Passos Arcanos - Capítulo 57
Assim que Aroldo entrou na Torre de Eylan, foi recebido por olhos hostis e rosnados humanos que ele jurou ter vindo dos cachorros presos nas correntes. Quase todos os grupos se reuniram, o que era impressionante já que boa parte
Ali, a reunião dos Cavaleiros tinha se iniciado com as notícias recorrentes da semana.
E levou Wallace junto para que começasse a se inteirar nas reuniões que mais eram nomeados como badernas do que reuniões. No entanto, quando sentou-se em cima de uma das mesas, o ambiente não era o mesmo de sempre.
A tensão rodeava as faces encolhidas e perspicazes.
— Eles devem estar todos preocupados com os Krasios — disse baixo para Wallace ao seu lado. — Pelo que Rob disse, metade dos grupos maiores foram comprados. E esses aqui são boa parte pequenos e sem muito uso na cidade.
— Qualquer um ficaria.
— Sabe como é feita as divisões de grupos?
— Ainda não me ensinou, senhor.
Aroldo consentiu e virou-se para ele.
— É fácil lembrar. — Ergueu um dedo. — Fama. — O segundo. — Dinheiro e apoio — o terceiro se uniu aos dois. — Um grupo tem que ter as três junções para ser considerado grande. O problema é que boa parte que tem dinheiro e fama quase nunca tem um patrocinador ou não aceita um.
— E por quê?
— Independência financeira. O ganho por missões e também por contratos na cidade e fora dela são muito amplos, e um patrocinador sempre quer uma parte lucrativa dessas missões. Ou seja, se um grupo de tamanho médio, como os Forjadores da Relma, tomarem hoje um patrono, eles teriam que doar metade da verba diretamente a essa pessoa.
Era um joguete sujo e injusto.
— Ninguém ia querer perder o dinheiro que ralou tanto pra conseguir — respondeu Wallace. — Mas, como os grupos grandes tem apoio e ainda assim tem dinheiro?
— Ai que está a jogada dos grupos. Lança Rubro e Linha Central sempre tiveram apoiadores, mas eles nunca pegaram dinheiro, e sim investiram de volta, criando um círculo financeiro que sempre sobrava.
— Dar para receber, é isso?
A cabeça de Aroldo confirmou.
As conversas se tornaram mais comuns a medida que o tempo foi passando. Wallace viu Russo e também um velho homem conhecido como Paan se apresentar aos demais como um Arche-Mago. Tinha ouvido o nome dele tendo enfrentado Azrael Carnagem ao lado do Professor.
O motivo dele estar ali era justamente prestar homenagem aos Magos que lutaram pela cidade. No entanto, quando o velho se aproximou, ficou um pouco surpreso pela forma humilde que se portava.
A vitória sobre o Elfo Negro lhe rendeu mais elogios do que ao Professor ou Tito.
— Cavaleiro Aroldo — trazia certo encanto ao falar —, é sempre uma honra te encontrar. Depois de tantos anos viajando, achei que se aposentaria e viveria em algum lugar afastado daqui.
Aroldo fechou a cara. Já tinha ouvido bastante daquele comentário antes.
— Gosto de São Burgo, mais do que alguns pensam.
— Ótimo, ótimo. Fico contente que retornou e trouxe consigo tantos jovens habilidosos. Deixou muitas sementes boas irem para os outros grupos, e pegou algumas mais maleáveis pelo que vejo.
Seu sorriso não era sincero, Wallace percebia bem.
— Mais maleáveis do que uma flecha que salvou a sua reputação. — A resposta de Aroldo fez os múrmuros cessarem e o foco se redirecionar. — Suas magias não tiveram efeito nenhum em Carnage. Deve ser um pouco dolorido colocar a culpa na velhice já que dizem que os Magos são como o vinho.
— Claro, sua rivalidade contra os Magos ainda continua acessa até hoje. — Paan abanou a mão, ignorando os comentários. — A morte de seu primo ainda deve arder furiosamente no seu peito. Perdoe se fui insensível quanto a isso.
O rosto de Aroldo tornou-se mais branco, como se empalidecesse num estalar de dedos.
Até aquele instante, Wallace não tinha ouvido falar sobre qualquer parente ou amigo de Aroldo que não tivesse renunciado o Tomo e corresse para um grupo mais forte. Alguns ali, como Mascade e Rinosa, de Linha Central, era uns.
E nem mesmo davam a face para Aroldo. Como se ele nem existisse.
— E esse rapaz, tem um corpo apropriado para servir nas linhas de frente de Archaboom — Paan comentou dando uma olhada. — Posso dizer que tem potencial suficiente para não morrer em um ano. A Torre de Eylan pode muito bem arrumar um acordo e te mandar para lá, se quiser, rapaz.
