Passos Arcanos - Capítulo 69
Pior do que correr daqueles patifes era ter que fazer isso sabendo que podia ganhar sem nenhum problema. Eliza praguejava toda vez que parava para enfrentar os que corriam atrás dela.
Os Magos reagiam na mesma hora, atirando magia de longo alcance, tirando sua liberdade de golpes. Sua cooperatividade era alta demais e já tinham feito isso várias outras vezes.
Os dois meninos que viu morrer nas primeiras horas da Corrida do Baiacu também tinham caído nessa armadilha. E não duraram minutos.
A formação deles era impecável.
Mas, tinha que tentar.
Parou, pela terceira vez, e puxou as runas para fora, aumentando sua mana a fortificando-as. Sua cor mudou para uma vermelha, e os Corredores pararam na mesma hora.
— Agora querem parar.
Ouviu a voz do Mago recitando a magia. Seria uma de Vento. Tinha um segundo, no máximo.
— Viesk: Listras Vermelhas.
Movimentando os dedos nesse segundo, quinze rastros foram desenhados no ar. Eliza viu o jato de ar vindo em sua direção. Expulsou mana pela palma da mão e se atirou pra trás. Rolou algumas vezes e ergueu a cabeça.
Os Corredores ergueram suas mãos e runas pequenas desviaram as Listras Vermelhas para os lados, cortando o chão e a parede de barro duro. Minha magia não vai conseguir acertar nenhum deles desse jeito.
Concentrar a mana nas runas levava mais tempo quando usava a base da Escola de Velocidade nos pés para correr. As magia ofensivas não surtariam nenhum efeito. Que lástima. Ninguém ali conseguiria derrotá-la num confronto direto.
— Ela se cansou — ouviu um dos Corredores dizer puxando sua espada para frente. — Ataquem.
Eliza recuou mais dois passos e voltou a fazer a correr. No entanto, os seus perseguidores se dividiram, pegando outras rotas. Encurralaram ela em um dos cantos.
— Acabem com ela — o Cavaleiro que usava o machado de guerra disse. — Depois disso, vamos atrás do Baker.
Então, eles queriam os pontos.
— Se querem tanto meus pontos, venham pegar. — Duas runas cresceram em suas costas, duas azuladas. — Hidro: Fruto dos Mares.
A água saiu de seus pés com ferocidade. Ela começou a elevar-se ao redor dela, em quase vinte metros, como uma bolha. E quando bateu uma mão na outra, a outra runa mais densa rachou.
— Hidro: Liberdade dos Peixes.
Aquela camada de água que se elevava ao redor travou e pequenos círculos se originaram em sua superfície. E num estalar de dedos, balas de água foram disparadas.
Os Magos ergueram a mão rapidamente e um escudo de mana deveria se elevar. No entanto, quando expeliram-na para fora, ela não quis se condensar.
As balas acertaram as pernas e peito dos Cavaleiros. Os escudos de ferro foram projetados na frente deles depois de agonizarem por alguns instantes.
— O que estão fazendo? — o Machado de Guerra gritou para os Magos, furioso. — Usem magia.
— E acha que eu fiz o que, seu idiota? — o Mago abria e fechava a mão. — Alguma coisa bloqueou nosso uso.
O segundo também assentiu esse fato.
— Nunca senti minha magia parar de responder. Ela deve ter usado algum objeto mágico.
— Então, usem o de vocês. — Machado de Guerra bufou. Aquela mulher tinha conseguido um feito notável sobrevivendo desse jeito. Mais de cinco anos vivendo com aquele grupo e ninguém passava dos cinco minutos. — Frick, lidere os outros Cavaleiros.
O mais alto, com um cavanhaque, assentiu com silêncio. Num só olhar para os outros quatro ao seu lado, eles puxaram os escudos, prontificaram suas armas para trás, e esperariam.
— Fike: O Pico.
Machado de Guerra começou seu trote pesado. Seus passos tremulavam levemente o solo, e seu machado recuado atrás das costas vibrava o ar com a mana reunida.
Um só movimento e acabaria com ela, um só ataque para fatiar sua pele, carne e ossos.
O escudo foi jogado para o lado. As balas de água acertaram seu corpo com toda força, mas não eram nada.
