Os Contos de Anima - Capítulo 61
Por alguns momentos, o silêncio imperou no estabelecimento. Os gnoma ainda estavam assustados pela súbita demonstração de proeza do oponente e Lucet, por sua vez, estava ocupado pensando em maneiras de não revelar sua identidade como corvo enquanto lutava.
Para que isso acontecesse, algumas condições precisavam ser cumpridas. A primeira delas é que ele não poderia de forma alguma utilizar mana das sombras, afinal, isso era o sinal de um corvo, em segundo lugar, ele não poderia usar a garra, pois esta também era uma arma muito reconhecida por ter como usuários os corvos.
Além disso, sua aparência real não poderia ser revelada de maneira alguma, pois, no momento que fosse, certamente um esquadrão de puritas não estaria muito longe de si. Escaneando o bar, Lucet começou a se lembrar das lições de combate de Kaella, e logo, um sorriso surgiu em seu rosto e ele deu um passo a frente, desviando de uma mesa em seu caminho.
— Andem! — ele bradou, sua voz levemente modificada para soar como mais grave e envelhecida — Não iam me expulsar daqui? — Ele então ergueu sua mão e os desafiou, flexionando seus dedos em sua direção — Foi tão fácil assim amedrontá-los?
O susto que prevalecia nos guerreiros foi rápidamente desfeito, suas armaduras tintilando enquanto eles se preparavam para a luta ao passo que sua indignação e raiva apenas aumentava. Um gnoma se destacou da multidão, uma curta espada em suas mãos.
— Você vai pagar por isso grandalhão… — Ele disse friamente.
Lucet, porém, não dava a minima para as ameaças do gnoma e, com uma voz zombeteira e desdenhosa, retrucou.
— Ai que medo de você, baixinho.
O gnoma urrou e saltou para o combate, os gnoma remanescentes avançando com ele. Cercado por todos os lados, Lucet agiu rápido para proteger suas costas e pisou na mesa tombada atrás de si, a erguendo antes de executar um lâmpejo e disparar para frente, explodindo a madeira em fragmentos que acertaram os gnoma atrás de si em diversas partes, fazendo-os retroceder por alguns momentos enquanto grunhiam de dor.
Reaparecendo em frente ao gnoma que havia avançado, Lucet golpeou a espada em sua mão com a manopla dourada, forçando o gnoma a perder sua arma antes de disparar um chute na direção da sua cabeça. Diferente do que esperava, o guerreiro reagiu e aparou o golpe usando seus dois braços, efetivamente prendendo-o ali.
Os gnoma ao seu lado avançaram para lhe atacar, porém, antes que eles tivessem a chance de lhe alcançar, Lucet saltou com a outra perna e a laceou no pescoço do gnoma que prendia sua perna, em seguida, jogando seu braço na direção do chão.
O garoto então apoiou seu peso em seu braço e contraiu seu corpo, puxando o gnoma para frente junto consigo antes de arremessá-lo contra o solo usando suas pernas, chutando-o para trás com força ao se levantar, derrubando alguns gnomas que ainda reclamavam dos inúmeros fragmentos de mesa que haviam lhes atingido.
Neste momento, porém, um gnoma havia conseguido ser rápido o bastante para lhe alcançar e desferir um corte diagonal com seu machado contra si enquanto levantava. Lucet, sem outra opção, se jogou para o lado contrário e deu uma ombrada num outro gnoma que estava por ali, empurrando-o ao ponto que caira.
“Droga!” Lucet reclamou “Aqui tá cheio demais! Tenho que me livrar de alguns e abrir espaço!” O garoto então agarrou o gnoma que acabara de derrubar pelo pescoço e o ergueu antes de rodopiar, atingindo três gnomas que se aproximavam e estavam prestes a atingi-lo, em seguida, mirou na janela, prontamente arremessando o gnoma em suas mãos através dela.
Nesse espaço de tempo, os gnomas atingindos pelos fragmentos de madeira já haviam se recuperado, agora avançando na direção do garoto. Lucet disparou na direção de um dos três gnomas que havia derrubado, o agarrando pelo pescoço, rodopiando e arremessando contra os que vinham contra ti com força o suficiente para lhes derrubar e os atrapalhar por mais um tempo.
Em seguida, repetiu o movimento com os outros dois gnomas que derrubara, mas, desta vez os jogando através de mais duas janelas. No instante que parou para respirar, seus sentidos gritaram e seu corpo se tensionou. Um clarão surgiu em sua visão, ele sentiu dor do lado da sua cabeça ao mesmo tempo que um som abafado de uma pancada ecoou em seus ouvidos, o deixando levemente atordoado.
