Passos Arcanos - Capítulo 70
— Notícias vindo da Amplidão — Reis passou o documento para Krens. — O grupo que a gente contratou para ganhar o dinheiro foi derrotado.
Krens terminou de ler e semicerrou os olhos quando encontrou o nome.
— Eliza Atena.
— Sim, senhor. De novo.
Reis sentou-se na outra cadeira, curvando um pouco e apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Posso pedir que ouça minha sugestão, senhor?
— Sim. — Ele jogou a carta na mesa, pensando. — Pode falar.
— Esse ataque a São Burgo, ao meu ver, foi muito precipitado. No ano passado, tivemos cerca de cinco baixas em grande escala por causa das bestas vindo do Terreno Alinhado, e teve as famílias que deixaram de nos apoiar por causa da execução do banqueiro.
Krens sabia bem o que tinha acontecido. Ele mesmo teve de refazer toda a sua estratégia nos meses seguintes por um erro que seus homens cometeram. Ter deixado o banqueiro Harry ver a manobra de dinheiro que praticavam em uma das casas de apostas lhe custou a vida.
E tiveram que criar toda uma história para sentenciar o homem e levar o segredo para o túmulo.
— Pobre homem — disse para si. — Não era o momento dele, mas pagou o preço por estar caminhando na rua em um dia nublado. Momentos assim sempre são sempre bons para aprender. Aquela velha frase de ‘Você tem que estar onde o destino te coloca’ sempre achou homens honestos.
— Nós somos honestos, senhor — replicou Reis. — Fazemos o que fazemos por um mundo melhor.
Krens demorou para concordar, mas quando o fez, soltou um sorriso para um dos seus braços dentro da Krasios.
— Quero que você me faça um favor. Mande uma mensagem para Risoll. Diga que ele deve achar Ofélia, ela vai estar na Torre de Optus. E mande tirar sua aprendiz da Corrida do Baiacu. Caso ela negar, diga que todos os futuros investimentos de suas magia serão retirados.
— O senhor manda.
Quando Reis saiu, Krens confirmou.
— Sim, eu sei.
I
Os itens dos Rocks eram todos de alto valor. Alguns ainda estavam desacordados e outros foram mortos, mas os equipamentos e roubas que usavam eram todos de uma produção muito superior ao que estava acostumado em São Burgo.
Quem os financiava tinha um gosto bem refinado. Até as placas de ferro eram novas, escolhidas justamente para a Corrida do Baiacu.
Orion ficou radiante de ter pego todas as armas, armaduras, colares e pulseiras, até mesmo a capa negra de um dos Magos e jogou para dentro da sua sacola espacial.
Depois, reuniu os membros juntos em um único lugar e expeliu uma runa por cima deles, os pondo para dormir até a hora que ele quisesse. Era Ilusão, ‘Sono de Duas Mentes’.
Era bem simples, porém, bem inatural.
Um dos lados tinha a capacidade de deixar o outro dormindo por tempo indeterminado ou até sua mana se esgotar. E para o azar dos Rocks, a mana de Orion não acabava, não mais.
Eliza ainda descansava sob uma pequena coberta de pelos que Orion tirou de um dos Magos. Eles usavam para dormir também, e improvisou um travesseiro com pelugem de animais voadores.
A cumbuca de barro não tinha sido desfeita, e Orion a usou como uma proteção natural já que outras pessoas poderiam chegar durante a madrugada. Acendeu uma fogueira com gravetos recolhidos da noite anterior e a deixou aquecer, ficando ao lado de Eliza.
As chamas crepitavam ainda no Meio da noite quando ela abriu os olhos. A dor no peito a fez levar a mão e apertar acima do seio esquerdo.
— Vai doer por um tempo até que seu núcleo mágico volte a funcionar perfeitamente — Orion disse ao seu lado. Espalhava a brasa com um palito mais grosso. — Teve sorte que não houve nenhum efeito colateral.
— Parece que estou morrendo.
— É uma sensação bem incômoda mesma.
Era a mesma dor que Orion sentia quando era mais novo. Oliver sempre achou que fosse algum tipo de doença que afetava somente Orion, porém, além da dor, nada mais se manifestou. No final de tudo, alguns diziam que Orion tinha recebido uma maldição pior do que a própria morte.
