Os Contos de Anima - Capítulo 50
Após a desistência da arqueira, um grupo de médicos veio ao meio do campo e verificou a condição fisica dela. Tal como Lucet havia analisado, ela estava esgotada e até mesmo ficar de pé seria um grande esforço para ela, por isso, os médicos a levaram para fora do campo, assentando-a com seus companheiros enquanto lhe davam suprimentos para recuperar suas forças.
A essa altura, as forças de Lucet estavam chegando ao seu fim, e se sua previsão estivesse correta, ele só teria força o bastante para batalhar em apenas mais um combate antes de ser forçado a lutar com apenas seu corpo. Com sorte, ele conseguiria derrotar o próximo oponente, porém, aquele que restasse estaria em completa vantagem contra si, especialmente consideranto que estava descansado e já havia visto boa parte de suas técnicas, podendo estar melhor preparado para os artificios dos quais o garoto dispunha no momento.
Ele precisava urgentemente de tempo para se recuperar, ou items que pudesse consumir para acelerar a restauração de suas forças, mas diante da arena atual, ele não podia acessar seus items com facilidade e muito menos fabricar uma poção sem ser interrompido, portanto, após uma súbita inspiração ao olhar de relance para o cajado nas costas da figura mascarada, ele traçou um plano e começou a executá-lo.
— Honestamente — o garoto então disse, amplificando sua voz para se dirigir ao monarca — Apesar de minhas provocações anteriores, sua esquadra é poderosa, não posso negar. Se tivessem me atacado juntos eu certamente teria sido derrotado.
— Ora ora, meu caro Lucet — Lucis riu em resposta — O que está acontecendo, ficou com medo agora garoto? Não acredita mais ser capaz de vencer minha esquadra?
— Acreditar ser capaz de vencer… — Lucet respondeu lentamente — Eu até acredito que consigo, mas, que graça vai ter lutar nesse cenário destruído? Acha que será interessante ver um combate nesse minúsculo espaço que sobrou? Ou talvez propõe que eu lute contra o restante da esquadra dentro de uma dessas crateras? — O garoto então carregou sua voz com irônia e terminou — Isso sim daria um combate espetacular, Vossa Majestade, inclusive, se adicionar um pouco de água pode virar um combate na lama, heh!
O público nas arquibancadas ficaram enfurecidos e começaram a insultar o garoto em sua língua nativa por tamanha arrogância ao se referir ao rei, que Lucet certamente compreendia, mas pouco se importou. O monarca observou o garoto por vários instantes, ponderando a proposta do garoto.
Por um lado, ele poderia estar apenas enrolando para ganhar tempo e recuperar aos poucos sua energia, porém, por outro lado, o ponto levantado sobre a arena era válido. Até agora o combate tinha sido impressionante pela qualidade dos lutadores, mas, um campo destruído dificilmente seria apropriado para um combate descente. Após alguns momentos, o monarca finalmente anúnciou sua decisão:
— Você tem razão, criança — ele admitiu com um aceno da cabeça — Um campo como este dificilmente é apropriado para um combate — um sorriso leve surgiu nos lábios do rei e então ele disse — Neste caso, que espécie de campo seria apropriado? Deveria eu apenas restaurar a arena a sua glória anterior ou talvez você possua alguma alteração em mente?
— Bem… — Lucet disse, fingindo ponderar a idéia — Certamente restaurar a arena seria o ideal, mas, porque não tornamos damos a este desafio um pouco mais de…Natureza?
A figura mascara se virou para Lucet, curioso sobre o significado das palavras do garoto enquanto a alfae de cabelos prateado olhou para ele e deu um breve risinho, seus belos olhos violeta luzindo com interesse. O monarca olhou para Lucet e então virou sua atenção brevemente para a figura mascarada, após um instante, ele olhou novamente para o garoto e disse:
— Natureza huh? Quando descobriu? — ele questionou.
— Se leu mesmo os relatórios da minha mãe — ele respondeu lentamente — Deveria saber que um deles tentou me matar em Elysium, acha mesmo que eu esqueceria esse tipo de aura? Além do mais, que outra espécie usaria um cajado cultivado em volta de uma orbe tão carregada de aura da vida?
O monarca trouxe uma mão ao seu queixo e acenou com a cabeça, algumas informações voltando a sua mente.