— Suas magia de baixa categoria não podem me matar — gritou.
A resposta da Maga foi erguer a água como uma barreira, mas a face dela foi de surpresa. Antes de conseguir responder, sua magia já tinha se mexido.
O choque do machado na água foi um tanto estranho. A explosão da água expulsou o Machado de Guerra de volta. E a barreira de água permanecia ativa, ondulando no ar.
— Como ela fez aquilo? — o Mago de Colar Branco ficou boquiaberto. — Usou uma runa para expelir sem estar na runa.
O Colar Preto, ao seu lado, também não sabia responder.
— Ela é perigosa — avisou aos demais. — Matem ela o mais rápido possível.
A própria Eliza não sabia o que tinha feito. Sua barreira de água tinha se movido por conta própria, e a protegeu de um golpe que deveria ser perigoso pela concentração de mana.
As magia de Força sempre eram perigosas em Cavaleiros. E se a expressão do próprio Machado de Guerra era de espanto, nem ele devia saber o que ocorreu na hora.
Os Corredores ainda não se mexeram por causa dos disparos. Eles só podiam se mexer usando uma runa passiva. Uma contraposição para que não ficassem expostos.
Eliza tinha sua chance.
— Hidro: Criatura do Mar.
I
A batalha estava se desenrolando muito bem. Eliza tinha bastante controle da própria mana, e os Magos ficaram ociosos por causa de suas magia sendo suprimidas. O Cavaleiro Grandão teve seu machado expulso e sua mana sugada.
Foi um tanto quanto divertido para Orion alterar um pouco da luta só modificando o uso da mana.
Era evidente o quanto precisavam dela. Tanto Eliza quanto os Rocks.
— Vamos ver o que ela vai fazer agora. — Tinha se sentado no alto, com o queixo na mão e apoiando o cotovelo na própria perna. — Será que vai usar uma magia diferente? Até porque eu conheço todas as magia bases de cada escola, seria bom conhecer outras.
A mana cresceu tão rapidamente ao redor de Eliza que tirou Orion de seus pensamentos. Uma criatura grande e cheia de tentáculos se formou pondo a Maga da Matéria dentro.
Ele era azulado com uma expressão deformada.
— Oh — Orion ficou surpreso. — Ela conhece magia bestiais? Que inusitado.
Os tentáculos brandiam de um lado para o outro. O ar se contorcia ao seu movimento e ele não era impedido pela cumbuca de barro, perfurando e deixando um buraco onde arrastava.
— Vamos terminar isso, Eliza.
Tocou o solo e a mana que tinha absorvido até aquele momento foi liberado de uma só vez. Ela desceu o terreno e acertou a cumbuca. A mana dos Magos que projetava aquela parede começou a ser combatida por uma de fora, e de todos os lados.
Deu pra ver o rosto deles pensativos e temerosos.
— Estão todos se perguntando o que está acontecendo. Olhe que inusitado agora.
A mana que combatia a barreira foi dividida em outras ramificações e perseguiram os Corredores. Eles tentavam pular e sair do ataque do Polvo de Eliza. Mesmo sendo grande e forte, sua velocidade era deficiente.
Porém, ao saltarem para mais longe, tiveram que parar para respirar. Poucos segundos depois, o Polvo levou seus membros para lá. Inclinaram-se para correr, porém, sequer saíram do lugar.
— O que é isso?
Raízes rígidas e chamuscadas enroscavam seus tornozelos, subindo para a panturrilha bem rápido.
Os Corredores todos travaram na mesma posição que pararam.
— Por que pararam? — o Mago de Colar Branco berrou. — Se movam, seus idiotas. Se movam.
— Não dá, porra. — Aquele tinha respondido estava agachado tentando soltar as raízes. Saía com facilidade, mas eram tantas que nem fazia diferença. — Não sai.
O berro se elevou dentro da cumbuca. Os Corredores foram todos afundados na água em um pressão gigante, e depois lançados contra o chão várias e várias vezes.
Os Magos ficaram alarmados. Sem os Corredores, os Cavaleiros seriam os próximos, e depois eles dois.
— Temos que recuar — disseram para o Machado de Guerra. — Temos que sair agora.
