Os Contos de Anima - Capítulo 68
Por alguns momentos, Lucet duvidou do que via. Seria este um novo poder vindo de Dracul? Um presente inesperado que aumentaria seus recursos? Talvez com isso tivesse mais facilidade em sua jornada contra Puritas, porém, ao mesmo tempo, era um grande perigo.
Da última vez que interagira com um item deste calibre, tinha o auxílio e guia diretos de Maximillian, o que obviamente ajudou muito no processo de assimilação da habilidade, e mesmo com isso, ainda estava em risco de ter seu corpo destruído caso perdesse o controle e concentração necessárias.
Contudo, a sensação que tivera antes pulara para a superfície de sua mente, o relembrando de que o homem ainda vivia, mesmo que não pudesse o encontrar logo de cara, então, ainda havia esperança de despertar essa possível nova habilidade. Lucet aproximou um dedo, curioso sobre o item que lhe era tão familiar e ainda assim distinto demais para dizer que era a mesma coisa.
— Argh! Droga! — Lucet subitamente exclamou, retraindo o dedo antes de envolve-lo rapidamente com a aura branco dourada para acelerar sua recuperação que, instantes depois, restaurara a ferida.
— Humano? — Forscher perguntou, um tanto preocupado com o gesto inesperado do garoto — Você está bem?
— Sim, estou — Lucet respondeu, virando para o Gnoma — Não se preocupe, só me cortei em uma das pontas dessa coisa — O garoto afirmou, apontando para uma das escamas que continha um pouco de seu sangue sobre si — Não pensei que seria tão afiada.
De repente, Lucet sentiu uma distinta vibração em na mão que segurava a caixa, quase como se ela tivesse pulsado por um momento. Ele virou os olhos para objeto, entretanto, ao fazê-lo, não encontrou nada de diferente, a caixa ainda estava ali e o que ela protegia permanecia idêntico, ou ao menos, era isso que ele pensava de início.
Quando aproximou os olhos para estudar o conteúdo da caixa, percebeu que as gotas de sangue que estava sobre a coisa haviam desaparecido. Além disso, o objeto agora parecia estar quase que imperceptivelmente maior e, para a surpresa do garoto, emanando uma curiosa sensação de familiaridade, como se fossem uma família distante se reencontrando depois de muito tempo.
— Estranho… — Lucet murmurou.
— Algo errado humano?
Lucet ponderou por alguns instantes, deliberando antes de responder. Ele fechou a caixa e então se virou para o Gnoma.
— Não é nada, deve ser só minha imaginação — Ele concluiu, estendendo sua mão para o Gnoma — De toda forma, lhe agradeço, este presente significa um pouco mais para mim do que possa imaginar — Afirmou, um tom nostálgico laceando sua voz.
— Parece que meu velho amigo afetou muitas vidas antes de sair dos olhos do público — O gnoma deu um breve riso, chacoalhando a mão do garoto — Que seu caminho cruze as melhores rochas.
Lucet deu um breve riso e acenou com a cabeça, agradecendo. A fala do Gnoma era um costume da raça que Iogi o havia ensinado. “Bons desejos para bons amigos” o mestre descrevera ao explicar.
O garoto então se virou, dando um aceno com a mão para o resto dos presentes antes de sair dali e voltar para a taverna de Gasthaus. Ao chegar, pediu algumas bebidas características dali e também algum alimento que desejava levar para Kaella como lembrança da viagem. Ele até tentou colocar a caixa dentro da jóia dimensional de seu cinto, porém, se viu impedido de fazê-lo por alguma razão. Estava um tanto cansado dos eventos e queria logo voltar para Alta Lustra, portanto, resolveu explorar a questão quando estivesse mais descansado.
Gasthaus, contente como estava pelas reformas de seu estabelecimento que acabaram sendo ainda mais caras do que o garoto previa, e totalmente custeadas pelo mesmo, deu-lhe a bebida e o alimento como cortesia para agradecer os gastos extras que ele concordou arcar.
Alguns minutos depois, ele adentrou o estoque e desceu a passagem em direção ao ramo do ninho que existia ali. Depois de mais um tempo, ele chegou ao Ninho e, após uma conversa breve com a recepcionista onde reportou o sucesso da missão, já escolhendo realizar sua próxima missão em Alta Lustra.
Então, prosseguiu a ir realizar a transferência para o quartel general do Ninho e, de lá, realizar o passo do corvo para voltar ao seu quarto no castelo de Alta Lustra. A viagem foi breve e um tanto desconfortável considerando seu cansaço, mas, no instante em que saltou para fora das sombras, nada disso importou pois lá encontrou Kaella lhe esperando, quase como se tive previsto sua chegada.
Ele baixou o capuz e removeu a máscara que estava usando antes de desabar no chão, um largo sorriso em seu rosto. A mulher o observou, diversos feitiços e técnicas analisando o corpo do filho e, após alguns momentos, um belo e suave sorriso decorou seu rosto, seus olhos carmesins quase reluzindo com a satisfação de vê-lo novamente.
— Voltei mãe — Lucet disse, suspirando.
— Seja bem vindo de volta — Kaella respondeu, se erguendo de sua cadeira atrás da mesa que estava próxima a cama do garoto — Uma semana vivendo sozinho, sem qualquer interferência de seus conhecidos, me conte, como foi?