— Faz sentido — Ele disse, seus olhos ponderados — Mas você sabe que um campo desta natureza vai conferir a seu oponente uma imensa vantagem correto? Porquê essa sugestão?
— Ora Vossa Majestade — Lucet riu — Eu vivi toda minha vida numa floresta e fui ensinado por vários mestres, e especialmente minha mãe, sobre tudo quanto é tipo de vida, perigos e benéfices que podem existir num ambiente assim, acha mesmo que não posso tirar qualquer vantagem disso?
O monarca gargalhou na súbita compreensão, o público encarando os dois com confusão em suas mentes, questionando exatamente que tipo de relacionamento o garoto possuía com o monarca que o preservava de ser transformado em cinzas.
— Mas é claro! — ele riu alto — Vejo que adquiriu os costumes dela! Interessante! Pois bem, seja feito como sugeriu, mas, para que o público possa acompanhar, terei de colocar alguns feitiços de monitoramento em você, está de acordo com isso?
— Sem problemas — Lucet respondeu com um aceno.
O monarca reluziu com sua aura oceânica por um momento antes de apontar dois dedos na direção do garoto e disparar três feixes de luz. Após isso, ele fez o mesmo com os alfae remanescentes no campo e então disse:
— Voltem para suas respectivas entradas da arena — ele disse para os combatentes antes de dar ordens para uma equipe de alfaes vestidos com túnicas verdes e mascáras feitas de algo similar a casca de árvore que prontamente foram ao campo e, com a ajuda do monarca e seu controle da água, começaram a manipular o campo e trazer vida a ele.
Os oponentes se dirigiram para as entradas da arena e aguardaram enquanto as transformações eram feitas. Apesar de amplificado pelos efeitos da magia, transformar aquela arena num cenário repleto de vida e natureza não era algo que os presentes eram capazes de fazer instantâneamente por maior que fosse sua proeza nas artes arcanas.
A construção do cenário levou por volta de quinze minutos. Para manter a “justiça” no combate, nenhum dos combatentes foi permitido tomar qualquer espécie de poção que ajudasse na recuperação de feridas ou energia, o que deixou Lucet particularmente irritado, mas, ele tinha seus planos, e por tal, acabou por aceitar em silêncio.
Repletas de grandes árvores, a arena agora se via iluminada apenas por numerosos feixes de luz, o que dava ao lugar, combinado com o aroma floral e herbal do lugar, uma aparência resfrescante e agradável quando comparado com o estado anterior da área de combate.
Mesmo com tantas árvores, uma espécie de “linha” fora colocada entre as árvores na forma de um túnel composto por árvores que ligava diretamente as duas entradas. Ambos os grupos entraram e se avistaram, a figura mascarada logo desapareceu para um lado da floresta, deixando a alfae de cabelos prateados aguardando no túnel. Lucet por sua vez não perdeu tempo e escolheu ir para o lado oposto da floresta, rápidamente desaparecendo entre as árvores.
Enquanto corria, Lucet reparou que, apesar de feita relativamente as pressas, a floresta surgiu de maneira convincentemente natural a tal ponto que se ele não soubesse que era uma construção dos alfae, ele teria acreditado ser uma floresta que sempre existiu por ali.
As árvores eram imensas e númerosas, suas copas bloqueando grande parte da luz solar acima da arena. As depressões criadas pelo bombardeio anterior das flechas relâmpago haviam sido reparadas, dando então lugar para um solo repleto de folhas, grama aromática e inúmeras raízes.
Por vários minutos Lucet correu e mapeou o lugar, decorando os pontos onde era capaz de executar o passo do corvo caso fosse necessário, sua adaga firme em mão para qualquer eventualidade que surgisse. Após algum tempo, o garoto se escondeu atrás de uma árvore de onde podia vizualizar a alguns metros de si a parede da arena e se sentou.
Ele sacou de seu cinto alguns ingredientes e alguns instrumentos para preparar logo algo para lhe ajudar a recuperar sua energia. Como não tinha muito contato com esse poder anteriormente, Lucet não fazia idéia do que poderia lhe ajudar a recuperar sua aura fora um bom descanso, porém, para recuperar sua mana ele tinha o conhecimento de poções e alguns extratos que poderiam lhe ajudar, portanto, tratou de trabalhar nisso.
Cobrindo seu corpo com mana das sombras, Lucet a controlou e a moldou em forma de diminutas mãos ligadas a aura cinzenta em volta de si que então começou a usar para fazer cortar, triturar e processar os ingredientes com mais rapidez antes de moê-los e, após usar um simples feitiço de água, hidratar e então misturar usando sua mão.
