Os Contos de Anima - Capítulo 71
A pequena criatura diante de si era pouco maior que sua mão. Seguindo a opinião do líder e seu parceiro, esta nova vida ainda se tornaria imensamente poderosa no futuro, superada apenas pelo próprio Dracul.
— Realmente… — Lucet murmurou — Um aliado poderoso… — Afirmou enquanto ponderava, virando-se para Maximillian enquanto a criatura mais uma vez se apoiava em seu braço, seus diminutos olhos heterocromáticos observando os arredores com grande atenção — Mas isto é coisa para o futuro distante, não é? Não há como este pequenino lutar ao meu lado tão cedo.
Porém, para a surpresa do garoto, a voz de Dracul logo ecoou.
— Não estaria tão certo disso se fosse você, criança corvo — a grande fera escarlate afirmou em um rosnado — A velocidade de crescimento dela não vai depender de idade, mas sim de recursos.
— Como assim? Do que ele está falando diretor? — Lucet questionou.
— Diferente das raças de Anima — Maximillian respondeu — As raças extradimensionais não são restritas pelas mesmas leis que aqui são aplicadas.
Um brilho esverdeado surgiu na ponta dos dedos emaciados do homem, acompanhado de várias partículas ao seu redor. Em segundos, as mesmas começaram a se fundir com o brilho central, condensando antes de formarem um cristal esférico. Com um simples gesto de seu dedo, a esfera disparou na direção da criaturinha.
— Se lhe der de comer alimentos particularmente repletos de mana — ele continuou sua explicação — Ele crescera mais rápido que qualquer criatura natural de Anima seria capaz de crescer devido a sua linhagem extraordinária.
Lucet se moveu, pensando em receber a esfera e proteger o pequenino que certamente não conseguiria se mover tão rápido meros minutos depois de ter nascido, entretanto, ele o surpreendeu, abrindo suas asas e tomando um impulso poderoso em direção a esfera, a agarrando com a boca que mal conseguia conter o cristal. No instante seguinte um som de estilhaço emanou da criaturinha, suas presas destruindo o cristal.
— Ei! — O garoto exclamou — Cuidado! Vai se cortar assim!
Entretanto, suas preocupações foram desnecessárias. No segundo subsequente, os fragmentos do cristal se tornaram um liquido que foi prontamente engolido pelo pequeno apenas para, um momento depois, seu abdômen inchar levemente, reluzir e então diminuir. Em seguida, a criatura soltou o equivalente ao arroto muito semelhante a um miado, faíscas saltando para fora de sua boca.
— Viu só? — Dracul riu subitamente — Não há com que se preocupar. Tal como eu, este pequenino consegue digerir quase tudo e, quanto mais ele o fizer, mais rápido será seu crescimento. Caso esteja sem recursos no momento, pode até mesmo alimentá-lo com sua própria mana ou aura, isto trará algumas vantagens, mas saiba, se o fizer, tem de se preparar pois só paramos de nos alimentar quando completamente satisfeito.
Um suspiro emanou do velho homem de longa barba branca.
— Nem me lembre disso, velho amigo — Maximillian comentou, cansado — O tanto que tive de gastar com sua alimentação foi simplesmente ridículo.
— Ora meu companheiro — A grande fera retrucou — Não é como se não tivesse recebido benefícios destes monumentais investimentos.
— Certamente fiquei mais poderoso e, unidos, conseguimos construir este espaço — Maximillian admitiu com um aceno da cabeça — Mas ainda assim, com sua taxa de consumo diária antes de atingir sua forma perfeita, é simplesmente um milagre eu ter angariado os recursos para construir Elysium.
Diferente do que esperava, a criatura, após alimentar-se, não pediu por mais, apenas ficou observando os arredores e estudando o garoto, eventualmente subindo em sua cabeça. De primeiro momento Lucet tentou ignorar o ato, porém, a criaturinha logo começou a morder e puxar seu cabelo, elicitando alguns ais e grunhidos doloridos. um tanto confuso e irritado com esse comportamento, questionou.
— O que é que ele está fazendo? Ai!
— Observando e obviamente, esperando. — Dracul respondeu.
— Esperando o que?
— Você escolher um nome para ele? — A grande fera respondeu de uma maneira que praticamente gritava “Mas isso não é óbvio?”.
— Eu!? Mas você não é o pai?
— Não é um costume dos humanos dizer que “pai é quem cria”? — Dracul retrucou em meio a risadas — Você irá criar, você escolhe.
— Mas…
— Lucet, escolha logo. — Kaella interviu, sua voz soando inesperadamente séria.