Será que alguma outra pessoa não possuí núcleo igual a mim? Era a pergunta que se fazia antes de dormir, todos os dias. Será que ele passa pela mesma coisa que eu?
— O que fez com os outros?
— Eu amarrei eles. Duvido que vão acordar. Pode ficar tranquila e voltar a dormir.
Ela concordou sem muita resistência. Ainda precisava de pelo menos Meio dia pra se recuperar. Tempo que Orion aproveitaria bem.
Abriu o Quadro Arcano, puxando o colar que o Mago Branco usava. Usou a Runa de Afinidade que tinha criado no navio e deixou que fosse lido pouco a pouco.
Os símbolos penetravam o ferro e depois mais a fundo, chegando até onde Josef Ancar chamava de ‘Ponte’. Ali seria onde o mundo mágico e o mundo físico se interligavam e onde os Anões costumavam alterar ou adicionar runas, intercalando o espaço do objeto.
Dez minutos inteiros e o colar se manteve rotacionando, bombardeado por números e letras amareladas até que um estalo fez Orion o encarar com atenção.
Toda a runa foi despedaçada, como da última vez, e o Quadro Arcano desenhou e escreveu a definição do objeto em si.
Identificação do Sumona: Colar do Coro. — Sem marcas do Criador. — Datação desconhecida.
Capacidade de uso: 10%.
Método: Infusão de Mana— Alojamento de Mana— Retenção de Mana Elementar.
Utilidade: O auxilio no acumulo de mana dará ao usuário capacidade de conjurar cerca de duas magia caso sua afinidade seja 10%. Caso afinidade chegue a 20%, a capacidade se expande para três magia. Caso a afinidade atinja 50%, cinco magia podem ser ativadas a qualquer momento.
Orion nunca tinha visto uma ‘Bolsa de magia’, como os Escolásticos chamavam. Normalmente, era usado o Papiro Mágico, vendido pelas Torres em cada cidade comerciante já que o custo era menor e a afinidade não era um padrão de uso.
Esse tipo de colar era bem diferente ao de Arigax que Tito recebeu.
Só pelas formas de uso, poderiam ser incorporadas com batalha ou magia passivas. Era assim que os Corredores dos Rocks se mexiam. Os outros colares que recuperou deles tinha essa mesma função, porém, o Mago Branco dividia parte de sua mana para eles.
Partilhar da própria mana para ganhar uma batalha. Era um método que Orion não aprovava por depender muito de um único lado.
O erro era fatal, ficava dependente dos outros e não poderia usar sua própria capacidade.
Claro, isso se não fosse usando as magia que ele mesmo criou.
Os Rocks escolherem Eliza como alvo principal e tiveram dificuldade com apenas um elemento mágico. Orion tinha certeza que se fosse ele o alvo, não durariam nem mesmo um minuto pelo tanto de magia que iria conjurar.
Não posso conjurar magia perto dela, corrigiu mentalmente.
Eliza tinha seu próprio segredo, mesmo tendo descoberto, não iria trocar informações para gerar confiança.
Tinha que permanecer como Orion Baker, não como Professor.
Os outros colares dos Corredores foram analisados e jogados na sacola espacial. Não eram especiais, só as magia passivas de Velocidade e de Vento, para bloquear e atacar. E o Mago Branco tinha afinidade no Vento, logo, era melhor se todos usassem elas.
O Mago Negro tinha um colar que não era mágico, porém, a esfera no centro dele era radiante. Orion decidiu guardá-lo para vender no futuro. Das armas que arrancou, as únicas que chamaram sua atenção foram as adagas e o machado do líder dos Cavaleiros.
Deu uma olhada para ver se Eliza estava dormindo, e ouvindo os roncos baixos dela, alisou a lâmina do machado com delicadeza, expandindo sua mana sobre a superfície e adentrando as camadas mais profundas do ferro.
O Quadro Arcano lhe deu a composição do espaço habitável e dos componentes usados na sua criação. Sua metade era feita de Ferro Negro, porém, alisado tanto por uma Pedra de Forja que a escuridão se tornou cinzenta.
