Passos Arcanos - Capítulo 275
— Eles estão vindo. — Antonio estava logo atrás de Felic Forwe. Estava ansioso para quando os Baker entrassem pelo portal. O duelo mostraria o quanto estavam fadados ao fracasso. Ao seu lado, os outros Anciãos também tinham essa mesma euforia.
Lafel voltaria para eles.
— Quando esse tal Orion entrar, eu vou mostrar porque nossa família nunca sucumbiu nas Ilhas Vulcânicas. — Felic socou a própria palma e uma fumaça emergiu. — Meu filho não irá ficar com ninguém mais fraco do que a gente.
Era exatamente essa postura que Antonio queria de seu líder. Quanto mais irritado, mais forte ele ficava. Orion poderia ser o único dentro dos Baker capaz de utilizar magia, mas jamais teria o mesmo nível físico de um Lutador Marcial criado nas ilhas mais quentes do continente.
Mais alguns segundos e o espaço mais a frente oscilou. Uma fenda horizontal de quase vinte metros cresceu e se alargou na vertical. Uma imensa pressão os agarrou com força. As pilastras e paredes tremiam, uma rachadura se esticou pelo chão.
O próprio Antonio ficou quieto. A sensação era diferente de dias atrás. As vestimentas vermelhas, os Baker e Magos com seus rostos cobertos e capuzes. Pareciam prestes a entrar em uma guerra, suas armas sacadas. Apenas Orion Baker parado com suas mãos atrás das costas.
Felic não se alterou. Sua face continuava séria e sua sede para lutar era insuperável. Antonio invejava, mas ele não estava sentindo? A diferença grotesca de presença e poder. Era abissal.
— Mestre Forwe. — Orion passou pela fenda flutuando. Seus pés não tocavam o solo e o cabelo balançava fracamente junto de sua roupa. — Agradeço por me receber.
A presença, então, desapareceu. Antonio ainda olhava para as figuras do outro lado, eram todos fortes, a mana emitida carregava a pressão de Arche-Magos em grande quantidade. Desde quando ele tem um exército?
— Eu te recebi hoje para a luta que você mesmo pediu, moleque. — Felic realmente não o considerava um Mestre de Família. — Lafel é meu filho e eu decido com quem ou onde ele deve estar. Nós vamos resolver agora essa pendência, devolva ele e pode ir sem se preocupar.
Antonio encarou seu líder e ficou preocupado.
— Não era esse o plano.
— Os planos mudam – disse Felic. — Agora, passe o garoto.
Os pés de Orion desceram e tocaram o frio solo do pátio. As rachaduras sumiram. Simplesmente retornaram ao seu estado natural. Antonio reparou com extrema curiosidade. O que tinha acontecido com aquele homem em poucos dias?
— Seu filho foi um dos homens mais corajosos durante os testes da Academia Magnus. — Umas túnicas vermelhas pesadas caíram das costas de Orion e sumiu no meio do caminho. — Ele lutou contra inimigos muito perigosos, mostrou seu caráter pra mim e foi humilde ao dizer que não conhecia o mundo. Vejo que essa educação partiu da mãe, e não do pai. Nunca conheci minha mãe, mas acho que se não fosse pelo meu pai, eu não poderia entender completamente que algumas perdas ou chances foram feitas para nos fazer refletir.
— Está dizendo que eu o criei de forma errada? — Felic não gostou nada e deu seus primeiros passos na direção dele. — O que um moleque saberia sobre criar pessoas? Você não é um homem, não é um líder. Só está fantasiando sobre ser alguém importante. A Ordem dos Magos não fez o dever deles de eliminar sua família quando teve chance. Então, deixe que eu faça isso.
— Vai destruir minha família?
A calma dele era assustadora. Antonio não estava gostando nada daquilo.
— Vou te dar mais uma chance – disse Felic. — Onde está meu filho?
Orion olhou para trás. A paisagem vermelha se abriu junta, e Lafel se mostrou. Caminhou até a borda da fenda, mas não ultrapassou. Ele tinha ferocidade na face, uma que Antonio também não gostou de ter visto.
— Venha logo – disse Felic. — Quando eu acabar com esse Baker, terei que colocar seus irmãos para te educar.
— Ele não vai a lugar algum. — Orion tirou os braços de trás das costas. — Você acabou de dizer que vai acabar comigo. — Ao separar as duas pernas, abriu uma mão e fechou a outra, adentrando uma posição muito conhecida. Era Pedras Soltas. — Eu aceito desprezar a minha pessoa, mas não a minha família.
Felic também entrou em posição. Ele juntou os dois punhos perto do rosto e curvou-se um pouco. Era uma tática defensiva. Antonio ficou ainda mais chocado. Felic Forwe nunca entrava numa luta com defesa. Era a tática pessoal de oprimir o outro até levá-lo a exaustão.