Fez silêncio de propósito, e sorriu de volta para o Mago.
— Qual o seu nome mesmo, senhor? Eu me esqueci.
— As pessoas me conhecem como Paan, mas você…
— Paan, é um nome diferente. — Wallace o cortou puxando o machado para frente e pondo em cima das pernas. — Eu sou um Cavaleiro do Tomo de Ferro. Sou um Baker e venho das Caldeiras. Sou insultado a vida inteira.
— Com certeza, foi insu…
— Então, senhor, não perca seu tempo tentando.
Alguns homens se aproximaram com as mãos no cabo de suas armas, na cintura.
— Ei, rapaz, sabe com quem está falando? — Russo foi um deles, prestes a sacar sua espada. — Tenha respeito com o diretor da Torre de Eylan.
— Respeito? E vocês, estão respeitando o Tomo? — Ele se levantou. Aroldo o puxou, mas soltou-se facilmente. De pé, ele era maior que Russo, Paan e mais da metade dos presentes. — Saque sua espada, e vou mostrar o motivo de eu ser um Cavaleiro.
Paan deu de costas e caminhou para longe.
— Tão novo e tão imprudente. Como se seu machado pudesse cortar magia.
Com a saída do Mago, os Cavaleiros que quiserem ajudá-lo também se foram. Apenas Russo se manteve parado, fitando Wallace. Depois, para Aroldo.
— Ensine o seu aprendiz o lugar dele.
— Não ouviu o que ele disse? — perguntou Aroldo. — Ele é um Cavaleiro. Se quer ensinar uma lição, vai em frente e tente.
Dando um rosnado de leve, Russo também saiu andando.
— Ensinar macacos a voar é perda de tempo.
I
Quando Orion entrou no Tomo de Ferro, foi recebido por Saiss carregando uma xícara de café. E ouviu o martelar vindo do fundo da casa, com uma risada masculina.
Andou até a ferraria. Lá, Abominável assistia Milan a bater no ferro avermelhado, acabado de ser tirado do forno e dobrado em uma ângulo circular afiado. Ela levou o ferro a água e o vapor tomou conta da sala.
Depois disso, ela enfiou a peça novamente na fornalha, girando o dedo sobre uma runa, aumentando a temperatura para quase dois mil graus.
— Estão tramando alguma coisa diferente? — perguntou da porta.
Os dois pularam de susto ao ouvirem.
— Ah, senhor Orion. — Milan limpou o suor da testa, um pouco envergonhada. — É um pouco raro o senhor estar por aqui. Aconteceu alguma coisa?
— Queria saber se a runa estava funcionando. — Na parede, o círculo roxeado acionava somente com o Ferreiro, e a quantidade de Mana de Milan se ajustava muito bem ao que criou. — E se precisava de alguma ajuda também.
— Não. As armaduras e armas que o senhor Aroldo pediu já foram feitas. Pedi que um dos seus primos levasse para a Sala do Tesouro.
Orion assentiu, mais curioso do projeto oculto de ambos.
— E o que estão forjando? — Ficou mais perto. O rosto do Abominável suou frio. — A cor do ferro parece mais azul do que vermelho ali dentro. E tem um cheiro estranho, parece argila e areia.
— É, como posso dizer? Eu queria testar algumas coisas — disse Abominável. — Uns minérios diferentes. E Milan estava sem fazer nada hoje.
— Certo. — Orion deu a volta e saiu andando. — Bom trabalho para vocês. Depois me digam o que fizeram.
A Ferreira acenou com a mão, aliviada.
— Sim, senhor. Obrigado.
Ele parou na porta.
— Pelo quê? Vocês estão se divertindo. Não é como se fosse errado.
Orion subiu as escadas para o primeiro andar e depois para o segundo, passando por um bando de crianças correndo.
— Não corram nas escadas, jovens.
Os seis pararam antes de descer.
— Desculpe, senhor Orion — e fizeram o lance de escadas em passos lentos. Lá embaixo, voltaram a correr de novo.
Lembrou de como costumava correr nas Caldeiras quando seu pai não o vigiava. Subia até o Monte Ciano, e encontrava Cassiano treinando. Admirava aquele homem como se fosse seu próprio pai, e nunca sentiu tanta vontade de aprender a lutar quando o assistia.
Quase três vezes na semana, ele subia.
Com seis anos, aprendeu a manejar uma espada, e nunca mais se esqueceu.
Se recordava como os outros ficaram assustados por praticar formalmente e aplicar os estilos dos Baker sem dificuldade. Eram os movimentos mais perfeitos, idênticos aos do mestre. E Orion copiou cada um deles, sendo tão jovem que os calos de suas mãos eram quase do tamanho dos próprios dedos.
