Os Contos de Anima - Capítulo 67
Sem entender a razão dos movimentos do Gnoma, Lucet o perseguiu através de ruas e vielas, acompanhando a jaula e os jovens gnomas que suavam para acompanhar o ritmo de Forscher que demonstrava energia surpreendente para alguém de sua aparente idade mais avançada. Gnomas eram conhecidos por terém vidas consideravelmente mais longa que os humanos, ainda que não fossem infinitamente longevos quanto os Alfae.
Sinais de grisalho em sua barba e cabelo já indicavam que o Gnoma estava entrando em seus anos avançados, algo entre os trezentos a quatrocentos anos, uma estimativa que o olho do tirano mais tarde confirmaria ser correta.
Enquanto corria, o garoto se viu impressionado com a perícia arquitetônica dos habitantes do reino subterrâneo. Por vezes vislumbrava casas mais comuns entre a população, estruturas que conseguiria avistar com facilidade em territórios humanos ou Alfae, contudo, era igualmente fácil enxerga estruturas mais absurdas que faziam-no questionar exatamente como as mesmas ainda se mantinham de pé, ponderando o quão extenso era o uso de encantamentos e artifícios mágicos.
A especialidade da raça sempre fora encantamentos, a arte de atribuir a magia ao comum e elevá-lo a algo extraordinário, não de se surpreender que talvez tivessem feito o mesmo com suas próprias moradias.
Porém, além da excelência em encantar, os Gnomas também eram reconhecidos igualmente ou até ainda mais por suas habilidades em forja, cada produto de seu árduo trabalho praticamente uma peça de arte, vastamente superior aos produtos das outras raças em todos os aspectos. Justamente essa qualidade que o fazia imaginar se era possível fazer coisas tão estranhas sem atribuir qualquer resquício de mana que fosse.
Após alguns minutos de corrida e a ocasional ajuda aos Gnomas que quase derrubaram a jaula algumas vezes. Lucet freou seu passo, parando em frente a uma estrutura peculiar. Era uma mistura estranha de uma casa e um castelo que dava a coisa toda a aparência de uma árvore de rocha se olhasse de alguma distância. Uma placa dizendo em Gnômico: “Para os clientes, bem vindos a oficina, para os amigos, bem vindos a minha morada.”
A base consistia de uma entrada frontal mais estreita, para humanoides, e uma lateral bem mais larga, para carga e entregas maiores. Acima dela, um segundo andar era sinalizado por uma janela logo antes de se dividir em cinco, formando cinco estruturas similares a torres de castelos, com telhados cônicos compostos de telhas avermelhadas. Cada uma das estruturas possuíam uma chaminé, por onde saíam plumas de fumaça negra, cinzenta ou colorida, e janelas de madeira abertas de onde Lucet era capaz de detectar uma grande variedade de sons.
Forscher adentrou a estrutura pela entrada lateral, acompanhando a jaula e se certificando que ela chegaria com segurança. Assim que pararam, o garoto ouviu vários sons de metais colidindo e vidros sendo estilhaçados acompanhados de grunhidos e murmúrios ininteligíveis da voz inconfundível de Gnoma.
No instante em que entrou, sentia uma baforada quente acertar seu rosto. O local era quente, muito mais do que o lado de fora. “Como alguém consegue viver nessa temperatura o tempo todo?” o garoto ponderou por alguns momentos, elogiando mentalmente a raça como um todo.
Ele já havia praticado a arte da forja com Iogi anteriormente. A forja do mestre era aquecida a temperaturas ridículas, porém, nem mesmo o Gnoma vivia ao lado da forjam porém, ao que tudo indicava, Forscher provavelmente vivia por aqui.
Em um momento, Lucet se viu obrigado a desviar de uma garrafa azul que fora arremessada em sua direção. Ele moveu o corpo levemente para o lado e escapou do “ataque” sem qualquer dificuldade, contudo, quando seguiu a trajetória do objeto com os olhos e o viu se estilhaçar numa parece, suou frio.
Ao se partir, a garrafa liberou um liquido verde que caiu sobre a parede e o chão, instantaneamente desintegrando os materiais. Você não leu errado, o liquido DESINTEGROU tudo com o que entrou em contato, deixando para trás apenas uma fumaça verde e um cheiro de enxofre. Uma onda de cólera subiu pela espinha do garoto, sua face se retorcendo em raiva, fios de aura dourada escapando seu corpo.
— Ei Forscher! — Lucet berrou, erguendo sua garra e avançando na direção dos sons caóticos — Qual seu problema seu velho maluco? Está tentando me matar!?
— Espere um momento humano, estou quase achando! — O Gnoma berrou de volta antes de falar um tanto mais baixo — Eu sei que está por aqui, onde foi que coloquei aquela coisa?
Demorou mais alguns momentos, mas logo o Gnoma exclamou triunfal.
— Aha! Achei você! — A voz de Forscher soou ainda mais alta quando ele berrou, seus passos fortes ecoando no ambiente quando apareceu novamente do meio das tantas estantes ali presentes, uma de suas mãos em sua costa.
Contudo, ao ver a posição de combate agressiva de Lucet, o Gnoma freou.
— O-o que aconteceu humano? — ele disse, gaguejando brevemento ao ver a garra — Para que ergueu uma arma dessas contra mim?
— Eu que te pergunto! — Lucet falou, apontando a garra na cratera com traços de fumaça verde saindo dela — Para que você jogou uma arma daquelas contra mim!?
Forscher acompanhou movimento do garoto, confuso, até que uma expressão envergonhada surgiu em seu rosto ao compreender o que havia acontecido.
