Os Contos de Anima - Capítulo 63

— Você quer dizer que este grandalhão aceitou a missão? — o gnoma questionou, obviamente descrente e cuspiu — Pah! Até parece! Ele sabe dos detalhes da missão por acaso? Além disso, qual delas ele está se propondo a fazer?

Neste instante, Lucet resolveu se pronunciar, virando seu rosto na direção do gnoma e estendendo sua mão.

— Senhor Forscher, correto?

— Eu mesmo, humano. — ele disse com olhos desconfiados — Que espécie de maluco você é? Busca fama ou apenas busca riquezas?

— Bem… — Lucet respondeu, deliberadamente prolongado sua pausa — Não me creio ser qualquer espécie de maluco, aliás, gostaria de lhe informar , tal como o senhor poderá confimar caso contate o ninho, que aceitei ambas as missões e que pretendo fazê-las ao mesmo tempo.

— Ambas? Ao mesmo tempo!? — Forscher berrou — Como deixaram você fazer isso!? Que espécie de incompetentes são esses corvos que me mandam um único humano para fazer estes trabalhos?

— Pelo que vejo… — Lucet respondeu calmamente — Dúvida de minhas capacidades, correto?

— Claro que sim, garoto! — ele retrucou — Como espera que eu simplesmente acredite que você é capaz de, sozinho, subjulgar um Meteorhino estudar seus hábitos ao mesmo tempo? Apenas encontrar um espécime adequado já demoraria o bastante, entretanto, você está me dizendo que pretende fazer as duas coisas, sozinho?

— A não ser que senhor resolva me ajudar pessoalmente nesta questão, sim, pretendo fazer ambas as coisas sozinho. — Lucet continuou, sua voz lentamente se tornando fria — E acredito que seu amigo possa atestar quanto as minhas capacidades de combate, não é mesmo senhor Gasthaus?

Gasthaus assentiu silenciosamente, entretanto, Forscher ainda persistiu.

— E quanto ao relatório? Como pretende fazê-lo enquanto tenta capturar a fera? — ele questionou, insatisfeito.

— Simples. — o garoto respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo — Estudarei e realizarei o relatório em primeiro lugar antes de tentar capturar a fera, e farei tudo isso em uma semana.

Gasthaus interviu neste momento.

— Garoto — ele disse com uma voz cautelosa — Sei que é poderoso, afinal, você lutou sem usar suas “habilidades específicas” e derrotou vinte gnomas experientes em combate, mas, duvido bastante que consiga fazer as duas coisas com tanta facilidade a ponto de terminá-las em apenas uma semana quando o projetado era para no minimo duas semanas de operação, sem ofensas.

— Suas palavras tem sentido.

Neste momento Lucet mantinha uma expressão dura e desgostosa em seu rosto. Por um lado, ele compreendia a apreensão dos gnomas, afinal, pelo conteúdo que havia estudado, esta era sim uma missão que requeria uma grande quantia de tempo para ser realizada, entretanto, ele tinha confiança em sua capacidade de capturar a fera, além disso, ele não podia se dar o luxo de falhar e gastar mais tempo do que o absolutamente necessário pois ele tinha um prazo para realizar todas as missões.

Foi então que uma memória ressurgiu em sua mente, algo dos seus dias de treinamento de forja em Elysium que felizmente fora refrescado durante seu tempo de treinamento com Iogi e Kaella em Alta Lustra. A informação normalmente soaria completamente trivial e irrelevante, porém, neste instante ela  lhe deu uma ideia valiosa que acabou por reafirmar suas convicções e lhe mostrou uma forma de prosseguir com seu plano.

— Então desistiu desta maluquice, garoto? — Forscher disse, zombando.

— De forma alguma. — ele respondeu com um sorriso confiante no rosto após alguns momentos ponderando — Eu farei ambas as missões em uma semana, mas, como vocês obviamente não acreditam em minhas capacidades, eu gostaria de sugerir uma aposta.

— Uma aposta? — Gasthaus e Forscher disseram em uníssono, se entreolhando no processo.

— Exatamente, ou será que os ilustres mestres gnoma não ousam fazer uma simples aposta com um mero humano? — Lucet respondeu, provocando o par ao levantar seu queixo e apoiá-lo sobre sua mão que recostava sobre o balcão.

