Pacto com a Súcubo - Capítulo 124
— Essa coisa é… forte demais! — disse Tâmara, limpando o sangue da boca. Estava ferida. Sua pele ardia por causa das queimaduras causadas pelo choque elétrico.
— Tem que ter uma fraqueza! — retrucou Jéssica.
Clara estava do outro lado do campo de batalha. Se erguia da cratera no chão. Mal teve tempo de se levantar, e foi atingida pela pata do bakeneko novamente.
A força do ataque fez Clara ser jogada contra uma árvore próxima que, ao ser atingida, explodiu em pedaços, e a súcubo rolou através das pedras e pedaços de galhos.
— Malditos invasores! — urrou a criatura gigante. — Como se atrevem a pisar na propriedade de minha mestra?!
Lírica se levantou.
— Eu vou… — respirava de maneira ofegante — tentar falar com ela.
— Falar com essa coisa? — perguntou Tâmara. — E é possível?
— Talvez… telepaticamente… eu acho…
O bakeneko olhou diretamente para a demi-humana. Reconheceu sua intenção. O ressentimento que guardava explodiu em seu peito. Encheu-se de fúria.
Rugiu e correu em direção a ela. O peso da criatura fazia o chão tremer.
Mas, antes que pudesse alcançá-la, parou. Lírica, de olhos fechados, conseguiu entrar na mente do monstro.
— Não ataquem ou o contato será quebrado! — gritou Lírica. E então:
“Compreende meus pensamentos?”
“Sim” respondeu o bakeneko. Alí, a barreira do idioma não importava, pois não estavam trocando palavras realmente, mas intenções, sentimentos e pensamentos.
— É nossa chance de matar essa coisa! — disse Tâmara, e deu um passo em direção ao monstro.
Mas Jéssica a deteve.
— Só vai quebrar a conexão mental e ela vai atacar de volta. Vamos ver o que a menina-gato consegue. Elas são parecidas, afinal.
Tâmara bufou, mas não discutiu.
— Ainda vou matar essa coisa!
“Quem é sua mestra?”
“Kath. É a mulher mais forte! Incrível! Me deu um lar! Por isso vou proteger a casa dela! Vocês devem morrer!”
“Não! Ela tá te usando como bateria para a barreira, não está? Tá sugando sua magia. Te mantém em correntes. E só te libertou para você nos deter. Para ela, você é uma ferramenta. Não é livre.”
“E o que você sabe sobre liberdade, Pantherina? Não é sua própria raça, uma raça de escravos? Não foram vocês quem escolheram se juntar aos demônios do Inferno em servidão ao invés de lutar ao lado de seus irmãos?”
“Também sou vítima das escolhas de nossos antepassados, Bakeneko. Essa é a primeira vez que sinto o sabor da liberdade. É doce. Aquele garoto que entrou no prédio, ele me deu a liberdade. Você pode ser livre também.”
“Criaturas como nós não nascem para ser livres, Pantherina. Devia saber disso.”
“Nascemos para ser livres sim! Todos deveríamos ser livres! Junte-se a nós! Não lute mais por uma pessoa que te vê apenas como uma ferramenta.”
“Chega! Sua escrava covarde! Seus antepassados abandonaram os meus! Se tivessem ficado, ao invés de nos abandonar, poderíamos ter vencido a guerra contra os Filhos da Terra Vermelha. Você, escrava de demônios; e eu, de humanos. Nossa situação atual é culpa da sua raça!”
Clara, que ainda estava deitada no chão, olhava para céu, enquanto seu peito subia e descia, numa respiração pesada. Achou que seria uma boa ideia deixar as duas gatas conversarem e ver o que sairia dessa conversa.
Mas, enquanto olhava as estrelas distantes, brilhando fracamente através daquela barreira translúcida, levemente opaca, algo chamou sua atenção. Pontos de luz se movendo no céu, como se as estrelas estivessem dançando.
— Droga… eles chegaram. Isso não é bom.
Os soldados da Força de Defesa Mágica Japonesa estavam se aproximando, em suas roupas tecnológicas voadoras.
Então o chão vibrou. E um estrondo ressoou por todo o local. Pedras e escombros tinham sido lançados ao ar. E, junto deles, a demi-humana.
O bakeneko ainda estava com a pata levantada, após o golpe.
— Sai da minha cabeça! — rugiu.
— É agora ou nunca! — disse Tâmara, puxando uma granada de seu bolso.
A bomba explodiu próximo das costelas do monstro, e ele rugiu e gemeu de dor, então Tâmara disparou com seu fuzil.
A criatura saltou, como só um gato poderia, girando nas alturas, evitando os tiros. Caiu com a pata sobre Tâmara.
A garota, presa nas garras, não conseguia respirar. Tentava libertar-se, mas era inútil. Estava completamente imobilizada.
