Quantyum: A Queda da Humanidade - Capitulo 3
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Eu limpo o sangue que escorre de meu ferimento com as costas da mão.
— Quero ver você tentar. — Foi tudo o que falei.
O minúsculo sangramento na bochecha irritava, a dor que se espalhava ao redor do corte atrapalhava minha concentração, ao mesmo tempo a plateia deu fim ao velado silêncio que impregnava as arquibancadas.
Novamente, posicionei a lâmina da espada ao lado do meu rosto enquanto o garoto se preparava.
— Venha. — disse, enquanto gesticulava com a mão.
Eu parti para o ataque, tudo ao meu redor pareceu desacelerar em meio ao ataque eu tentava entender o font dele, ao que me parecia, ele podia controlar prata, mas isso só abria uma gama ainda maior de possibilidades. Se ele fosse um voxer… eu tentei não pensar nessa possibilidade.
Depois de percorrer uns dois metros em direção a ele, eu senti algo vindo de baixo de mim tão rápido que eu quase não consegui reagir.
Rapidamente dei uma cambalhota para frente, o que me salvou, pois um espinho do mesmo tamanho do anterior emergiu no exato local em que eu estava.
Antes que eu tivesse algum tempo para voltar a pensar, vários outros espinhos emergiram do chão, vindo de diferentes direções, me desviei com dificuldade de cada um mas quanto mais próxima a ele eu chegava mais rápidos eles emergiram e maiores pareciam ficar.
Faltando cerca de quinze metros para alcançar o garoto, parei. Tentei analisar melhor a situação, ele não havia se movido centímetro algum, embora eu pudesse atacar a distância essa era uma das minhas cartas na manga, e não valeria a pena sacá-la agora, eu poderia tentar cortar os espinhos, mas esse não era o forte da minha espada.
Considerando a velocidade que os espinhos apresentavam no ponto em que eu me encontro, seria difícil chegar mais perto, supondo que eles ainda pudessem ficar mais rápidos
Que se dane — Pensei — Não tenho outra opção no momento
Antes que eu conseguisse voltar atrás, mais espinhos surgiram, me obrigando a agir. Exatamente como imaginei, quanto mais eu avançava, mais difícil ficava caminhar, aqueles quinze metros que nos separavam, se estenderam diante das enormes voltas que eu tive que fazer para contornar os espinhos, o garoto agora havia se movido, ele estava em posição de luta corpo a corpo.
Quando vi que sua posição havia mudado, corri em direção a ele diretamente, comecei a ignorar e apenas desviar dos espinhos, não os evitar, o que provavelmente foi arriscado, julgando o fato de que ele poderia possuir outras habilidades, mas eu não liguei, faltando apenas nove metros, ele se moveu novamente.
Com apenas uma das mãos fez um movimento movendo em direção ao chão e trazendo-a para cima rapidamente, como se a espera por essa deixa, um espinho saltou do solo, vindo diretamente para o meu rosto.
Eu ainda me encontrava correndo para o espinho, mesmo que eu parasse, ele ainda me empalaria e não havia tempo o suficiente para eu desviar para os lados, atacar o espinho era inútil. Ironicamente foi o medo que me salvou, pois por reflexo, coloquei a face plana da minha lâmina exatamente onde o espinho me empalaria. Isso seria loucura se minha espada fosse comum, mas a minha em específico não foi feita de um material qualquer.
Depois do que se pareceram horas, o espinho se chocou com a lâmina da espada, a força de impacto me deixou tonta e me empurrou lentamente para trás. Ao parar eu já havia me acostumado a tontura, o espinho que estava parado à minha frente lentamente rachou e se desfez em poeira. Quando olhei na direção do garoto, pude ver a surpresa em seus olhos.
Ele saiu de onde estava e correu em minha direção, mas seus olhos não refletiam a calma que outrora exalavam, pude ver claramente que ele não parecia ansioso para um combate corpo a corpo.
O garoto me pareceu inexperiente em combate a curta distância, seu andar, postura e manejo da espada se encontravam em um estado deplorável. Quanto tirei minha atenção dele percebi que meu corpo ainda sofria com o último golpe, por isso antes de ir dei dois pulos rápidos para aliviar a dor e corri em direção a ele.
Antes de nos encontrar, estendi uma das minhas pernas para frente e deslizei pelo chão, o garoto, que estava almejando um ponto mais alto, se surpreendeu quando passei rápido ao lado de suas pernas e o cortei na coxa com a espada.