— Os filhos da rocha não temem nada, humano! Diga logo, quais são os termos?— Forscher bradou, claramente respondendo por ambos pois Gasthaus acenou com a cabeça, obviamente concordando com os dizeres do gnoma.

— Excelente! Sabia que os mestres gnoma não iriam me desapontar. — Lucet sorriu largamente — Os termos são simples. Caso eu consiga cumprir as missões satisfatoriamente dentro do tempo que estipulei, os senhores me fornecerão mais cinco mil peças de ouro cada um.

— Cinco mil peças de ouro!? — Ambos exclamaram, Gasthaus tomando a fala desta vez — Somos gnoma, mas não somos feitos de ouro moleque! Esta não é uma quantia simples de se juntar, e mesmo que consigamos, o que você está disposto a apostar caso perca.

— Para cada dia de atraso depois do sete dias, eu lhes pagarei mil peças de ouro para cada um. O que pensam? — Lucet propôs, sua voz séria destacando sua presença ainda mais quando ele se ajustou em seu banco, endurecendo sua expressão enquanto olhava firmemente nos olhos da dupla.

O par ficou um tanto intimidado com a súbita mudança de ânimos, considerando inclusive a reconsiderar sua postura anterior, entretanto, ao considerarem o quão certos estavam da incapacidade do garoto de cumprir as missões no tempo estipulado, se acalmaram e firmaram suas decisões.

— Pois bem, humano. — Forscher assentiu com a cabeça — Será como estipulou. Durante as próximas duas semanas, estarei hospedado aqui. Estaremos esperando ansiosos pelo resultado desta disputa, humano.

—Tch!

Lucet bufou e então começou a discutir mais detalhes sobre a missão. Forscher lhe informou que a missão de pesquisa, onde teria de realizar o relatório, seria num vale rochoso conhecido como “Cairn Meteora”. O vale era casa de espécies de feras que normalmente seriam encontradas em qualquer lugar do território gnoma, entretanto, devido a um meteorito que caira no lugar a centenas de anos atrás, o local havia sido transformado.

Agora lar de feras que foram alteradas pela irradiação constante da energia do meteorito, seus poderes e natureza foram transformados ao ponto de que as bestas, anteriomente pacificas, se tornaram extremamente violentas e imponentes, sua força e habilidades mágicas amplificadas exponencialmente.

No vale, Lucet deveria encontrar um espécime de Meteorhino, observar seus hábitos, presas, predadores, habitar específico e então, capturá-lo, vivo ou morto, mas preferencialmente vivo pois assim seria mais valioso.Completamente informado, o garoto tomou seu caminho imediatamente, tomando assim que pode um transporte direto para o vale. Forscher lhe forneceu um diário onde anotar suas descobertas.

Durante o caminho ele pode vislumbrar de dentro da engenhosa “Carruagem de Ferro Negro”, que era uma espécie de veículo que andava sobre trilhos de metal a grandes velocidades e seguia apenas uma rota, as grandes construções dos gnoma. Ele já havia visto em projeções e livros inúmeras vezes a grandeza das cidades subterrâneas do reino sob as montanhas, entretanto, vê-las de perto ainda era capaz de tirar-lhe o folêgo.

A paisagem era simplesmente estonteante. Mesmo que debaixo da terra, Lucet quase não conseguia distinguir a diferença, afinal, as luzes projetadas pelas dezenas milhares de cristais existentes no teto do que essencialmente era uma gigantesca caverna de enormes estalactites reluzentes coloriam a vista por todo canto, dando vida a formas de vidas peculiares que não poderiam existir no mundo acima.

Apenas com um rápido olhar, o garoto era capaz de ver dezenas de ingredientes valiosos para poções brotando por todos os cantos como se fossem grama, coisas que valeriam dezenas de milhares de peças de ouro. Entretanto, ao ver tanta riqueza e prosperidade, Lucet também pode identificar a sabedoria e engenhosidade dos gnoma.

Nenhum recurso era abusado ou desperdiçado. Tudo era mensurado e colido no tempo exato para que a natureza local pudesse produzir mais sem danificar o ecossistema, além disso, minérios existiam em uma abudância tão gigantesca que Lucet pensou que já teriam se esgotado, entretanto, foi ali que o garoto descobriu o quão brilhante eram os gnoma.

