Os Contos de Anima - Capítulo 66
Os gnoma mal podia crer no que estava diante dos seus olhos. O garoto, o humano que eles passaram quase toda uma semana debatendo sobre e esperando, voltou e, contra todas as expectativas, ele conseguiu cumprir o que declarara. Ele capturou a fera, viva, e a trouxe dentro do prazo de sete dias, o que significava automaticamente sua vitória.
Neste instante, contudo, brilhou a ganância tão bem conhecida dos Gnoma. Forscher nunca fora um de aceitar derrotas, muito menos quando cinco mil peças de ouro estavam em jogo, então, sem perder tempo, logo disse.
— Você trouxe a criatura, mas e o relatório, você fez?
Lucet sorriu, prevendo a questão. Ele direcionou sua mana para a jóia em seu cinto e, após alguns instantes e um flash de luz avermelhada, um livro, como capa negra e páginas brancas afixadas com anéis metálicos surgiu. Em sua capa, escrita em runas luminosas na escrita Gnoma estava escrito “Relatório in loco: Meteorhino”. Selando o livro por um instante com um fio de mana, o garoto jogou o livro na direção de Forscher que agarrou com facilidade.
Ele observou a capa por um instante e, após desfazer o selo com sua própria energia, o Gnoma começou a ler o relatório, seus olhos se arregalando mais a cada instante. Gasthaus, vendo a expressão atônita do colega, ficou curioso e resolver acompanhar. Sem qualquer surpresa para o garoto que os observava, os olhos do dono da estalagem começaram a arregalar rapidamente.
O “livro” consistia em um relato de aproximadamente cinquenta páginas que descrevia, com grandes detalhes, evidências imagéticas e amostras afixadas as páginas, a espécie que trouxera consigo. Não apenas descreveu seus costumes, alimentação e habitat, como também quantificou seus atributos como também qualificou seu poder combativo.
— Você realmente conseguiu… — Gasthaus murmurou, sua voz uma mistura de emoções — Sua mestra é impressionante garoto…, mas você…, você é simplesmente inacreditável.
— Não pode ser… — Forscher grunhiu, seus olhos se desprendendo das páginas com grande dificuldade — Que espécie de monstro você é para derrubar essa coisa? Nenhum humano da sua idade conseguiria fazer isso, ainda mais sozinho.
Lucet uma estranha mistura de desgosto e orgulho. Não gostava de ser chamado de monstro, ainda que, nesse contexto, fosse um real elogio.
— Vamos dizer que isso é um segredo de profissão, não é senhor Gasthaus? — Lucet deu uma piscadela para o Gnoma — Mas confesso, não foi nada simples de fazer sozinho, mas bem, fazê-lo assim tem seus benefícios. Obviamente, se tivesse um companheiro confiável e competente, não negaria a ajuda.
O Gnoma deu um pequeno salto ao ouvir seu nome. A identidade de ambos estava em jogo, este foi um mero aviso de Lucet que, obviamente, estava completamente disposto a revelar a identidade do Gnoma caso o mesmo o prejudicasse.
— C-claro! — ele respondeu apressado, puxando alguns fios de sua barba com nervosismo — Todo aventureiro tem seus segredos Forscher, sabe que é indelicado ficar apontando essas coisas meu velho amigo.
A gnoma virou seus olhos para o companheiro e então desatou a rir.
— Ah sim! — gargalhou, fechando o livro e fazendo-o desaparecer com um flash da joia em seu anel — Claro! Todos temos segredos que não queremos expor ao mundo, que falta de consideração para contigo humano.
Ele então agarrou os ombros do amigo e declarou.
— Vamos Gasthaus, traga suas melhores bebidas do estoque, temos uma missão bem sucedida a celebrar!
Gasthaus gargalhou e se animou, acompanhando o velho amigo “hoje será uma noite bem longa” pensou. Lucet, porém, não deu qualquer chance para os Gnoma.
— Uma celebração certamente é devida — ele comentou — Mas, tenho certeza que há algumas coisas mais… Prioritárias a serem resolvidas — Retraindo sua mana por um momento, a consciência da fera retornou, um grunhido escapando de suas grandes narinas — Não acham?
O par virou como se tivesse ouvido as trombetas do apocalipse, seus rostos empalidecendo enquanto agarravam seus respectivos armamentos.
— Você não deixaria essa coisa solta por aqui, não é? — Forscher exclamou.
