Os Contos de Anima - Capítulo 60
Com passos lentos e cuidadosos, Lucet prosseguiu em direção ao barulho, desviando dos barris e suprimentos estocados na sala em diversas estantes. De inicio, ele acreditara que a sala seria pequena, porém, se viu surpreso ao encontrar dificuldade de achar a saida dali.
Após alguns momentos, ele virou á esquerda depois de uma pilha de barris que obviamente deveriam estar repletos de bebidas alcoolicas e por fim, viu uma luz transpassar as frestas de uma porta, andando até ela, notou que o cheiro de alcool, a algazarra de gritaria e música e o aroma de diferentes pratos ficavam cada vez mais fortes.
Ele chegou até a porta e, usando os olhos de corvo, identificou uma escrita feita com mana das sombras que dizia na lingua comum de barda, que era a lingua oficial usada pelo ninho:
“Para os corvos: Bata três vezes e lhe atenderemos”
O garoto bateu na porta com um tanto de força três vezes, porém, sem saber se fora por causa da algazarra de forra ou se porque simplesmente não o fizera com força o bastante, ele não obteve nenhuma resposta. Tentou então aumentar a força dos golpes, mas, ainda que aumentasse progresssivamente as pancadas nas próximas três tentativas, ainda assim, não recebeu nenhum sinal de que haviam notado sua existência.
Ele olhou para porta novamente usando os olhos de corvo, mas, não encontrou qualquer espécie de pista sobre o que deveria fazer. Por alguma razão, enquanto observava a porta sob as lentes da mana sombria, ela parecia muito mais frágil do que realmente era, ao notar isso, teve uma idéia.
Focando um pouco de mana em seus dedos, ele novamente bateu na porta com um pouco de força mais três vezes, e com isso, finalmente obteve o resultado esperado. A primeira batida soltou um pulso cinzento sobre a porta, a segunda a fez brilhar e a terceira, por fim, abriu a dita porta discretamente, não anunciando sua existência para aparentemente ninguém.
Estendendo sua mão para a maçaneta para empurrar a porta, Lucet se viu surpreso ao ver que ela abriu antes mesmo que ele pudesse encostar nela, uma forte luz amarela cegando-o momentaneamente, forçando o garoto a erguer seu braço para proteger os olhos por um instantes. Após piscar algumas vezes, ele retirou seu braço e viu no canto inferior do seu campo de vista que um ser lhe aguardava com uma cara aparentemente impaciente.
Baixou seus olhos e viu que se tratava de um Gnoma. Ele tinha barba e cabelo trançados da cor negra, pele um tanto mais pálida que a maioria dos gnoma que conhecia, mais ainda muito mais bronzeada que qualquer humano ou alfae. Seus olhos eram verde esmeralda e sua expressão era uma de clara irritação, algo que se mostrou ser um fato quando ele disse, sua voz forte e grave:
— Honestamente, o que esses idiotas do ramo estão pensando? Mandando um grandalhão justamente para a minha saída! Será que ainda não conseguiram arrumar aquele maldito portal? — ele reclamou, bufando — Olha aqui o grandão, é o seguinte, não é comum os corvos maiores saírem por aqui, e como ninguém viu você entrar, vai ter que colaborar, entendeu?
Não entendendo muito da situação, Lucet acenou com a cabeça.
— Ótimo — o gnoma disse, sua expressão suavizando — Se tiver uma capa, ponha, mas não coloque sua mascara. Aja conforme eu falar e tudo vai correr tranquilamente, vou te levar até o balcão, ignore os olhares — ele comandou antes de suspirar — Se tudo correr bem você poderá sair daqui sem problemas, do contrário, prepare-se, meu povo não é tão receptivo de estrangeiros de fora das montanhas
Novamente, Lucet concordou sem protestos, ainda que um pouco apreensivo. Ele retirou sua capa azul escura e a pôs sobre seu corpo, acobertando sua expressão com o capuz. Originalmente, essa capa era apenas o manto sob o qual dormia, uma excelente capa, mas não possuía um capuz e apenas servia para proteger o corpo, mas, no tempo em que esteve treinando com Iogi, Kaella pediu para os tecelões de Alta Lustra que alterassem a capa e adicionassem um capuz. O gnoma se virou em direção ao bar, adotou um ar ainda mais profundo de indignação e disse em voz alta:
— Vocês grandalhões são sempre um problema — ele disse, furtivamente movendo seus dedos num gesto que o indicava para segui-lo — Não podem tomar uma caneca de cerveja de verdade que já saem desmaiando pelos cantos — ele então virou seu corpo por um momento em direção ao garoto, sinalizando com seu rosto que deveria seguir sua deixa e respondê-lo — Se são tão fracos para alcool, porque ainda tentam?