Sim, os minérios existiam em tremenda abudância, porém, para não acabarem com os veios, os gnoma utilizavam matrizes arcanas para multiplicar os recursos através de transmutação, assegurando que os recursos durassem mais tempo e que eles, pelo que o garoto pode perceber, fossem capazes de transformar a terra mais comum, areia, carvão ou até mesmo cascalho em minérios preciosos.

Devido a gigantesca quantidade de cristais de mana que constantemente acumulavam mais energia, e por consequência produziam ainda mais cristais, os engenhosos seres eram capazes de, se quisessem, causar imensos estragos com a absurda quantia de recursos que possuíam, recursos estes que eles sabiam melhor que qualquer outra raça como converter em armamento destrutivo.

Seis horas depois, Lucet chegou ao inicio do vale. Lá, felizmente, conseguiu contratar um guia local para lhe levar com segurança até uma manada de feras mais próximas da cratera onde o meteorito radioativo havia caído centenas de anos atrás. No local, ele conseguiu localizar um grupo relativamente grande de rinocerontes que viviam entre as distorcidas árvores, comendo de suas folhas e frutos, e eventualmente caçando outros animais para devorar.

E a partir dali, o garoto começou a observar pelos próximos cinco dias sem sair do seu local escondido em meio as sombras das rochas. Graças ao manto de sua mestra, frio e calor não eram problemas, e como havia trazido provisões de ambos Alta Lustra e da estalagem, alimento também não era um problema.

Durante sua estadia em meio as rochas, Lucet descobriu exatamente porque o par de gnomas estava tão descrente de suas capacidades de estudar e subjulgar a criatura. Meteorhinos já foram estudados e subjulgados antes, entretanto, foram rarissimos os casos de sucesso em realmente estudar a fundo uma criatura destas, afinal, suas qualidades naturais lhe garantiam uma certa imponência.

Diferentes dos membros comuns de sua espécie, os Meteorhinos são seres ferozes e poderosos além do naturalmente possível, algo que a existência da radiação do meteorito facilmente explicava.

Seu corpo coberto não de uma pele grossa, mas de placas de metal endurecido  que formavam uma armadura quase impenetravel que era capaz de repelir até mesmo ataques mágicos de outros animais do vale rochoso e como se não bastasse, a fera ainda possuía patas com garras negras como de animais mamíferos em suas patas e dentes grandes e númerosos como os tubarões com um corpo tão grande quanto a carruagem que usara para chegar até a entrada do vale.

Porém, diferente do que se pensaria de uma defesa tão potente, a velocidade do animal não era nada menos que assustadora, tão intimidadora que até mesmo Lucet, com o lâmpejo, não possuíam confiança absoluta de ser capaz de desviar do ataque da fera depois de observar um dos membros da manada destroçar uma alcatéia de lobos apenas duas investidas que o garoto só fora capaz de observar pois havia ativado seu olho do tirano para observar com o máximo de atenção.

Mas, independente de seus outros atributos fisicamente intimidantes, o que realmente tornava a fera uma ameaça era o seu chifre. Um único chifre levemente de cor escarlate e do tamanho de um grande sabre que fazia contraste com o resto de seu corpo cor de cobre que, quando a fera atacava, era usado para disparar um ataque psiquico contra sua vitíma além de, óbviamente, ser usado para empalá-la logo em seguida.

Durante seus dias de estudo da espécie, Lucet reparou em alguns hábitos específicos que lhe ajudaram a traçar um plano para subjulgar a fera. No quinto dia de estadia em meio as rochas sombreadas, no horário onde as feras adormeciam, o garoto terminou de revisar suas extensas anotações sobre o espécime em questão e então, botou em ação seu plano de apreensão.

Após encher um saco com frutas apanhadas das distorcidas árvores em períodos que as feras não estavam se alimentando, Lucet se aproximou do local de descanso da manada e, após acordar uma das feras ao atirar algumas pedras em suas palpebras, que eram surpreendentemente resistenses pois as rochas só foram capazes de causar coceira no animal, ele atraiu a fera com o saco de frutas.

Após fazer o animal segui-lo até um ponto isolado o bastante mais para o centro do vale, relativamente próximo das beiras da cratera do meteorito original, ele arremessou o saco de frutas para a besta que engoliu a coisa numa mordida e se aproximou cuidadosa e silenciosamente, sua garra em mão.