— Garoto, minha estalagem acabou de ser reconstruída — Gasthaus implorou, sua expressão se contorcendo — Tenha piedade! Mais uma semana sem negócios vai me causar prejuízos imensos!
Lucet canalizou energia mais uma vez no crânio da fera, a nocauteando com facilidade antes de gargalhar.
— Claro que não mestres Gnomas! — ele riu alto — Claro que não! Se eu fizer isso, quem irá me pagar meus honorários da missão e a minha recompensa da aposta?
O par se entreolhou por um instante. Naquele momento, com um breve aceno de cabeça, concluíram que o garoto definitivamente já estava acostumado com os trejeitos de um Gnoma. Simultaneamente direcionaram um xingamento mental na direção do maldito que o acostumara desta maneira e então, engoliram seco.
— Sim sim… Claro, a aposta— Forscher riu baixinho, envergonhado ao ser exposto desta maneira.
— Jamais esqueceríamos garoto, como pode duvidar de nós!? — Gasthaus tentou protestar fracamente.
— Não duvidei por um segundo — Lucet sorriu, chacoalhando a cabeça — Este foi apenas um lembrete amigável, só isso. Bem, como vamos lidar com a criatura, por hora estou suprimindo sua consciência, mas não creio que terá o luxo de fazer o mesmo para sempre não é, senhor Forscher?
Forscher se despediu do par e disparou rua abaixo, avisando que traria uma jaula de contenção apropriada. Enquanto isso, Gasthaus trouxe um chifre de hidromel de uma de suas melhores safras, o feito do garoto realmente merecia uma celebração. Lucet aceitou sem rodeios, já tomando um gole largo de primeira.
A bebida adocicada era reconfortante após uma jornada tão longa, enchendo-o de uma sensação aquecida que rapidamente relaxou seu corpo. O garoto teve de focar um tanto mais sua atenção para não perder o controle da supressão do Meteorhino. Um descanso era merecido, mas ele não podia deixar a fera escapar ou teria inúmeros problemas com o reino subterrâneo e com o Ninho.
Durante esse tempo, Gasthaus o questionou sobre sua experiência que Lucet prontamente passou a narrar para gastar o tempo de espera. Contou sobre suas descobertas da espécie e como as fez de uma forma mais divertida do que o relatório, descreveu sobre o combate e suas estratégias.
— Realmente brilhante! — o Gnoma concluiu — Com o arsenal que estava levando, dificilmente ia conseguir penetrar as placas dérmicas da besta, mas se asfixiá-la, captura-la já não é mais tão difícil. Mas, tenho certeza que não foi uma tarefa fácil trançar uma corda de mana e misturá-la com aura da fé, isso exige uma grande precisão e controle.
— Não foi fácil — Lucet comentou, produzindo alguns fios de mana cinzenta, levando-os a altura dos olhos do Gnoma que observou o gesto atentamente — Produzir os fios e — um lampejo reluzente correu pelos fios, atribuindo-os um luzir dourado — Reforçá-los não é tão complicado pois já tenho prática em ambas as coisas.
O garoto urgiu suas energias e, logo, dezenas de fios começaram a surgir, sendo reforçados instantaneamente com o poder da aura. O Gnoma achou isso formidável, porém, ele logo percebeu a fraqueza dos construtos.
— A real dificuldade é quando a quantidade começa a aumentar, não é? — Gasthaus comentou, percebendo que a velocidade de produção diminuía conforme os números aumentava.
— Exato — Lucet acenou com a cabeça — Quando maior a quantidade de fios que preciso criar e reforçar, mais esforço demanda da minha concentração e, obviamente, maior a força e resistência finais do construto ou restrição que eu esteja tentando fazer.
Alguns minutos depois, quando suas bebidas já haviam acabado, um som metálico e alguns rangidos começaram a ecoar rua abaixo. Momentos depois, surgiu em vista o rosto empolgado de Forscher que, com a ajuda de mais quatro Gnoma mais jovens, empurrava uma grande jaula de ferro negro repleta de inscrições luminosas e cristais reluzentes por todos os lados que flutuava á alguns centímetros do solo.
Além disso, dentro da estrutura haviam grossas correntes espinhosas com grilhões e esferas de aço, todos obviamente adornados com runas luminosas.