Em seguida, rapidamente me levantei e de olhos ainda fechados girei no mesmo lugar, sem nem mesmo olhar antes de atacar fiz uma estocada com a espada para frente, tirando-o a chance de desviar do golpe, senti minha espada penetrar a carne e então parar.
Quando abri os olhos, a cena que vi me fez duvidar de tudo que eu havia analisado sobre o garoto. Ele estava agora, voltado de frente para mim, a espada no chão ao lado dele, suas mãos se encontravam manchadas de sangue e seguravam fortemente minha espada, sua camisa estava ficando empapada de vermelho, mas ele havia conseguido o que queria, transformar um ataque quase mortal, que o tiraria do combate, em um pequeno ferimento.
Ele previu o que eu iria fazer assim que passei ao lado dele
— Você acha que eu vou cair fácil assim? — Ele perguntou em meio a um sorriso sarcástico — A batalha começa agora!
Ao falar isso, um espinho emergiu ao meu lado. Pega pela surpresa, não reagi imediatamente e sua ponta penetrou em minha perna, pude senti-lo batendo no osso. Por reflexo, pulei para trás. Esse foi meu primeiro erro, minha espada ficou na mão do garoto, e eu me encontrava agora, desarmada.
— É minha hora de brincar — Ele fala enquanto estala os dedos.
O som de seu estalar parece ecoar por toda a arena, imediatamente, vários pontos prateados começam a se formar em meio ao ar, esses pontos, lentamente dão origem a algum tipo de círculo com várias setas saindo de seu interior, ao mesmo tempo, vejo minha espada sendo jogada para trás do garoto, de forma que eu teria que passar por ele para pegá-la
— Decidiu chamar seus bichinhos de estimação?
— Sim — Ele responde — Eles são mansos, confie em mim.
Ao dizer isso, todos os círculos parecem reunir um tipo de energia azul que começa a ganhar tamanho em seu interior.
— Que truque legal você ensinou a eles
— Fique paradinha — Pediu o garoto — Que eu o ensino para você
Os aros disparam.
Os momentos seguinte para mim foram um completo caos, eu pulei, rolei e me esquivei não só dos disparos dos estranhos aros, mas também de diversos espinhos que surgiam a todo momento, mesmo utilizando de todo o meu reflexo, não consegui ficar completamente ilesa, quando os disparos pararam eu estava coberta de pequenos cortes
— Uau! — Exclama o garoto, com um tom impressionado — Você conseguiu desviar de todos os disparos — O sarcasmo que eu não havia notado em sua exclamação inicial, agora havia ficado evidente.
— Fique tranquilo, eu sei fazer muito mais do que apenas desviar
— É o que veremos
Os aros além de começarem a energizar, agora se moviam em direções que me pareciam aleatórias.
Antes dos disparos começarem eu já estava correndo, os espinhos voltaram a saltar do chão, desviar deles já me exigia um ótimo reflexo, mas desviar de tudo se tornou impossível quando os disparos começaram.
Então, aconteceu o que eu temia, no exato momento em que eu tentei pular por cima de um dos espinhos o ferimento na minha perna a travou, quando algo vindo em minha direção, tentei rolar para o lado mas não fui rápido o suficiente.
Um dos disparos acertou em minha perna, a sensação de dor foi imediata, a sensação era de que minha perna estava sendo atingida por diversos raios várias vezes por segundo. Após o ápice de dor passar, tentei me levantar sem sucesso, minha perna não respondia aos comandos.
Com muito esforço olho para o local atingido em busca de verificar os ferimentos, no exato momento em que vi o estado em que se encontrava minha perna, entendi o porquê doía tanto, eu provavelmente estava com uma queimadura de segundo, quase terceiro grau, observei que fumaça parecia sair de alguns machucados.
— Acabou — Disse uma voz às minhas costas — Você não consegue nem se mexer.
Eu me virei para o garoto que estava a poucos centímetros de mim com sua espada apontando diretamente para meu rosto, nesse instante, eu consegui sentir, vindo da arquibancada de algum ponto do camarote VIP, um olhar carregado de desgosto, raiva e frustração, olhar esse que eu já havia recebido diversas vezes.
Pela primeira vez em anos, eu senti algo que não era indiferença ou cansaço, um sentimento forte, quente, seco e amargo, era algo que eu não consigo descrever, uma sede de destruição que eu não consegui deter, mas eu sabia o nome disso, era ódio.
Ódio, por ver alguém que eu tanto subestimei, agora me encarando com ar superior, ódio por saber exatamente quem me dirigia aquele olhar de pena que vinha da arquibancada. Eu confesso que tentei segurá-lo, mas foi como tentar tapar uma torneira com uma folha de papel, é uma simples questão de tempo para a água vazar.