O gnoma, que o golpeara de surpresa ao arremessar uma garrafa na direção da sua cabeça, ficou surpreso por um breve instante, porém, logo despertou e gritou.
— Ele está atordoado! — ele berrou — Atirem mais garrafas e o atrasem antes de avançarem!
“Mer…” Seus pensamentos lentos e confusos, Lucet não teve muito tempo para reagir quanto as garrafas de bebida, canecas e todo tipo de utensilio começara a voar em sua direção, mas, apesar de lento, ele conseguira captar o plano que o gnoma berrou, e por isso, ergueu sua manopla e a transformou no escudo dourado a tempo de bloquear os projéteis improvisados, que explodiram no impacto, espalhando cacos e liquidos coloridos pelo chão e nas partes não cobertas da roupa do garoto.
Respirando fundo, Lucet circulou a energia dourada pelo corpo, estabilizando sua dor e recuperando o foco antes de virar sua atenção para os gnomas que já estavam prestes a alcançá-lo. Neste instante, ele considerou executar o lâmpejo e se lançar para frente com o escudo para protegê-lo, porém, isto acabaria por expor suas costas, o que, mesmo com o manto encantado para lhe proteger, não era uma boa escolha de fazer, especialmente considerando que os oponentes também usavam equipamentos encantados.
Durante os seus treinos com Kaella e Iogi, diversas vezes Lucet se via preso em armadilhas pelas restrições do lampejo. Sim, a técnica produzia velocidade e poder cinético impressionantes, ataques que a maioria dos seres seria nocauteado ou severamente danificado sem numerosas proteções caso o garoto não tomasse cuidado.
Porém, uma vez executado, o lâmpejo não permitia alterações de direção ou redução de velocidade. Era apenas uma potente investida com grande poder de ataque e incrivel potencial a curta e média distância, mas, era limitada por sua falta de controle direcional e de distância, o que, numa situação como a atual, era uma grande problema pois forçava o garoto, já restrito a não usar mana, potencialmente ter de abrir mão de seu segundo poder e apostar num combate corpo a corpo.
Mesmo que tivesse treinado com dois mestres por tanto tempo, Lucet não tinha exatamente tanta confiança em disputar sozinho, desarmado e sem seus poderes adicionais, contra dezeseis gnomas enfurecidos e completamente equipados com armaduras e lâminas reforçadas de encantamentos.
Enquanto Lucet refletia em busca de respostas, os gnoma se aproximaram rapidamente, seus machados e espadas reluzindo com mana colorida. Se encolhendo atrás do escudo, Lucet canalizou mais poder no escudo e projetou o domo para se proteger ao passo que os gnoma desferiram dezenas de golpes na proteção dourada.
No compasso dos constantes golpes contra sua defesa, Lucet começou a analisar a situação. Infelizmente, graças a estratégia dos gnoma, não havia muito no ambiente que pudesse usar como arma para golpear os gnoma, e mesmo que houvesse, era bastante duvidoso se iria conseguir fazer qualquer coisa além de balançar um pouco suas armaduras fortificadas por magia.
Foi então que, de relance, Lucet viu os rastros deixados no chão pelo lâmpejo e os restos chamuscados da mesa que destruira ao executar sua técnica com proximidade excessiva do objeto. “ A liberação de energia a curta distância do lâmpejo é poderosa” ele pensou, sua mente formulando uma opção para seu dilema “Se eu conseguir retirar a parte da tecnica que impulsiona e manter apenas a explosão…”
Como se uma luz acendesse em sua mente, a técnica do lâmpejo foi rápidamente descontruida, uma teoria sendo formulada em sua cabeça. Consistindo da compressão, vibração e então liberação de aura, executar o lâmpejo permitia gerar velocidade extrema e uma vasta quantidade de poder cinético num instante, e se ele executasse o movimento agora, iria provavelmente atravessar o teto da taverna considerando sua posição.
Lucet então começou a guiar a aura para seus pés, acumulando e comprimindo a energia como normalmente faria para usar o lâmpejo, porém, ao invés de vibrar o poder acumular, ele resolveu liberar o poder sem antes vibrá-lo, para testar sua teoria e, como esperado, a idéia deu certo.
