Os Contos de Anima - Capítulo 98
— Espera, o que!? — Lucet exclamou, observando a criatura agora diante de si — Draco! Droga! Porque fez isso!?
— Ora, mas que curioso! — Elysia subitamente liberou uma risada, um sorriso discreto em seu rosto — Um pequeno lagarto alado surgiu do braço do garoto, que interessante! — ela comentou, aproximando-se do jovem para observar melhor a criatura.
— O que é isso, Lucet? — Luna comentou ao se aproximar com a mãe — Não sabia que você era um invocador.
Ainda que um tanto perdido com a reviravolta, Lucet não conseguia ignorar o chamado da princesa, prontamente respondendo, ainda que não tirasse os olhos do pequeno.
— Não sou… — ele disse, chacoalhando a cabeça — É uma longa história.
— Você vai ter de me contar isso depois! — a alfae demandou.
O garoto apenas acenou a cabeça, concordando com a ordem.
— Não pode ser… — Lucis suspirou pesadamente, os dedos alcançando as têmporas em frustração — Um dos itens medicinais mais preciosos de toda Anima consumido por… O que exatamente é isso Guardiã? Não lembro de ter lido um relatório sobre este animal.
— Como meu filho disse, essa é uma história bem complexa — Kaella começou a explicar — Uma que, por motivos de segurança não posso revelar, ao menos não agora, espero que compreenda, vossa majestade — Ela pediu em tom solene.
Era raro que a alfae solicitasse qualquer coisa, usualmente fazendo as coisas como bem entendesse, mas, devido a sua lealdade a coroa, não poderia manter o segredo caso ordenada, por isso, teve de pedir a compreensão do rei.
Um tanto surpreso, Lucis apenas acenou a cabeça em silêncio. Mesmo que pudesse utilizar sua autoridade para demandar a verdade, sabia que não era de bom tom fazê-lo, especialmente com a presença de Elysia que, no instante em que ele ponderou fazer uso da mesma para extrair a informação, o lançou um olhar feroz, um que ele sabia muito bem que não podia contrariar.
Lucet tentou agarrar a criatura, mas, antes que ele pudesse reagir, o mesmo prontamente escalou seu braço e, posicionando-se sobre a marca no braço do garoto, desapareceu em um flash de luz.
— EI! — o corvo exclamou, sacudindo seu braço — Sai já dai! Me devolve o elixir seu ladrãozinho!
O garoto, entretanto, não obteve qualquer resposta, ao invés disso conseguindo um resoluto “Não” que ecoou em sua mente com surpreendente ferocidade. Sentindo as emoções da fera através de sua conexão, Lucet pode detectar que o ato não era aleatório, mas sim necessário.
Delas, pode identificar o ânimo de Draco, sabendo que seu feito fora baseado em instinto, um forte desejo de alimentar-se sobrepujando suas ações. E então, as coisas finalmente fizeram sentido em sua mente.
Lembrando-se das palavras de Dracul e Maximillian, o meio-sangue identificou a razão por trás do furto de Draco. Para que pudesse crescer, o pequeno necessitava de quantias colossais de nutrientes e energias. Devido a sua aparição prévia, Lucet achou que o pequeno estivesse adormecido e passivamente se alimentando de seu próprio poder, contudo, diante de algo tão intensamente repleto de energia, a criaturinha não evitar em surgir e obter o item para si.
Se apenas a aura do elixir era capaz de fortalecer qualquer um dos presentes, era mais do que óbvio que seus efeitos seriam extremamente benéficos para o desenvolvimento do descendente da grande fera escarlate companheira do líder de Elysium.
A sensação de peso retornara ao seu braço no mesmo ritmo que a marca brilhara, antes de reduzir sua luz e tornar-se aparentemente inativa. A aura iridescente do elixir por fim se dispersou após alguns momentos, boa parte de si devorada pelo poder flamejante do garoto.
Estranhamente, o meio-sangue começara a sentir algo novo, uma sensação de crescente familiaridade com o pequeno, uma conexão ainda mais forte se estabelecendo entre os dois, algo que ele não poderia explorar apropriadamente até que Draco resolvesse despertar uma vez mais.
— Droga… — Lucet suspirou, a palma de sua mão em sua testa — Isso era pra ter sido meu — ele então ponderou as possibilidades que o crescimento da criatura trariam, e logo se acalmou — Bem, já está feito, não dá pra mudar isso agora.
Abaixando o braço, o garoto se apoiou sobre a palma e desfez a postura meditativa, se erguendo antes de olhar para Kaella com um sorriso amargo.
— Que posso dizer? Ele precisa comer também — comentou, soltando um riso autodepreciativo — Ia ser útil para qualquer um aqui, mas, acho que é o melhor caminho para ele crescer mais rápido.