A divisão do seu tempo entre o Arcanismo Comum e o físico se tornou mais chamativo a medida que o tempo se passou e os novos aprendizes apareceram. Cassiano deixou que Orion treinasse por si só ou com os outros Cavaleiros.
Num belo dia, Wallace queria um desafio. E a surra foi dada com menos de vinte segundos de duração.
Aqueles tempos, Orion lutava só por diversão. Agora, fazia duas semanas que tinha confrontado o chamado Elfo Negro, um dos mais perigosos membros do Clero. E as lembranças vivas em sua mente o ajudavam a menear das probabilidades futuras.
Se o encontrasse novamente, e sabia que iria, uma hora ou outra, faria diferente e teria a cabeça daquele monstro cortada.
Pra isso, usaria o conhecimento das magia ativas ao seu dispor além do poder dado por Maio.
Sentado em seu quarto, pegou o livro de Josef Ancar e traduziu algumas páginas. Não eram nada além de exemplificações sobre afinidade. Queria estudar, porém, o desconforto de São Burgo e dos Krasios chegava a atormentá-lo na concentração.
Eles tinham comprado cerca de cinco grupos de Cavaleiros, como Rob mencionou que fariam. Com tanto apoio, o distrito sul de São Burgo seria dominado à força.
O Professor tinha a fama. Os Magos o respeitavam e os Cavaleiros o temiam. Derrotar o Elfo Negro lhe deu créditos.
Orion Baker, não. Seus feitos poderiam ser contados na mão, apenas ajudando no Esmeralda, enfrentando Garou. Esse que também escapou durante a batalha contra Azrael.
Como alguém pode dizer que ganhei essas lutas se deixei os dois fugirem? A pergunta que tanto lhe pressionava.
Problemas e problemas. Orion meneou a cabeça e se levantou, guardando o livro. Foi em direção a sala, e depois procurou Milan na Ferraria. Não a encontrou em lugar algum. Buscou Saiss na cozinha, e o achou descascando batatas para o jantar.
— Ah, senhorio — aquele homem tinha um aspecto brilhante que sempre deixava Orion confortável. — Como posso ajudá-lo hoje? Já tomou seu café, então, não pode mais.
— Sem café hoje. — Sorriu de volta. — Quero uma opinião sua, na verdade.
A faca parou de raspar e sua ponta enfincou na tábua de madeira. Saiss limpou a mão no avental de pano.
— O que seria?
— Você já foi um Cavaleiro e deve conhecer bem os arredores da cidade.
— Conheço bastante de Hunos, para ser sincero. É um lugar incrível e vasto. — Ele debruçou-se na mesa. — Alguns mais amistosos que outros.
— E sabe me dizer sobre algum lugar mais… difícil de entrar?
A pausa de Orion fez Saiss abrir a boca, compreendendo.
— Sei do que precisa, senhorio. Existe um lugar que é feito para Cavaleiros que querem se tornar Grande Cavaleiros treinarem suas técnicas. É chamado de Amplidão Governante. É protegido por mana, e precisa de acesso para entrar lá.
— E como é esse lugar?
— Muita gente vai pra ganhar experiência, outros para tentar ser contratado. Dizem que o próprio Arche-Mago Paan daqui de São Burgo conseguiu seu título como diretor encontrando o antigo lá. — Saiss voltou a pegar na faca e descascar. — E tem os que vão para ganhar dinheiro.
Essa parte, o cozinheiro parecia não querer falar.
— E como se ganha dinheiro lá?
— Existe algo que eles chamam de ‘Peças Governamentais’, onde as criaturas que moram lá tem dentro de si. São como sementes de feijões, só que o preço de uma delas chega a ser comparado com 3 moedas de ouro. — Encarou-lhe de lado. — Está pensando em ganhar mais dinheiro, senhorio?
Orion negou.
— Faz algum tempo que não treino. Queria um lugar mais reservado. Te agradeço, Saiss. Foi ótimo conversar com você.
Ao se levantar, o cozinheiro fez uma parada brusca e cortou a batata na metade.
— Senhorio, eu queria poder ajudar mais em relação a Amplidão. Lá, existem desafios que uma pessoa comum não conseguiria fazer sozinha. E muitos correm de lá porque dizem existir espíritos malignos.
— Por alguma razão, espíritos não me assustam tanto — confortou Orion ao dizer. — Devo ir daqui alguns dias para essa área. Tem algum mapa que possa me emprestar?
— Tenho. Farei questão de entregar depois da janta.
A expressão moribunda de Saiss deixou Orion um pouco confuso. Rob tinha dito que ele lutou em Archaboom por anos e voltou vivo, e mesmo tendo entrado na guerra, esse lugar o assustava? Sentia que faltava informação dessa Amplidão Governante.
E estava ansioso pra descobrir.