O garoto se virou para a mãe, pronto para argumentar de ao menos uma dúzia de maneiras como esta escolha definitivamente não deveria ser dele. A resistência a essa situação parental ainda era muito alta para ele, especialmente considerando suas próprias origens, contudo, quando se virou para a Alfae, dificilmente teve forças para lutar contra os olhos afiados da mulher que parecia prometer uma surra se não tomasse a decisão.
— Ugh… Okay… — ele suspirou, admitindo a derrota.
Ele então pegou a criatura mais uma vez pelo tronco, trazendo-a em frente aos seus olhos. Ela se mexia feito uma serpente, ágil e flexível, porém, era descendente da grande fera e carregava seu imenso potencial, dar-lhe um nome seria uma tarefa um tanto complexa. Precisava ser algo novo, porém digno de seu legado, sem copiar a origem.
O garoto por vários momentos ficou em silêncio. As vezes abria a boca, mas logo voltava a chacoalhar a cabeça, rejeitando a ideia mais recente. Passaram-se vários minutos, Lucet inclusive chegou a se sentar no chão enquanto ponderava, a criatura o acompanhando ao deitar em sua cabeça e fechar os olhos, como se também estivesse ponderando a questão, ou mais provavelmente dormindo.
— Se Dracul é o nome do antecessor… — Lucet murmurou, atraindo a atenção afiada dos sentidos dos presentes, a pequena criatura em sua cabeça abrindo os olhos e se movendo mais próximo a sua testa para escutar melhor — Esta vida deverá se chamar…
Lucet então estendeu o braço para a criatura em um gesto que, por alguma razão que nem ele mesmo entendia, sabia que ela iria entender o intuito.
A pequena fera saltou de sua cabeça, batendo as asas antes de aterrissar em seu ombro, caminhando a movimentos lentos em direção a sua mão. Ao chegar lá, sentou exatamente em cima do símbolo que indicava seu crescimento e poder e observou o garoto, todos os seus pequenos três olhos reluzindo com obvia antecipação.
Lucet sorriu levemente ao avistar os gestos da criatura. “Ele é bem inteligente…” pensou enquanto admirava a fera diminuta “Não será menor, apenas diferente…” ele continuou e então abriu a boca.
— Draco — Por fim disse, olhando atentamente para o pequeno diante de si, analisando cada um de seus movimentos — Seu nome será Draco. Nem menos ou mais que Dracul, mas algo totalmente único e digno de sua linhagem.
O trio de olhos da criatura piscou algumas vezes, aparentemente contemplando as palavras do garoto. Felizmente, nenhuma rejeição adentrou a expressão do pequeno que logo abriu sua boca, mostrando suas presas com grande orgulho e soltando um grunhido acompanhando de algumas faíscas. Em seguida, a pequena fera saltou com força, batendo suas asas algumas vezes antes de mais uma vez aterrissar na cabeça do garoto onde prontamente executou alguns puxões em seu cabelo, mas com a distinta emoção de afeto em fazê-los.
Sentiu um breve aquecer em seu corpo, algo que o deixou confortável e trouxe um sorriso imparável ao seu rosto. Era capaz de captar as emoções do pequeno ainda que não tivesse nem a mais mínima idéia de como exatamente fazia isso. Independente do como, ele tinha certeza de que conseguia entender os sentimentos do pequeno, algo que o deixou bastante contente ao entender que Draco apreciara sua escolha e também gostara de si.
— Pelo jeito a criança gostou do nome — Comentou Kaella ao observar as reações do pequenino que agora descansava de olhos fechados sobre a cabeça do filho — Belo trabalho Lucet, fez uma boa escolha.
— Realmente uma boa escolha — A voz de Dracul logo ecoou, trovejante, porém se causar qualquer grande alarme como outrora — Draco, nem menor ou maior, mas digno de toda maneira… Excelente escolha pequeno corvo.
— Parabéns Lucet — Maximillian então o congratulou com um aceno da cabeça em algumas leves palmas — Vejo que conseguiu cumprir com êxito a exigência extraordinária de nomenclatura de sua mãe.
Por uns instantes, ambos mãe e filho olharam para o velho homem barbado de vestes brancas, confusos sobre o significado. Porém, não demorou até que suas memórias fisgassem uma icônica exigência da Alfae, Lucet até mesmo conseguia ouvir a voz da mãe lhe informar sobre sua desavença com a nomeação de um certo tubérculo.
“Sinceramente, décadas de pesquisa para desenvolver o método para enriquecer os nutrientes dos alimentos, aí eles vão lá e chamam de “Super””
Ela comentara desanimada.