Lucis, que prestava atenção nos movimentos do garoto, sorriu. Saber que o elixir traria força a algo que pertencia a um aliado talvez não fosse parte de seus planos originai, contudo, isso acabava caindo dentro de seus intuitos, portanto, prosseguiu.
— Bem, sigam seu caminho então — disse o monarca abanando as mãos, expulsando-os — Vocês tem muito o que fazer.
Lucet então se ergueu, usando sua mana recuperada para secar e limpar seu corpo do suor antes de se virar para Kaella. Ele então deu um passo a frente, abraçando-a pela cintura, apoiando seu rosto no ombro da mulher o melhor que podia considerando sua distinta diferença de altura.
— Obrigado mãe — ele disse em um sussurro.
— Ora, criança, não sou eu quem deve agradecer, não fui eu que provi as poções ou o elixir — comentou, chacoalhando a cabeça gentilmente.
— Não estou falando disso… — ele retrucou — Obrigado, por tudo.
A mulher não disse mais nada, optando por afagar e bagunçar um pouco o cabelo do filho antes de o observar por alguns momentos. Ele já estava quase da sua altura, pensou, muita coisa havia mudado desde que o conhecera naquela sala de aula quase oito anos atrás.
O que antes fora um garotinho impressionado por alguns truques e ferramentas mágicas, agora era um guerreiro formidável que não estava tão longe de seu próprio poder. Estimava que não demoraria muito tempo para que ele eventualmente a alcance em capacidade combativa e, com o eventual advento da prótese mecânica, possivelmente até a superasse. Suspirando, a mulher sussurrou.
— Como você cresceu…
No mesmo tom, o garoto respondeu carinhosamente.
— E mesmo assim não estou nem perto de alcançar você.
Ambos trocaram risos, muitas memórias inundando seus pensamentos enquanto reviviam os tempos passados. Kaella sabia do poder e potencial do garoto, mas, preferia manter sua humildade ao invés de alimentar sua arrogância, por isso, optou por não comentar sobre esse assunto, além do que, tinha certeza que ele era capaz de identificar suas próprias capacidades.
O abraço se desfez e então, o garoto se virou para a família real. Ao olhar para Elysia, Lucet não pode se conter ao pausar por um instante diante da formidável presença da mulher. Sua beleza era incontestável, mas, o poder que parecia conter dentro de si que realmente o pressionava. Para ela, o corvo acenou com a cabeça, curvando levemente suas costas em reverência.
Quando seus olhos se encontraram com os do monarca, Lucet demonstrou toda a irreverência e determinação que podia neles, se recusando a se curvar um centímetro que fosse mesmo sabendo do poder do rei, ainda mais agora que todas as suas energias estavam restauradas. Ao invés disso, o garoto optou por dizer.
— Não irei desapontar, agradeço pelos suprimentos.
O monarca apenas sorriu, sua mente calculando planos enquanto se afastava, sentando sob o trono antes de convocar algumas telas translucidas em frente a si e começar a introduzir comandos e ordens.
Em seguida, Lucet se virou para a princesa, esta aguardando com certa ansiedade o próximo passo do garoto. Após chegar o estado de sua roupa, o jovem resolveu se trocar, entretanto, para não incomodar ninguém, ergueu um manto de sombras ao redor de si antes de tirar a camisa e blusa danificadas, trocando-as por novas, acompanhadas por seu manto encantando e, quando pronto, desfez a barreira que ofuscava a visão dos demais. Ele caminhou até ela e, então, apontando com o dedão para a porta.
— Vamos?
A garota acenou, um pequeno sorriso surgindo em suas feições antes de se virar, pronta para os desafios que os aguardavam, andando a frente do rapaz com confiança, fazendo-o acelerar o passo para sair dali e ir frente.
A rainha, bem como a guardiã, que permaneceram na sala do trono logo direcionaram seus olhos uma a outra, travando uma batalha mental ao dizerem.
— Sabe que não aceitaremos nada menos que ele assumindo o sobrenome da realeza, correto? — comentou Elysia.
— E o que, minha velha amiga, te faz pensar que ele não será poderoso o suficiente para construir um reino próprio e criar seu legado? — retrucou Kaella.
A mulher chacoalhou a cabeça com um riso suave.
— Ele pode ter um potencial formidável — ela comentou, admitindo — E até mesmo pode alcançar um poder igual ao seu, ou até mesmo de meu marido e o antigo rei, mas, um indivíduo não pode criar um reino apenas com a sua própria força.
Indiferente ao comentário, a guardiã respondeu.
— Talvez isso seja verdade para o resto do mundo — ela então se virou na direção da porta onde ainda pode enxergar pela fresta que estava prestes a desaparecer, as costas de seu filho — Mas, quando olho para ele, não tenho qualquer dúvida de sua capacidade para tal — Ela então voltou a olhar para a rainha, seu olhar determinado e brilhando feito fogo — E neste caso, ela terá de assumir o sobrenome da nova linhagem.