A outra metade era nula. Podia trabalhar bem com aquela parte.
Lembrou-se de Wallace, já que o machado de guerra sempre foi sua principal arma desde que treinavam no Monte Ciano. E sua afinidade maior era com a Escola de Terra, além de ter facilidade em entender bem as magia passivas da Escola de Força.
Eram duas áreas que se unidas forjavam um guerreiro bem duro e resistente.
Os melhores símbolos a se colocar dentro de um machado seria a força e também dureza, isso se fosse levar a opinião dos Cavaleiros Veteranos. A arma seria ainda mais densa, capaz de perfurar escudos de uma só vez.
Baboseira vindo de velhos homens e suas viagens pelo mundo das fantasias. A verdadeira arte do ataque era a composição do peso. Se fosse pesada demais, nenhuma pessoa o empunharia direito e nenhum escudo seria quebrado.
— Símbolo de Leveza — Orion decidiu, ajeitando a runa da arma. — Se eu alterar uma pequena parte da organização, posso deixar ainda mais leve, mas Wallace vai reclamar. Se eu deixar adaptável, ele vai achar que estou subestimando ele. Mais fácil criar um segundo plano para a arma, mas… — coçou o queixo —, vai demorar muito.
O segundo plano em magia passivas deveria ser feito com cautela. Orion tinha várias em mentes que leu no livro de ‘Criações de Passivas e Ativas’, um volume tão antigo que ninguém teria coragem de abrir.
Era tão difícil criar uma magia nova que os Escolásticos estudavam formas de aprimorar as que já eram conhecidas.
Por isso, planos secundários e terciários nunca eram possibilidades para essas pessoas.
Covardes sem um pingo de vontade, Orion os achava assim.
— Vou deixar Leveza, Rigidez e Impulso. O espaço me deixa conduzir até duas vezes cada símbolo. — Posicionou os três em lugares que achou adequado no Quadro Arcano e o fechou vagarosamente para que não oscilasse muito.
A mana foi bem simétrica e não quebrou. O machado ganhou uma coloração mais acinzentada e Orion o segurou com uma mão, puxando pra cima. Incrementar mana nele o deixava mais leve, e brandi-lo tinha uma carga adicional, o deixando ainda mais afiado.
O Símbolo Impulso tinha essa finalidade.
— O que está fazendo? — Eliza perguntou o olhando de lado. Olhos bem abertos, sem dormência ou sono. — Essa arma é daquele Cavaleiro.
— É dele, sim. Estou alterando runas para deixar mais leve. — Por ser grande, a lâmina tinha quase o tamanho de um antebraço. — Vou dar para um amigo meu.
— Não é crime um Baker fazer magia?
— Crime é matar uma pessoa inocente. Se ninguém souber que eu sou um Baker, nunca vão me acusar de nada.
— E por que colocou esse nome ao entrar na corrida?
— Porque é um nome bem comum no continente. Sobrenomes nobres são conhecidos.
Eliza riu de lado, assegurando a bochecha na mão, ainda deitada.
— Desde que eu te conheci, você me deu a impressão que todas as pessoas são menos inteligentes que você. Pensa assim mesmo?
— Inteligência é bem diferente quando se para pra analisar. — Orion guardou as armas na sacola, encarando o fogo. — Se você julgar a habilidade do peixe por ele não subir em uma árvore, ele sempre será burro.
— Se eu for julgar você por conhecer magia, o que seria?
— Eu seria inteligente.
— E não tem um núcleo mágico.
Orion não respondeu.
— Ou achou uma maneira de conjurar magia e não quer falar — completou Eliza. — Qual delas é verdade?
— Green Shay me deu a primeira oportunidade do que era sentir a magia no meu corpo. — Bem calmo, olhou para as suas palmas, calejadas por ter treinado tanto tempo nas Caldeiras. — A vida te dá benção e maldições, você só precisa entender qual é qual.
Quando Eliza não respondeu, Orion a fitou. Havia dormido segurando o próprio rosto.
— Ainda temos tempo. — Se jogou para trás, encarando o céu escuro e com poucas nuvens.