Os efeitos seriam melhores se ele acendesse um fogo e fervesse a poção, mas como isso entregaria sua posição com ainda mais rapidez, ele resolveu se dar por satisfeito com os efeitos reduzidos e, assim que terminou de misturar a poção, rápidamente tomou a poção, retraiu sua mana e deixou que os efeitos agissem enquanto ele descansava, guardava seus materiais e sentia a mana em seu corpo se recuperando enquanto a mana natural entrava a um ritmo mais acelerado que o normal, logo se transformando em sua energia cinzenta.
Diferente das poções que Kaella sabia produzir, ele infelizmente não era capaz de replicar a proeza e destreza de sua mãe, portanto, ao invés de recuperação instantanea, tudo que ele era capaz de produzir eram poções que aceleravam sua recuperação natural, porém, graças a exatamente essa caracteristica que ele foi capaz de sentir a diferença em suas reservas internas de mana.
Graças aos suprimentos dos alfae e os melhoramentos da dimensão luminosa de Faerthalux, ele sentia que sua afinidade com a mana havia aumentado ainda mais e, quando parou para analisar seu desempenho em usar a mana, notou que seu controle, velocidade e facilidade haviam melhorado consideravelmente após seu coma.
Ele possuia ao menos três vezes mais capacidade interna de mana do que quando lutou com o paladino Alexander e, se não fosse por que tinha acabado de acordar de um coma e estava sem prática e desacostumado com seu novo poder e força, ele estimava que poderia realizar o feito de elevação de rochas que realizara pelo menos cinco vezes antes de ser completamente drenado de sua energia.
“Gastei energia demais erguendo aquele campo!” ele reclamou em sua mente “Eu estou sem prática demais…Pelo jeito vou ter que começar todo meu treino do zero depois dessa luta…”
Após mais ou menos trinta minutos descansando com o foco de recuperar sua mana, Lucet, graças ao efeito da poção, estava completamente reenergizado de mana e se levantou, batendo a poeira e folhas das suas roupas antes de se espreguiçar.
Súbitamente, seu corpo tensionou e ele rápidamente agarrou sua arma, pronto para atacar. Sentindo uma leve vibração no solo, Lucet saltou, fincou a garra na árvore onde estava recostado anteriormente e encolheu seu corpo o máximo que pode enquanto se mantia suspenso pelo cabo. Segundos depois uma criatura estranha que ele nunca havia visto antes surgiu do meio das folhas próximas a onde ele estava sentado.
Quando olhou com cuidado, o garoto rápidamente reconheceu do que se tratava a oponente. Era uma serpente, mas não um animal comum ou um mágico, mas sim uma criatura feita de ossos decorados com símbolos luminosos, cuja a cor era metálica como prata. A criatura o fitou com as esferas de fogo azulado que serviam como olhos e, após chacoalho seu corpo e retrai-lo, saltou do chão galgando rápidamente a distância entre o solo e o corpo do garoto.
Lucet tensionou seu corpo e então desferiu um chute contra a árvore, lançando seu corpo para frente e desvencilhando a lâmina negra do tronco antes aterrisar no chão e rolar, rápidamente se erguendo a tempo de ver a serpente mais uma vez se encolhendo, dessa vez no casco da árvore onde suas presas a mantinham presas ao tronco, e então disparando em sua direção.
O garoto desviou da cobra e, antes que ela pudesse virar para ataca-lo, fincou a lâmina no crânio da fera e prendeu-a ao solo. Sem pensar duas vezes, sacou sua arma da fera mágica e pisoteu o crânio rachado até que ele fosse destruído, assim derrotando a fera.
Indiferente a sua vitória, uma segunda serpente surgiu das copas das árvores e o atacou furtivamente, porém, graças a sua audição aguçada e ao silêncio do ambiente, Lucet foi capaz de captar o som do deslocamento do ar e detectou com facilidade o ataque, mais uma vez desviando e repetindo o procedimento de exterminio da fera.
Sem dar-lhe tempo de organizar suas idéias, uma terceira serpente saltou da sombra de uma árvore próxima e, retraindo seu corpo no formato de uma mola, disparou velozmente entre as árvores antes de atacar o ponto cego do garoto, porém, apesar de não enxergar, foi capaz de detectar a oponente através do som e desviou dela ao agachar e, antes que ela pudesse aterrisar na próxima árvore, fincou a lâmina no corpo da fera no meio do ar antes de arrastá-la para o chão e destruí-la.