“Se algum dia você criar qualquer coisa e chamar “Super” ou “Mega”, ou também de “Supremo”, “Absoluto”, “Invencível” ou “Turbo”, eu não te chamo mais de discípulo e vou apagar suas memórias para que o conhecimento que te passei seja excluído. Discípulo meu não vai dar nome ridículo a nada, se não souber nomear, me pergunte que eu ficarei feliz em ajudar.”
Se entreolhando em sincronia, ambos compartilharam uma rara gargalhada que lhes fez doer o abdômen. Contagiados pelo clima da situação, até mesmo Maximillian, Dracul e o pequeno Draco logo começaram a rir, o último soando mais como uma galinha sendo sufocada. Os risos seguiram por alguns momentos mais, até que finalmente se aquietaram e Lucet disse.
— Não é a primeira vez que recebo seu auxílio Líder, por tal, agradeço mais uma vez — O garoto afirmou, se curvando, movimento qual o pequeno Draco imitou ao abaixar seu pescoço enquanto tentava se equilibrar — Tenho certeza que Draco será um grande aliado.
— Agradecimentos são desnecessários criança — Dracul respondeu — O que recebeu de nós, conquistou com seu próprio mérito, não há o que agradecer.
— Exatamente Lucet — Maximillian logo emendou — Foram suas conquistas, seus esforços, portanto, não agradeça.
— Mas… — Lucet tentou dizer.
— Mas nada — Maximillian respondeu com um sorriso e um abano da mão — Não vemos necessidade de agradecimento.
— Porém… — Dracul comentou — Se realmente deseja mostrar gratidão… Há algo que pode fazer.
— E o que é? — Lucet respondeu instantaneamente.
— Cuide bem da criança, torne-se seu irmão em combate e em família — Dracul continuou — Se assim o fizer, seremos nós que estaremos gratos ao ver o verdadeiro apreço que irá demonstrar.
Kaella observou Maximillian por alguns instantes e então virou para Lucet. Se aproximou do garoto e o ajudou a se levantar antes de dizer.
— Se despeça, iremos retornar em breve.
— Que? — Lucet questionou, confuso — Do que está falando mãe? Porque temos de retornar?
Ela simplesmente apontou para Maximillian. O homem parecia um tanto mais pálido do que quando entraram, sua expressão emanando um tremendo cansaço. Com um sorriso miserável, o velho suspirou.
— Não há quem escape dos seus olhos, não é Kaella? — Ele deu um breve riso que elicitou uma tossida um tanto violenta do homem.
— Meu trabalho é saber, líder. — Ela respondeu, suspirando.
— O que está acontecendo mãe? — O garoto questionou, logo se virando para Maximillian — O senhor está bem?
— Apenas um pouco de cansaço garoto — ele respondeu após terminar de tossir — Trazê-los e, especialmente, mantê-los aqui custa um bocado de energia quando a dimensão está constantemente tentando me destruir, mas não se preocupe, irei ficar bem com algum descanso, contudo, temo que seja hora de vocês partirem.
Lucet tentou questionar mais, sentindo que a situação obviamente não era tão simples quanto descrito, porém, Kaella o calou com um olhar severo, aproximando um dedo de seus lábios antes de dizer.
— Temos de ir, ainda há muito que ambos precisamos fazer.
Cabisbaixo, aceitou com um leve aceno da cabeça, sabendo que não haveria argumentação suficiente no mundo para sanar suas dúvidas ou vontades.
— Okay… Vamos embora… — ele disse um tanto desanimado — Até mais Líder, até uma outra hora Dracul.
— Nos veremos em outra oportunidade garoto, não se preocupe — Respondeu a grande fera.
— Quando menos esperar, estaremos lá com vocês, lutando ao seu lado — Maximillian afirmou com uma inesperada seriedade em sua voz.
Lucet, obviamente confuso, apenas acenou com a cabeça enquanto Kaella devolveu uma expressão igualmente séria para o velho.
— Boa viagem, que os bons ventos guiem seus caminhos.
Maximillian acenou com usa mão repleta de luz verde e, em um forte reluzir esmeralda, o par desapareceu, retornando para o quarto de onde vieram. Instantes depois, o velho colapsou sentado, arfando e tossindo largas gotas vermelho que mancharam suas vestes brancas.
— Precisa descansar velho amigo — Dracul afirmou com seriedade — Não pode se forçar dessa maneira enquanto tenta nos defender da dimensão, tem que guardar cada energia que puder.
— Eu sei — Maximillian sorriu, ensanguentado — Mas foi necessário.
Os companheiros quedaram em silêncio, o final de suas histórias sendo postergado para outro momento mais digno.