— Forscher, seu velho maluco — Gasthaus gargalhou — Não acha que usar uma jaula obsidiana é um tanto exagerado? Sabe que essa coisa vai demorar muito para ser reutilizada após terminar seus experimentos com a fera e retirá-la daí.
— De jeito nenhum! — Forscher retrucou com um riso antes de direcionar seu olhar para Lucet brevemente— Com as especificações coletadas pelo humano, não tem nada em minha oficina que consiga conter essa fera que vai estar especialmente enfurecida após perder sua vista e toda sua alimentação favorita.
— É algum problema o Meteorhino estar cego? — Lucet questionou, um traço de apreensão adentrando sua voz.
— Se já não tivéssemos documentado extensivamente sobre os órgãos desta espécie através de exemplares preservados de outros espécimes abatidos, até seria, mas… — Forscher sorriu por um instante ao detectar a apreensão, resolvendo tirar sarro por um instante, fechando seu rosto enquanto erguia uma mão a sua barba, a alisando enquanto fingia ponderar.
Um silêncio desconfortável surgiu no ambiente. Gasthaus e os outros Gnoma presentes corriam seus olhos de Forscher para Lucet e vice-versa repetidamente, esperando um dos dois tomar a iniciativa. Incerto, o garoto resolveu utilizar o olho do tirano. Infelizmente para o Gnoma, sua brincadeira não durou muito diante da habilidade.
— Mas é bem mais valioso ter todo o resto intacto e funcionando — Lucet disse em um tom gélido — Ainda mais considerando que vocês facilmente conseguiriam restaura o dano que causei, não é mesmo?
Gasthaus e os Gnoma olharam para Forscher. O Gnoma deu um sorrisinho tímido de quem foi pego e logo, todos, incluindo Lucet, começaram a gargalhar. O garoto então os ajudou a mover a fera para a nova contenção e então, adentrou o bar para tomar uma refeição e descansar. Enquanto comia, começou a conversar com o par.
— Bem, quanto a minha recompensa? — O garoto começou o assunto — Acredito que a pesquisa e a captura foram concluídas com grande sucesso, portanto, como será o pagamento? Além disso, temos de considerar a aposta entre nós também.
— Claro — ambos acenaram com a cabeça — Você prefere que o pagamento seja realizado em peças ou direto na sua conta da união? Podemos até mesmo fazer uma transferência de cartão a cartão se tiver um.
Pela praticidade óbvia, Lucet ergueu seu cartão negro com letras douradas.
— As praticidades da vida — Gasthaus comentou com um riso.
— Com taxas excessivamente altas — Forscher reclamou.
— Tudo tem seu preço, não? — Lucet resumiu.
Os três acenaram com a cabeça, tomando um gole de hidromel. Em seguida, Forscher e Gasthaus aproximaram seus cartões ao de Lucet, circulando suas energias pelo objeto e então, um leve som de sino ecoou no ambiente, identificando o sucesso da transferência.
Com isso, Lucet adquirira, graças a aposta, setenta mil peças de ouro, dando um grande salto em seus recursos. Porém, ele sabia que estava longe de ter uma quantia suficiente, afinal, precisaria pagar Iogi, o Serafim que iria contratar e todos os materiais para a construção do Protomail cujo as setenta mil peças de ouro obviamente não iriam satisfazer. Após uma hora se alimentando e recuperando suas forças, Lucet se ergueu. Os Gnoma notaram o movimento e prontamente levantaram em sincronia.
— Bem senhores, acho que nossa diversão tem de acabar — O garoto comentou — Foi muito bom conhece-los.
— Igualmente garoto — Gasthaus respondeu, estendendo uma mão que Lucet prontamente sacudiu — Sinta-se à vontade para voltar quando quiser, mas… da próxima vez tenta não demolir minha estalagem.
Ambos riram e então, Lucet se virou para Forscher, lhe estendendo a mão, porém, o Gnoma não reciprocou o gesto, permanecendo em silêncio ao invés disso, pensativo.
— Senhor Forscher? — O garoto insistiu, estendendo um tanto mais sua mão.
— Guarde a mão garoto, nossos negócios ainda não acabaram — O Gnoma informou com uma expressão fechada antes de se virar em direção a porta — Me acompanhe até a oficina.
— Espera, do que está falando? — Lucet exclamou, mas não recebeu resposta, o Gnoma havia se movido com surpreendente velocidade para fora, forçando o garoto a correr atrás dele.