Passos Arcanos - Capítulo 59
No décimo dia, Orion conseguiu chegar na bifurcação do bosque com um segundo riacho. E viu a ponta de madeira larga construída por cima, onde algumas pessoas iam e vinham. Mudou a trajetória de Mallos e seguiu para lá.
Assim que pisou na ponte, alguns olhos recaíram sobre ele, curiosos e lascivos. Orion permutou em frente, sem deixar que abalasse diante dos desconhecidos. Viu um homem e uma mulher usando um largo casaco negro tentando esconder suas roupas de Magos, e alguns mercenários com fios de cobre nos pulsos.
Ali, ninguém pertencia a um grupo.
Do outro lado do rio, viu um senhor se aproximar e fazer uma mensura com a cabeça quase que robotizada.
— É um prazer, senhor. Vejo que tem um belo animal, e acho que não conhece as regras impostas no Vale da Ruína.
Orion desmontou de Mallos, sem pressa.
— Acho que não sei.
— Se veio a primeira vez, tenho que informar que animais de viagem não são permitidos. O motivo é porque eles podem se machucar. — As rugas do velho pareciam ondas se movendo sobre a pele enquanto falava. — Por isso, ofereço minha estalagem para que eles possam passar os dias.
— E quanto isso vai me custar?
— Apenas dez moedas de cobre o dia. É um valor simbólico.
Simbólico ou não, não tenho.
E o velhinho notou sua falta de dinheiro na mesma hora.
— Temos um acordo bem comum entre os visitantes. Deixe o animal e pague depois. Caso não conseguir dinheiro, ele fica como pagamento.
Orion deixou escapar um sorriso.
— Esse cavalo vale bem mais do que dez moedas de cobre.
— Claro que vale. Um Cavalo-Crioulo bem cuidado tem quase o dobro desse preço.
— Sério? — Então por que Danis queria me vender por duas moedas de ouro?— Vou deixar Mallos com o senhor. Não tenho previsão de volta.
O velhinho fez outra mensura de cabeça e pegou as rédeas entregue. O cavalo meneou a cabeça de um lado pro outro, como se despedisse de Orion, que acenou com a mão.
Na lojinha do velho, vendia algumas pequenas pedras brilhantes. E quem as dava o preço era um garoto. Tentava atrair a atenção dos outros, sendo ignorado por todos os caminhantes.
Precisava saber o motivo das pessoas estarem se reunindo em grupos. Ouvia nomes de lugares, como Cidade Deserta e Abismo Azulado. Sendo um novato ali, ninguém iria querer aceitá-lo.
Foi até o rapaz, e pegou uma das pedras da mesinha.
— Isso é uma lapuze — o garoto falou rapidamente, apontando. — Ela brilha no escuro e tem uma imensa capacidade de atrair os vaga-lumes. É boa para ganhar tempo em lugares escuros, senhor.
— E por que ninguém está comprando?
O garoto fez bico na hora.
— É porque… porque eles acham que tudo tem que se resolver com lutas. Eu vendo itens de dentro da Amplidão. Elas ajudam as pessoas. — Seus lábios curvaram para baixo na hora, retraindo as bochechas. — Se for mais um desses que batem em tudo o que vê pela frente, eu não tenho nada para vender pra você.
Orion tinha ido ali justamente para fazer isso.
— Não gosto de bater em coisas que não me batem. Mas, eu sou novo aqui. Eu soube por um amigo que a Amplidão tem segredos ocultos e tesouros diferentes. — Debruçou na mesinha do garoto, fingindo tristeza. — Mas, eu não sei porque as pessoas estão se juntando pra entrar.
— Ah, o senhor não conhece a Corrida dos Baiacus?
O nome já era estranho por si só. Orion o negou.
— Como eu posso te explicar melhor? Pera ai, senhor. — Ele abaixou por dentro da loja e tirou um lápis e papel. Se levantou, o encarando. — Desenhando é mais fácil. Primeiro, os grupos são feitos porque a chance de ganhar é maior, só que a Amplidão foi feito a base de uma magia bem diferente das que são vistas hoje em dia.
O jeito que o garoto falava era igual a quando Orion tinha seus dez anos. Afobado e cheio de anseio para ensinar.
— E como essa magia foi feita?
— Já jogou algum jogo de tabuleiro?
— Claro que já.
— Ela marca o seu nome pelo seu Quadro Arcano. — Parou, de repente, erguendo a sobrancelha. — O senhor tem um, né?
Pacientemente, Orion concordou.
— Certo — o jovem continuou eufórico. — Depois que o seu nome for registrado no Quadro Arcano da Amplidão, o número total de pessoas vai aparecer pra todo mundo. E não ache que aquelas pessoas são as únicas, existem dez entradas e essa sempre é a que tem menos gente.
Orion olhou pra trás. Eram quase cem esperando.
— E o que acontece depois?
— Ai entra a Corrida dos Baiacus. Vocês vão ter que sobreviver pela estrada até o Vale da Ruína, a área protegida e onde fica o comércio local. E você vai ganhando pontos. — Ele tocou o próprio peito, orgulhoso. — Sou apenas um pequeno ajudante, então, não preciso entrar.
— É mesmo? Sinto cheio de medo vindo de você.