— Não — o Cavaleiro gritou em repúdio. — Os Rocks não recuam. Cavaleiros, avançar.
De cima, Orion sorriu lentamente.
— Que péssimo líder. Retornar era a melhor opção, agora, vocês vão ter que enfrentar uma besta muito pior.
A barreira parou de ser combatida. A mana de Orion foi guiada para Eliza. Na mesma hora, ela sentiu a estranha aparição de um poder pelos seus pés, alimentando seu núcleo mágico. O Polvo começou a crescer mais ainda, ultrapassando a cumbuca e quebrando tudo ao seu redor.
Num só arrastão, ela varreu o Machado de Guerra e o enfincou contra a parede. E os tentáculos mexiam em ângulos mais estranhos, rápidos e precisos.
Os Magos recuaram dois passos. Abesta era gigante.
— Voltem, agora — gritou o Colar Branco. — Vamos embora.
Orion levantou-se e pulou na direção da cumbuca. Ele sugou mana do e expeliu pela sola dos pés, chegando dentro da barreira lentamente. Os Magos pararam ao vê-lo.
— Estão indo para algum lugar?
— Trees foi morto? — nem os Cavaleiros pareciam acreditar ao ver o homem sem núcleo mágico presente. — Não, ele não pode ter morrido. Ele não ia perder pra um merdinha igual você.
— É uma pena pensar dessa forma já que tenho uma lembrança boa dele.
As duas adagas em suas mãos, os Magos reconheceram.
— Ele deixou isso comigo antes de ir embora para a outra vida. Não se preocupem com ele, vão encontrá-lo em breve.
Outros dois Cavaleiros não aguentaram a pressão de Eliza e foram afundados no chão, perderam membros. Frick deitava soluçando no Meio de uma poça de sangue, seu próprio sangue.
E o Machado de Guerra nem se mexia da parede de barro. Vendo por todos os ângulos, os Magos não tinham saída.
Viram o rapaz erguer a mão, acenando.
— Adeus.
Ambos foram cavados no chão pelos tentáculos.
Eliza, no entanto, ainda estava no Meio da água, sua expressão séria e olhos arregalados. Sua magia não se desfez. E ela avançava pra sua direção.
— Ei, acabou — disse olhando pra cima, para o rosto do Polvo. — Se vier pra cima de mim, eu vou te destroçar em tantos pedaços que nunca mais vai querer voltar pra superfície.
A aura ao redor de Orion era tão densa que a magia cedeu. Pelas tantas cores ao redor do humano, ele pensou duas vezes em avançar.
— A magia bestial é uma das mais raras que tem, mas você não pode achar que só porque foi invocado tem o direito de roubar o corpo dela? — Orion negou com a cabeça. — Está usando metade da minha mana, idiota.
Orion repuxou a mana emprestada e viu a face furiosa do Polvo se encolher pouco a pouco, no tamanho original que foi ativado. E seu medo ficou mais forte quando viu a mana de Orion sendo aumentada.
— Se fizer isso mais uma vez, já sabe o que vai acontecer. Agora, solte ela.
O Polvo concordou. Aos poucos, a água ao redor de Eliza foi cedendo para o chão. Quando ela foi solta, caiu ajoelhada apoiando-se. Não estava molhada, mas cuspiu muita água.
— O que… aconteceu?
— Só olhar ao redor, você pegou os Rocks de jeito.
— Isso eu sei. — Ela levantou a cara. — O que aconteceu com o Polvo?
— Não lembra? — Orion ficou aliviado. — A magia se desfez depois que você acabou com todos eles. Eu cheguei faz pouco tempo e só vi o final.
Uma carga de preocupação se libertou dos seus ombros.
— Menos mal. — Eliza tentou se levantar, mas suas pernas não aguentaram o peso, e escorregou caindo de peito. — Vou ficar aqui mesmo. Estou… cansada demais.
— Sem problemas. Pode descansar. Vou pegar os pontos deles.
Sem resposta, Orion checou. Eliza tinha caído no sono.
— Uma magia bestial consome muita mana, e ela conseguiu se manter por quase cinco minutos inteiros. — Saindo de perto, Orion deu uma risada. — Todos escondem segredos, só não gostam de admitir isso.