Lentamente, me levantei, ignorando a dor, ao mesmo tempo me concentrei e procurei com minha mente por algo que sempre esteve sob meu comando.
— Só acaba quando eu disser que acabou — Falei ao garoto
— A vamos lá! — Ele exibiu um sorriso sarcástico — Eu te daria os parabéns se conseguisse andar por dois metros.
Num determinado momento, eu senti o que estava procurando, era uma sensação quente familiar que vinha de trás do garoto, sem que ele percebesse, minha espada começou a desafiar a gravidade, flutuando no ar
— Sabe, nessa parte você tem razão, eu não consigo me mover direito
— Então acho que já está…
— MAS! — Eu o interrompi — Eu não preciso me mover para te derrotar.
Nesse instante, minha espada foi na direção do menino e antes que ele pudesse sequer reagir, a lâmina transpassou seu corpo, a ponta rosada da arma surgiu na minha frente em meio ao peito do garoto, sangue espirrou em meu rosto, mas eu não cheguei a me importar, todo o meu ser estava dominado pelo imenso ódio que eu sentia da pessoa a minha frente.
Mas eu ainda não havia acabado, me aproximei lentamente, até que nossos rostos quase se encontrassem e encarei os olhos castanhos preenchidos de espanto.
— Fique tranquilo — Falei enquanto forçava a espada a atravessar cada vez mais o corpo dele — Você nunca teve chance, eu apenas fui burra de pegar leve com você.
Ele tentou falar algo, mas o que quer que fosse, foi interrompido por um acesso de tosse, manchando sua boca de vermelho.
— Esse não é o seu lugar — Continuei, segurando com força a lâmina da espada, sem encostar no fio — Gente como você, deveria simplesmente observar de longe quem realmente tem capacidade de fazer algo e não ficar atrapalhando. Se você sobreviver, ao menos vai poder se gabar para os seus amiguinhos que quase entrou para a Academy.
O garoto pôs a mão sobre a minha, tentando em vão retirá-la da espada — Só não esqueça de dizer, que havia uma muralha em seu caminho.
Ao terminar, puxei a espada com toda a força que conseguia, ao mesmo tempo que a impulsionei para frente. A arma que havia entrado por suas costas, emergiu por seu peito com o cabo banhado em sangue, ele desabou no chão de imediato
— Isso acaba agora — Eu disse, consciente de que ele ainda estava ouvindo — Pessoas como você, que não tem nada a proteger, nunca iriam passar por mim.
Lentamente, dei as costas para o corpo caído ao chão e comecei a andar em direção ao portão de onde eu havia saído, a espada em minhas mão deixava gotas vermelhas pelo gramado enquanto eu andava, o ódio que eu sentia já não mais possuía a intensidade de outrora e eu lentamente voltei a raciocinar o que eu havia acabado de fazer.
Em meio ao caminho para o portão, eu paralisei, o peso das minhas palavras e ações caíram sobre mim, percebi que o ódio que eu senti pelo Aaron não era dele, mas de mim, e dos meus pais.
Oque eu fiz… — Foi tudo que eu consegui pensar antes de o mundo escurecer.
Depois de alguns segundos, percebi que eu não havia desmaiado. Recuei alguns passos, e consegui ver o que havia surgido. Um enorme espinho, completamente negro.
— Vocês se acham tanto… — Eu consegui reconhecer como a voz do Aaron, mas algo havia mudado, o tom era o mesmo, mas a intensidade, o peso e até mesmo a vibração da voz estavam diferentes — Ficam aqui em cima, em suas casas de luxo se achando os maiorais apenas porque nasceram em uma família rica e não tem nada para se preocupar.
Eu me viro e encaro o garoto, o que vi, me deu um calafrio como eu nuca havia sentido antes, os olhos dele antes castanhos, agora estavam negros como carvão, o sangue que havia no chão estava igualmente sem cor, como uma mancha escura que cobria a grama, percebi que lentamente, o mesmo parecia voltar para dentro do ferimento, e diante dos meus olhos, a ferida se fechou.
— Ela me disse tantas vezes para não lutar… — Percebi que ele estava falando isso mais para si do que para mim — E mesmo assim, entrou nessa academia, para tentar me proteger, e por minha culpa…
Seus olhos de repente se fixaram em mim, senti meu corpo começar a tremer, o sol pareceu perder boa parte de seu brilho, o calor do meu corpo foi varrido repentinamente, deixando apenas o frio.
— Me desculpe, Mia — Ele disse — Vou ter que quebrar minha promessa.
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