— Medo? Sou muito mais forte do que pensa.
Com essa mentalidade, é bem evidente. Nenhuma criança, além de Rob, falava com tanta formalidade e conteúdo. Ele tinha sido criado pra isso.
— Estou brincando. E quanto tempo demora pra chegar ao Vale da Ruína?
— Uns cinco dias, se correr sem parar.
— Cinco? — Orion ficou surpreso. A viagem a cavalo demorou dez dias inteiros, parando algumas vezes. A pé, correndo por cinco dias, duvidava que conseguiria. — E o que tem no meio dessa corrida?
— Você é atacado.
— Atacado?
— É, por animais, criaturas mágicas, insetos e tudo o que tem direito. — Ele deu uma risada. — Como as bestas são criados pela própria magia da Amplidão, elas deixam cair as Peças Governamentais.
Como Saiss tinha dito. Posso trocar por dinheiro depois em um desses centros neutros.
O garoto se inclinou, sussurrando:
— Só tome cuidado, senhor. As pessoas também podem ir pra cima de você.
Orion entendeu bem. Os olhares que caíram em cima dele na ponte não eram somente curiosos. Eles estavam sondando seus adversários. Achando os mais fracos e selecionando os mais fortes para os grupos.
— Eu fico muito agradecido por ter me contado tudo isso, rapaz. Não posso te pagar agora, mas você tem alguma coisa que gostaria da Amplidão?
— Alguma coisa? Não precisa me pagar. As pessoas mais novas sempre são as que se assustam primeiro. Mas, você não tem nenhuma arma com você ai. — Procurou mais um pouco, não achando. — Está escondendo alguma coisa?
— Ah, eu tenho um saco com runa espacial. — Puxando o barbante amarrado na cintura por dentro do casaco, Orion mostrou o saquinho marrom. No meio, um círculo roxo pulsante. — Estou guardando ela aqui.
A criança lhe deu um olhar cauteloso.
— É melhor tirar agora enquanto tem tempo. As criaturas lá dentro até esperam pra lutar, mas as pessoas aqui foram são cruéis. Eles atacam assim que tem tempo.
— Obrigado pelo conselho. Só não me disse o que quer de lá, eu venho te entregar depois.
— Se quer tanto me dar alguma coisa, senhor, existe os Tomates Suculentos. Eles tem propriedades mágicas. Pode matar a fome de um homem por vários dias em uma dentada. — Seus olhos castanhos brilhavam ao dizer. — Pode me trazer se achar por eles?
— Vai ser minha prioridade.
A felicidade da criança lembrava Orion de quando pedia ao pai para ensinar algum tipo de magia passiva. Sua esperança de ter um núcleo mágico quando mais novo sempre lhe deu expectativa de aprender mais e mais.
No final, ouvir um pedido puro acendia o pequeno desejo de pegar os Tomates Suculentos.
— Acho melhor o senhor ir se cadastrar — disse o garoto olhando para os grupos se reunindo. — Está quase na hora da corrida.
— Certo. Antes de eu ir, qual o seu nome mesmo?
— O meu? — Ele deu uma risada envergonhada, coçando a cabeça. — Eu me chamo Kasin Safiro.
— Te chamarei de Garoto dos Tomates de agora em diante, Kasin.
I
Se cadastrar foi fácil e simples. Só precisava usar o seu Quadro Arcano para assimilar a mana com a da Amplidão. E uma mensagem apareceu para Orion.
Parabéns por se cadastrar da Amplidão Governamental, senhor Baker. A primeira etapa, a Corrida dos Baiacus, será iniciada em trinta minutos.
Ajeite seus equipamentos, afie a lâmina e crie coragem, essa é só a primeira parte do inferno.
Tenha um ótimo dia.
Muito inspiradora, Orion achou.
Tinha trita minutos. A melhor oportunidade para esvaziar sua sacola e refinar a runa espacial que Rob tinha pedido a algum Mago para criar. Ele foi até outro canto, sentou-se no chão e tirou a lança de Aço Baixo, sua principal arma.
Deixou-a deitada no chão e pegou o saco, ampliando a runa e refazendo alguns círculos menores. Ampliou o espaço em duas vezes e criou uma ramificação passiva de símbolo ‘Nome’. Jogou a arma de volta no saco.
A runa desapareceu lentamente a medida que os segundos passaram.
— Lança de Aço. — O chamado a fez sair novamente, escapulindo do saco e indo para sua mão. — Bem melhor do que ter que ficar enfiando a mão toda hora.
Uma começão de vozes chamou sua atenção para cima.
O Quadro Arcano apareceu no alto, e Orion viu a quantidade total de pessoas que se aventurariam por lá. Eram mais de quinhentas, e os grupos variavam de 3 a 15 pessoas.
Pra que tanta gente junta?
E viu seu nome sozinho, sem ninguém vinculado a ele. Apenas o Baker foi nomeado.
Se levantou e pegou a lança. Dentro da Amplidão, ele não seria o Professor ou o reservado Orion Baker das Caldeiras. Seria apenas Baker, um Cavaleiro Mágico.
Encaixou a manopla de Milan em seu braço esquerdo e empunhou a lança no direito. Respirou fundo. E ouviu vindo do alto:
— Está iniciada a Corrida dos Baiacus desse mês.