— Não sou ruim de alcool — Lucet engrossou a voz um bocado e improvisou, fingindo estar igualmente indignado, citando um nome de uma bebida alcóolica dos alfae — Afinal, consigo facilmente beber um barril da cerveja folha verde, mas isto que vocês bebem é quase alcool puro!
Aparentemente satisfeito com a improvisação, o gnoma gesticou com os dedos para que prosseguissem para o balcão, ainda montando a farça.
— Bah! — ele cuspiu — Folha Verde? Aquela bebida dos elfos? Você chama aquilo de alcool? Me poupe grandalhão, aquilo lá é um insulto para quem sabe beber de verdade.
Instantes depois, Lucet sentou cabisbaixo num canto mais afastado e escurecido da taverna. Conforme a guia do gnoma, que lhe passara um menu feito com tábuas de couro e folhas amareladas, ele ficou em silêncio.
De inicio, o menu parecia completamente ordinário, porém, quando viu um furtivo símbolo de um corvo na ponta direita inferior de uma das páginas, ele entendeu que, tal como a porta, aquele menu era para corvos. Circulou sua mana e ativou os olhos de corvo, estudando a página em busca de mais informações, logo, as páginas revelaram opções escritas com mana no lugar das opções normais, com nomes de pratos servindo como códigos e os respectivos preços.
Além de poções prontas, refeições super nutritivas, armamento básico e livros, o menu também tinha opções de contratar mercenários, serviços de escolta e guias locais de agências terceirizadas. O preço eram um tanto salgado para seu gosto, afinal, nenhum dos itens tinha preços menores que uma peça de ouro, mas, considerando que eram no minimo serviços de qualidade garantida pelo ninho, então, não teve escolha além de desembolsar algumas moedas.
Após pedir uma refeição reforçada e uma caixa de dez poções de restauração, Lucet tentou contratar um guia, mas o gnoma informou que não conseguiria pois dificilmente alguém do seu povo aceitaria trabalhar com o garoto. Ele suspirou e então, pagou pelo que pediu, guardou as poções no seu cinto e começou a comer silenciosamente no canto.
Apesar da música ainda tocar ao fundo, os sons de conversa e festança haviam sido reduzidos considerávelmente
“Aiai…Parece que não vai ser assim tão simples fazer essas missões…” ele pensou, levemente desanimado, “Francamente, faltar guias numa das maiores cidades de anima? Isso é o que eu chamo de…” Porém, antes que ele conseguisse completar seu pensamento, sentiu uma súbita pressão em seu ombro direito. Entretanto, Lucet seguiu o conselho do gnoma e seguiu quieto, ignorando a pressão que, honestamente, não lhe causava tanto desconforto assim e não atrapalhava a locomoção do seu braço.
Gradualmente, a pressão começou a aumentar, mas, o garoto pacientemente suportou. O Gnoma que servia no balcão se aproximou ao ver a situação, e parecia querer dizer alguma coisa, mas, apenas balbuciou algum xingamento ininteligivel e saiu quando aparentou ter visto alguma coisa. Eventualmente, a pressão era tamanha que realmente lhe causava dor, ainda que estivesse com toda a proteção da capa e seus próprios reforços mágicos, finalmente fazendo com que o garoto virasse seu rosto.
Ao fazer isso, deu de cara com um gnoma vestindo um set completo de armadura metálica com belas jóias adornando alguns pontos e brilhando com um pulsar mágico. Em sua cintura uma espada curta guardada em uma bainha de ferro escuro e em suas costas um par de machados um tanto maiores que a espada. Em sua cabeça, um capacete adornado de chifres nos lados e um rubi no centro.
— Se não se importa — Lucet disse — Estou tentando ter uma refeição em paz, poderia remover sua mão do meu ombro?
— Oho, então o grandalhão tem boas maneiras? Impressionante! — O Gnoma riu num tom sarcastico — Porém, eu me importo. É um problema para nós, os donos do chão onde você pisa, que você…Exista em nossa terra.
“É sério? Gnomas racistas?”
— Entendo — o garoto respondeu pacientemente, sua paciência rápidamente se esvaindo agora que seu ombro mostrava sinais de estar próximo do limite de resistência — Aguarde um momento.
— Como é? — O gnoma perguntou.
Lucet se virou para o gnoma que servia as bebidas e perguntou.
— Quanto lhe custaram os utensilios, as mesas, as janelas e a porta?