— Mil perdões humano! Realmente! — ele disse chacoalhando a cabeça e uma de suas mãos — Não foi minha intenção provocar uma briga, mas sabe como é, a pressa certamente é a inimiga da perfeição. Tão apressado como estava para encontrar essa coisa que nem sequer prestei a atenção devida a o que exatamente estava arremessando para desenterrar isso.
— E o que exatamente é isso? — O garoto perguntou, apontando sua lâmina na direção da mão escondida do Gnoma.
Um largo sorriso cresceu na face de Forscher. Seus olhos pareciam reluzir com a clara empolgação relacionada ao objeto que trouxera. Ele tirou a mão das costas e revelou uma caixa antes de dizer.
— Isto é o bônus da sua missão.
— Bônus? — Lucet questionou, desconfiado — Como assim? Porque está me dando um bônus? A descrição da missão afirmava a possível existência de um bônus, mas apenas no caso de algum acidente ou condição anormal.
— Então me diga, humano — O Gnoma riu alto, apontando para a fera enjaulada — Você não descreveria esta como uma situação anormal?
— Huh? — O garoto acompanhou o gesto do Gnoma, intrigado — Do que está falando? Eu a deixei cega, isso não era para ser algo ruim?
— Seria — O Gnoma concordou com um aceno da cabeça — Se quando fizemos nossa aposta eu tivesse acreditado que você conseguiria cumprir seus termos e trazer a criatura viva.
— Mas não era óbvio que deveria trazê-la viva? — Lucet perguntou — Era uma captura não?
— Sim, este foi o pedido, contudo, nunca havia especificado que deveria trazer a criatura viva — O Gnoma sorriu — Abater um Meteorhino é algo complexo, que exige grande preparo e, para a pesquisa que tenho de realizar, uma carcaça já bastaria.
— Mas então isso não justifica a recompensa, muito menos o bônus — Lucet retrucou, relembrando dos detalhes da missão que recebera no ninho — Abater uma criatura dificilmente angaria um preço de cinquenta mil peças de ouro.
— Concordo plenamente — O Gnoma assentiu com a cabeça — Mas, esta criatura não é qualquer uma, a estimativa é que existam menos de cem dessas em todo o mundo. Ela é extremamente perigosa e igualmente rara. Se considerar isso, tenho certeza que já justifica a recompensa em si, ainda mais ao levar em consideração que a trouxe viva quase perfeitamente preservada.
— Entendo — Lucet disse, pondo sua mão no queixo, acenando com a cabeça — Mas ainda assim, não justifica o bônus.
— A aposta justifica o bônus — Forscher respondeu.
— A aposta? O que isso tem a ver?
— Você capturou e realizou um estudo aprofundado da criatura, em uma semana! — Forscher falou empolgado, subitamente erguendo seu cartão bancário — A equipe de pesquisa já estava aguardando essa captura a meses, e quando os informei de nossa aposta, eles, como eu, acreditaram que era impossível de realizar, então fiz uma aposta com eles. Caso você vencesse nossa aposta, eu venceria a minha com eles, e se trouxesse a criatura viva, eu lucraria ainda mais!
O Gnoma então apontou para o Meteorhino que bufava baixinho, supresso pela enormidade de medidas mágicas que reluziam a cada esforço que a criatura fazia para tentar se libertar.
— Quando lhes mostrar essa belezinha, irão se arrepender!
Lucet olhou para o velho Gnoma e desatou a rir.
— Mas é claro! — O garoto por fim compreendeu — Não estou ganhando nada de graça, ainda lhe dei muito lucro.
— Exatamente humano! — O Gnoma riu alto — Um total de cem mil peça de ouro, se isso não lhe fizer merecer um bônus, nada fará!
— Cem mil peças!? — Lucet exclamou, abismado com a perspectiva de que ele rendera a outrem uma quantia que ele muito carecia.
— Correto — O Gnoma gargalhou, trazendo mais uma vez a atenção de Lucet para a pequena caixa em sua mão — E acredite, o que lhe ofereço vale esse valor, ou até mais se considerar de quem veio isso.
Lucet analizou a caixa que o Gnoma segurava com atenção, inclusive utilizando o olho do tirano para tentar obter alguma informação, porém, algo na caixa o impedia de encontrar qualquer pista, ou melhor, a caixa em si não indicava qualquer coisa além de ser uma simples caixa de metal negro com um pequeno gancho de aço que a mantinha fechada. O objeto lhe era estranhamente familiar por alguma razão.
— E de onde, ou melhor, de quem veio isso?
— De um velho amigo que a muito já não vejo — O Gnoma respondeu, sua expressão demonstrando traços de melancolia — Ele ficou famoso por ter criado Elysium, que foi destruída naquele horrendo ataque de Puritas, o “Cavaleiro de Dragão”, Maximilian Von Hohenheim.
Lucet ficou em silêncio por vários momentos, atônito. Quais eram as chances de um sinal do antigo líder e uma relíquia dele surgirem tão próximos um do outro? O Gnoma contemplou o garoto, curioso.
— Há algo errado humano? Por um acaso chegou conhecê-lo?
— N-não é nada disso — Lucet chacoalhou a cabeça — Apenas fiquei surpreso que está me oferecendo algo de alguém tão renomado.
— Originalmente não iria lhe dar isso — O Gnoma afirmou — Pensei em lhe dar metade dos lucros da aposta com a equipe, mas, por alguma razão, senti que deveria lhe dar isto, que seria mais útil para você.
Forscher então passou a caixa para Lucet que a abriu com grande cuidado, revelando um pequeno objeto oval, muito similar ao “coração” que lhe dera o poder do olho do tirano. Era tão vermelho quanto o mesmo, com a diferença que era mais largo e composto por escamas ainda mais definidas, luzindo em um ritmo pulsante.