Ao liberar a pouca energia pelos pés, sem vibra-la, a energia dispersou com muita força, criando uma explosão, porém sem gerar a propulsão potente. A madeira abaixo de seus pés rachou e chamuscou com labaredas brancas e, quando o garoto moveu seus pés para o lado, viu que a madeira não havia sido apenas rachada, mas também havia sido perfurada por algumas dezenas de centimetros.
As colisões das armas com suas defesas continuavam soando como sinos dentro do domo, rachaduras gradativamente preenchendo a visão do garoto enquanto os gnoma continuavam a golpear incansavelmente com a mesma determinação dos mineradores das gemas do reino sob as montanhas.
“Se eu golpear alguém sem proteção com isso, eu vou abrir um buraco nele….Mas contra eles…O choque deve ser o suficiente não?” Lucet pensou, formulando sua estratégia ao passo que um sorriso confiante começava a surgir em seu rosto. O garoto então ajustou sua posição e, após direcionar seu escudo num angulo inclinado, e saltou para frente no momento em que o domo estava prestes a se partir, atingindo e derrubando dois gnomas pegos de supresa pela súbita investida.
Antes que pudessem reagir, Lucet abaixou seu corpo e girou, disparando sua perna nos pés de mais dois gnomas, passando-os uma rasteira. Ele então se ergueu, deu um salto para frente e dispersou seu escudo, acumulando aura em seu punho e a comprimindo antes de, no momento de impacto, a liberá-la de uma vez só.
O garoto viu as jóias na armadura dos gnoma brilharem por um instante antes de explodirem e as defesas mágicas serem desfeitas quando a luz dourada irrompeu de seu punho. Num piscar de olhos, a armadura, forjada provavelmente com metais de boa qualidade considerando a quantidade de encantamentos e jóias imbutidas nela que requerem bom condutores mágicos, começou a rachar.
Primeiro apenas uma única fina rachadura dourada, porém, a rachadura em breve cresceu, se espalhando com um vírus pelo metal, deixando colorido com luzes douradas antes de se desfazem em diversos pedaços que cairam apatéticamente do corpo do gnoma que olhava o processo com olhos incrédulos que, em seguida, viu os pedaços se transformarem em particulas de luz dourada deixando apenas finos rastro de poeira metálica.
Aproveitando o choque do gnoma, Lucet girou o corpo e acertou um chute reverso no meio de seu estômago desprotegido, arremessando-o em direção a uma parede. Nesse meio tempo, dois gnoma miraram cortes em sua cabeça, porém, ele reagiu rápido e se jogou no chão, desviando dos ataques antes de puxar um gnoma pelo tornozelo e derrubá-lo.
O machado do guerreiro voou para o alto, Lucet se ergueu e pegou o machado antes que caisse, se armando com o equipamento, porém, no instante seguinte foi forçado a jogá-lo fora pois começou a sentir restrições mágicas no artefato, fazendo com que o mesmo ficasse progressivamente mais pesado em sua mão.
Um tanto assustados com a demolição da armadura de seu companheiro, os gnoma remanescentes ficaram apreensivos, hesistantes em atacar.
As armaduras em si não eram dificieis para estes mestres da forja refazerem caso elas fossem danificadas, mas, uma vez pulverizadas, recuperação era impossível. Apesar de suas habilidades, a arte de forjar era algo custoso, os materiais e jóias para encantamento era caros e dificeis de conseguir em boa qualidade e quantidade, por isso, enfrentar este estranho que conseguira com aparente facilidade reduzir um fruto de tanto esforço e dinheiro a cinzas lhes causava temor.
Subitamente, uma dor eletrizante correu por seu braço ao ponto que o membro começou a tremer, convulsionando. Lucet disfarçou a dor ao esconder-se por trás do manto, aumentando ainda mais a emissão da aura dourada ao seu redor, pressionando os gnoma com seu poder luminoso.
— Alguém mais vai querer seu equipamento destruído? — ele ameaçou com uma voz fria e grave — Sei que nenhum deles foi barato de forjar, especialmente considerando a grande quantia de encantamentos, o número de jóias e a qualidade do metal, portanto, querem mesmo arriscar que eu os destrua?
Vendo o silêncio e relutância dos gnoma, guerreiros conhecidos por serem obstinados numa briga, Lucet decidiu quebrar seu espirito de combate com um ultimato. Ele manifestou ainda mais do seu poder, um grande chama duas a três vezes maior que seu próprio corpo irrompendo do seu corpo, irradiando todo o local com a reluzente luz da aura da fé.