— Ahn? — O gnoma questionou confuso, porém, instantes depois, ele compreendeu o intuito do garoto — Preferiria que evitasse fazer isso, mas como vejo que é impossível, me dê cem peças de ouro e está tudo certo.
— Feito — Lucet disse, pagando a quantia com seu cartão antes de guardá-lo em seu cinto dimensional. Depois disso, se virou para o gnoma que observava a interação com uma expressão confusa.
— Honestamente — o garoto disse — Eu não queria fazer esse tipo de coisa na terra do meu mestre da forja, mas, vocês não me dão escolha.
— Ah é? — O gnoma zombou — E o que um grandalhão estúpido como você vai fazer contra guerreiros de verdade como nós?
— Limpar o chão com a sua cara.
O Gnoma não teve tempo de reagir quando, num piscar de olhos, Lucet se virou por completo e se ergueu, disparando sua mão no pescoço do gnoma e o erguendo pelo pescoço. O garoto riu e zombou.
— Bem, com uma barba enorme dessas, deve dar um bom esfregão.
Ele então flexionou seus joelhos, sua aura dourada envolvendo seu braço antes de conjurar a manopla reluzente, e jogou o guerreiro contra o chão. Em seguida, mudou a posição da sua mão para o rosto do gnoma antes de pressioná-lo ainda mais, amassando levemente o metal. Ele deu um passo poderoso que rachou a madeira do piso e arremessou o gnoma em direção a porta de entrada, fazendo-o deixar um rastro de faiscas, sangue, comida, bebida e mobilia tombada em seu trajeto.
No instante seguinte, todos os Gnoma presentes no bar, com exceção do dono que fora pago pelos danos que ocorreriam, se ergueram e sacaram suas armas, suas auras coloridas cobrindo seus corpos enquanto suas armas e equipamentos reluziam com a luz das gemas e encatamentos que possuíam. Observando a manopla dourada do garoto, um dos gnoma na multidão apontou.
— Cão de puritas! — ele rosnou, erguendo seu machado — Está um pouco longe de casa para erguer sua mão contra meu povo, o que lhe dá essa coragem? Acha que sua pontificia lhe protegerá?
A voz de Lucet, que antes apenas demonstrava indiferença, foi laceada com genuina hostilidade e frieza quando ele localizou o gnoma e disse.
— Não ouse me comparar ao lixo daquela congregação de malucos.
Uma aura dourada irrompeu feito fogo ao redor da silhueta do garoto, esvoaçando suas roupas e pressionando todos ao seu redor com seu poder tirânico. Ajustando sua posição, Lucet flexionou os joelhos e a costa, ergueu um pé e, quando pisou, executou um lâmpejo, desaparecendo antes de surgir na frente do gnoma e socar em cheio no estômago com a manopla dourada.
A força foi tamanha que o guerreiro sumiu com quase a mesma velocidade do garoto, reaparecendo apenas quando um estrondo ecoou numa pilastra da taverna, atraindo a atenção de todos.
O gnoma estava num estado critico. Ele tossia sangue e convulsionava enquanto a pilastra atrás de si lentamente se tornava mais e mais instável. Em seu peito, uma brilhante marca ardente do punho que o atingira acompanhado do fraco luzir das gemas que agora estouravam uma após a outra e se tornavam pó brilhante enquanto gastavam sua energia mágica para preservar a vida do gnoma.
O garoto então sacou de seu cinco uma das dez poções que havia comprado, jogando na direção de um trio de gnomas que, aparentemente, estavam acompanhando o guerreiro.
— Sugiro que levem-o a um curandeiro — Lucet disse friamente — Usem isso, não quero ter o peso de uma morte tão estúpida em meus ombros.
Assustados, o trio se destacou do resto e foi atender aos ferimentos do guerreiro. Habilmente tiraram sua armadura, e lhe deram a poção para beber, em seguida, o deitaram sobre um pedaço de mesa, atando-o com uns pedaços de pano para em seguida erguer a maca provisória e sairem apressados do lugar em busca de auxilio médico. Lucet então se virou para o restante.
“O espaço aqui é muito apertado para usar o lampêjo livremente” ele analisou ao olhar para o interior do pub “São obstaculos demais, e ainda por cima não posso revelar minha mana das sombras ou vou acabar sendo caçado por ser um corvo…Preciso dar um jeito de derrotar eles com o minimo de gasto energético possível e o mais rápido que puder, se não, eu não vou dar conta de lutar contra vinte gnomas equipados com armas e armaduras encantadas sem usar minha mana”