— Diferente — ele admitiu antes de deixar seu corpo cair no chão por completo, ficando deitado enquanto olhava para o teto — Se bem que não tive exatamente a melhor experiência, a missão me fez ficar uma semana em preparo para captura e análise de uma fera aparentemente bem rara.
Neste momento, Kaella retirou das pilhas de documentos uma particularmente grossa e então disse enquanto folheava.
— Fiquei sabendo — ela disse, colocando um de seus dedos sobre uma informação descrita nas folhas brancas — Pelo que me foi informado em seu relatório, capturou com vida e realizou um estudo exemplar em um Meteorhino, correto?
— Espera, você já sabe? — Sua voz soando um tanto desapontada.
— Mas é claro que sei — A Alfae respondeu com um breve e gentil riso — Eu o introduzi e indiquei ao ninho, sou sua mestra e além disso, bem sabes que possuo o rank de obsidiana, portanto, tenho acesso garantido a todas as suas atividades.
— Contudo — Lucet tentou argumentar — Não partilhei o relatório com o Ninho, apenas o cliente tinha conhecimento dele.
— Exato — ela acenou com a cabeça — Contudo, por ter solicitado um serviço do Ninho, seu cliente ainda tinha, como cláusula de contrato, o dever de partilhar suas descobertas de pesquisa dependendo da prioridade da mesma e, como se tratava de algo que seria útil para o público e não um segredo de estado, ele teve de enviar uma cópia ao Ninho, mesmo que com alguma relutância.
— Relutância? — Lucet questionou, curioso.
— Sim — Kaella Afirmou — de acordo com o relato que recebi da recepcionista, ele disse “Um trabalho de qualidade tamanha que não deveria ser distribuído assim com tanta facilidade, maldita cláusula de contrato, se eu o conhecesse pessoalmente antes, teria oferecido o trabalho diretamente”.
Lucet sentiu um breve calor subir ao seu rosto enquanto um traço de orgulho surgiu em sua feição. Fora uma missão trabalhosa, mas estava feliz por ter feito tão bom trabalho que mereceu uma avaliação dessas.
— Descanse agora filho — A mulher disse, se levantando, caminhando até ele, seus movimentos leves e quase inaudíveis, estendendo-lhe um braço para se ajudar a se erguer — Você fez um bom trabalho, agora, descanse, irá precisar da energia para sua próxima missão.
Lucet se ergueu com a ajuda de Kaella e estava prestes a se deitar, porém, quando o removeu sua capa, um cubo negro caiu de seu bolso e, no instantes que colidiu contra o solo, se abriu, revelando o objeto que recebera de Forscher. Ambos olharam para a coisa, porém, antes que pudessem reagir, um forte brilho esverdeado inundou o ambiente, forçando o par a fechar os olhos. Quando o luzir recedeu, Kaella, Lucet e a caixa contendo o misterioso objeto escamado desapareceram ao passo que segundos depois de seu partir, guardas adentraram a sala, lanças e espadas em mãos em busca da poderosa flutuação da mana que ocorrera.
Momentos depois, quando enfim puderam abrir os olhos, se viram diante de uma imensidão sombria e cheia de estrelas no lugar do céu enquanto que o chão era de rocha desgastada pelo passar das eras, pálida e arenosa, rachada em algumas partes, pedaços de pedra flutuando no espaço ao redor.
Kaella não demorou muito para estabilizar seus sentidos, facilmente reconhecendo o lugar onde estavam sem qualquer susto, como se esperasse que isso acontece em algum momento. Lucet, porém, ficou tremendamente surpreso em reentrar este espaço, mas não era pelo local em si, mas pela sensação que agora transpassava seu corpo.
Seu olho do tirano pulsava, fugindo de seu controle e ativando por conta própria enquanto que a caixa aberta no chão que mostrava o estranho objeto escamado brilhava, não com o luzir de seus materiais, mas com uma luz avermelhada e intensa emitida pelo conteúdo do cubo.
De alguma maneira, conseguia sentir uma conexão com aquela coisa que pulsava fraca e lentamente, como um coração enfraquecido. A cada pulso, sentia seu âmago esfriar e tremer, como se algo extremamente importante estivesse faltando, o que fez Lucet, confuso com os acontecimentos, olhar na direção de Kaella para verificar que a Alfae ainda estava ali. Sua mão subiu ao olho tentando controlar a ativação descontrolada do olho tirano que constantemente aplicava tons azuis no mundo sem seu comando.
— Droga… Oque está acontecendo comigo? — Lucet murmurou baixinho enquanto lutava para manter a calma e observar o resto do lugar.
Ele não demorou muito a notar que estava no coliseu onde pela primeira vez conhecera Maximillian e a colossal fera Dracul. Porém, antes que pudesse comentar qualquer coisa com sua mãe, uma voz, enfraquecida e gentil soou no ambiente, imediatamente direcionando a atenção do para as arquibancadas.
— Como é bom vê-los novamente meus amigos — A voz disse — Peço que me desculpem a descortesia, mas foi um tanto… trabalhoso trazê-los até aqui.
Sentado, um tanto ofegante, mas com um sempre leve sorriso em seus lábios envelhecido, um tanto emaciado e com as mesmas vestes brancas que vira no último encontro que tiveram com ele, estava Maximillian, o Líder daquilo que outrora fora Elysium, o senhor deste mundo em meio as estrelas.