo em meu caminho, mas todo esse sentimento passa quando Marianne me puxa para seus braços.
—Eu estou aqui. — Ela falou — Sempre que precisar.
As lágrimas que eu forçava a conter explodiram imediatamente, rolando por meu rosto enquanto meus gritos eram abafados pela roupa da empregada. Pela primeira vez, mesmo em meio a toda a vergonha, toda a tristeza e raiva, eu senti realmente, como é ter uma mãe.
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