Clara pulou sobre o bakeneko. Segurava uma espada diferente. Não era sua Espada do Pecado costumeira. A lâmina tinha outra natureza. E uma gota de sangue seco descia, em espiral, através do metal gelado.
Se aproveitando da distração da criatura, que lutava com as outras garotas, ela se moveu como o vento até o carro e buscou aquela espada. A Jóia do Arcanjo, que tinha finalmente adquirido, após a morte do general Kezar.
E era essa lâmina que ela usaria contra o monstro. Bakenekos não tinham uma natureza tão diferente dos demônios.
Porém, tinha algo errado. Ao empunhar a espada, sua mão começou a formigar. Era como se a lâmina a rejeitasse.
Mas não importava. Clara a usaria mesmo assim! Segurou firmemente no cabo da espada e pulou sobre o monstro.
A lâmina vibrou e tiniu. Recusava-se a ser manuseada por um demônio. E, assim que atingiu a pelagem espessa do gato gigante, tremeu enlouquecidamente, mas não causou dano. Não machucou o monstro; apenas o irritou.
Clara, em choque, tentou se afastar, mas recebeu um golpe poderoso, que a jogou contra o chão, com força.
— Não! Mical! — berrou Jéssica.
A garotinha estava correndo em direção à criatura, apoiando a bazuca no ombro. Uma aura esverdeada recobria todo seu corpo. Ela saltou, para se equiparar à altura do monstro.
— Deixa meus amigos em paz! — gritou.
O bakeneko tentou golpeá-la com a pata, mas Tâmara, que estava presa debaixo das garras do bicho, segurou-a, agarrando-se nela, e puxou.
Aquela garra gigantesca foi pressionada contra seu peito, e a garota cuspiu sangue, mas não soltou.
E Lírica lançou pensamentos e sensações incompreensíveis para dentro da mente do monstro, confundindo-o, fazendo-o vacilar.
E criaram, juntas, uma abertura para que Mical pudesse atacar.
E o tiro de energia, disparado pela bazuca, explodiu contra o rosto da criatura.
O gato-monstro urrou de dor. O sangue jorrou; empurrado pela energia, verteu formando um arco vermelho e brilhante acima da cabeça.
Mical caiu de pé, no chão.
O monstro moveu sua pata, e jogou Tâmara para longe. Ela rolou sobre o chão, com o ferimento no peito sangrando.
E então a criatura se voltou para Mical.
Mas Jéssica, que corria, feroz, parecendo mais bestial do que a própria criatura, urrando, alcançou-a.
Seu olho e punho, ambos do lado direito, emitiam um brilho cor de areia seca. Ela sentia-se leve feito pluma, como se pudesse voar até às alturas e alcançar os céus.
Saltou e interceptou a pata do monstro ainda no ar, e o puxou para baixo. E segurou-o, impedindo que atingisse sua irmã.
— Mica! — grunhiu. — Se afasta!
— Não! — Sua irmã preparou outro disparo com a bazuca. Atingiu as costelas do bakeneko, que rugiu e se debateu. O chão chegou a tremer.
Clara caiu do céu sobre o dorso da criatura. As duas espadas, uma em cada mão: a Jóia do Arcanjo e aquela feita de pecado e luxúria. Golpeou a pele espessa e cheia de pelos da criatura.
Mas de novo, aquela sensação esquisita arranhou seu cérebro. E então, algo aconteceu.
A Jóia do Arcanjo reagiu à aura de Jéssica. Aquela luz cor de areia envolveu a lâmina, que se aqueceu como se fosse posta no fogo. E ela, como se ganhasse vida, se moveu pelo ar, sozinha, afastando-se da súcubo, e foi em direção à Jéssica.
E a garota, tomada pelo espírito de luta, ergueu sua mão e empunhou a espada.
E, na hora, a parte mais externa do metal se desprendeu da lâmina, como uma casca quebradiça, e caiu como escamas metálicas. A mancha de sangue seco em espiral também desapareceu.
E, nesse momento, a Jóia do Arcanjo parecia diferente. Era dourada e brilhante. E sobre a superfície quente da lâmina, havia símbolos e runas entalhadas. Até o metal tinha uma cor diferente. Era como prata pura.
Clara e Tâmara se arrepiaram. Aquela espada era completamente hostil a elas.
Jéssica saltou e, com um movimento certeiro, afundou a lâmina no peito da criatura e a moveu, abrindo um corte, uma fenda, que ia do pescoço até a lateral do dorso.
A criatura urrou, e se moveu enlouquecidamente, atacando a esmo para todos os lados. Arrebentando o chão, as árvores próximas. Sangue jorrava de seu ferimento.
Soldados em roupas voadoras disparavam rajadas de energia em direção à barreira, tentando destruí-la.
E uma explosão arrebentou as paredes do penúltimo andar do prédio, e choveu escombros em chamas e cinzas, e gotículas de sangue.