— Sua arrogância…
Orion partiu pra cima sem deixá-lo falar. A velocidade de seu passo, sua conduta até Felic e sua precisão de saltar momentos antes pegou-o desprevenido. Felic ergueu os dois braços e foi pego no centro, jogado para trás.
Sem parar, Orion mexeu e seu avanço pegou Felic de surpresa. Mais cinco socos e golpes variados pelas laterais. O chefe dos Forwe se protegia o quanto conseguia, seus braços grossos seguravam os golpes, mas seus olhos não saíam de Orion.
Antonio entendeu. Ele estava lendo o Baker.
Se conseguisse pegar uma brecha, atacaria com tudo.
Mais dez golpes, mais dez. Felic era bombardeado por socos, chutes e variações. Orion não cansava, seus ataques continham precisão para não deixar Felic contra-atacar. E os Anciãos começaram a torcer, gritando a cada defesa bem-feita.
Eles não estavam vendo o que Antonio via. O desgaste muscular. A canseira de se manter na defesa. O mental de que não existia onde atacar. Ele não poderia usar magia, não poderia ser protegido, nem mesmo fugir.
A cena observada era de um monstro brincando com um animal adestrado.
— Pelo que disse dos Baker – disse Orion. Seu punho se moveu duas vezes mais rápidas, pegando nas costelas de Felic. O líder dos Forwe soltou uma lufada de ar travada e quase caiu ajoelhado. Orion o forçou num giro completo, acertando suas costas com um chute.
Ele caiu de peito no chão, paralisado.
— Olhe pra frente. — Orion abaixou pegando os cabelos de Felic, obrigando a encarar Lafel. — O futuro do Arcanismo Comum pode estar na mão daquele jovem, mas ele nunca seria grande se continuasse nessas suas rédeas. Você não tem nada aqui que prenda ele, nem força, nem conhecimento e nem poder.
Felic colocou as duas mãos no chão e empurrou Orion para trás, conseguindo ficar de pé. Sua mão levava a costela, arfando com dificuldade. O golpe tinha sido pesado o suficiente para machucá-lo.
— Isso é ridículo. — A aura e mana de Felic se libertaram juntas, criando uma onda pesada de ar aos arredores. — Se quer uma luta de verdade, então irá me enfrentar como um Mago. Não é assim que vocês fazem?
A mana não impressionou nada Orion Baker. Ele tinha aquelas linhas indiferentes como se qualquer coisa ao seu redor fosse irrelevante. Uma anomalia, no topo de uma cadeia. Antonio Forwe não entendia mais absolutamente nada do que estava acontecendo.
— Não. É assim que nós fazemos hoje.
A aura de Orion e dos Baker de dentro da fenda se libertaram juntas. O tremor que emergiu balançou quase a ilha inteira onde estavam. A mana ao redor, do próprio Antonio e do ar, das nuvens, do calor, tudo foi puxado para eles.
A mana inteira purificada e convertida em presença, poder e força para eles.
— Está sentindo? — A voz de Orion veio em suas mentes, os forçando a se curvar e cair de joelhos. — Dentro dos limites do poder, existe isso. Se Lafel não pedisse, sua família seria exterminada.
— A Ordem…
— Acha que eu ligo para a Ordem? — Orion pôs as mãos atrás das costas. — Eles, o Clero, Feiticeiros. Desafiar minha família é desafiar a mim, e eu não faço prisioneiros. Estamos cansados dessa maluquice que rege o continente.
A aura aumentou ainda mais. Os segundos passaram-se e Antonio tentava entender como aquele jovem tinha tanta força e mana. O céu foi revolvido numa imensa escuridão, e tudo pareceu ficar tão compacto, tão áspero.
Antonio tinha certeza agora. Orion Baker poderia matar todos ali e não restaria uma testemunha.
— Lafel não vai ser seu – disse Felic forçando a cabeça pra cima. — Meu filho não vai ser marionete de uma família desonrada.
— Você não tem poder para querer nada. Não existe tratos, nem acordos. — Orion deu de costas e começou a voltar. — Agradeça ao seu filho. A vida que levou até hoje foi poupada. Não seja arrogante e aprenda com a derrota. Além disso, lembre-se bem quando for falar da minha família. Não sou piedoso, Mestre Forwe. Se ousar vir atrás de alguém, se pensar nisso, eu mesmo destruo tudo o que já construiu. A Ordem dos Magos ou a Imperatriz Vulcânica não vai te salvar.
Nota: Retornando aos poucos. Espero que a paciência tenha sido testada, a minha foi. Me aventurei em outros diversos assuntos, mas nunca quis deixar minha obra de lado. Retorno para encerrar a história do Cão Imortal, dessa vez, trazendo a todos os grupos que envolvem o Mundo Arcano o verdadeiro significado de uma guerra.
Aos que me esperaram, eu os admiro e respeito. Vocês são a chama do leitor, que adormeceu aos poucos, mas foi reascendida pelo amor a leitura.
‘Sob o meu nome eu vos guio. E sob o meu nome, eu os carregarei a vitória.’