— Caramba! — ele disse impressionado, e ao mesmo tempo preocupado — Se eu ficar aqui parado não vai ter fim para esses ataques e eu vou morrer pelo cansaço, hora de dar o fora! — Lucet disse antes de respirar fundo e murmurar de forma que os espectadores não pudesse compreender — Me entregue a verdade!
Seu olho direito se transformou no olho de uma fera, com uma pupila vertical e coloração vermelho dourada, uma tinge de azul colorindo o mundo a sua frente. Ele então focou seus pensamentos em localizar todos os traços de poder da vida presentes na floresta, e logo, após um pulsar de seu olhos, um mapa surgiu numa tela flutuante, mostrando por volta de uma centena de pontos luminosos espalhados com fios luminosos os conectando a um grande ponto luminosos em algum lugar no centro do lado esquerdo da arena, ou seja, diretamente ao norte de sua posição atual.
“É OQUE!? Ele invocou cem dessas criaturas!?” Lucet pensou abismado “Caramba…Isso vai ser dureza…”
Lucet então posicionou o mapa mais ao lado de sua visão para não o atrapalhar tanto e, no instante que detectou dez pontos luminosos se movendo para sua posição em alta velocidade, aparentemente ignorando todas as árvores, se tocou de que eram passáros e prontamente começou a se mover.
Executando o passo do corvo, Lucet desapareceu nas sombras e reapareceu na sombra de uma das árvores mais próximas ao meio da arena, desviando da detecção de muitas criaturas, temporáriamente e podendo analisar com mais atenção o ambiente e o mapa.
Para seu desânimo, ele percebeu que o meio da arena onde ficavam as entradas estava bloqueado por nada mais nada menos que uma matilha de quinze lobos de osso, dez grandes felinos ósseos que ele não sabia dizer a espécie especifica e cinco elefantes.
“Droga!” ele pensou, “Como é que vou passar por aqui? Não consigo ver o outro lado direito e muito menos usar o passo do corvo…Passar por baixo da terra também está fora de questão pois gastaria muita mana…Ai caramba! Como que eu vou sair daqui se não da para eu passar pelo chão!”
Lucet analisou o mapa mais uma vez e percebeu que os sinais de luz haviam aparentemente havia captado seu rastro e começavam a se direcionar para sua direção, ainda que os trinca á sua imediatamente frente aparentemente não o tivessem notado. Foi então que, ao olhar mais uma vez o mapa e ver os sinais voadores disparando para sua direção que uma luz acendeu em sua mente e ele soube imediatamente o que fazer.
A aura cinzenta de sua mana cobriu seu corpo com um manto de trevas enquanto ele se afastava das árvores, se alinhando com o caminho mais reto e aberto que pode encontrar e então, após juntar um pouco de energia em seus pés, reforçando-os com sua mana, desatou a correr na direção das feras ósseas bloqueando seu caminho.
Seu coração acelerado, um largo sorriso decorando seu rosto, o garoto neste instante se sentia de volta nos dias de Elysium onde ele treinava com Kaella, aprendendo e desenvolvendo suas habilidades enquanto tentava derrotar a alfae que, mesmo ele óbviamente sabendo que não possuía a menor chance de derrotá-la, ainda o instigava a desafiá-la constantemente.
A poucos metros de distância das feras, Lucet finalmente foi notado pelas bestas enquanto corria na direção delas. Quando, porém, elas entraram em posição de combate, prontas para despedaçá-lo na primeira chance, o garoto gargalhou e, após pisotear o chão com força e injetar mana no solo, disparou para os céus ao ser lançado por uma coluna de pedra angulada que se ergueu do chão tão rápido quanto uma flecha ao ser disparada de um arco, facilmente permitindo a ele ultrapassar as feras pelo ar.
— Até mais otários! Seu mestre é o próximo haha!— ele riu, triunfante.
Segundos depois, ele aterrisou em um galho do outro lado e prontamente se direcionou para a direção da maior massa de energia no mapa, saltando como um macaco de árvore em árvore e rápidamente galgando a distância entre ele e o oponente principal.
No meio do caminho, Lucet se encontrou com diversas feras árboreas tais como cobras, macacos e passáros mais próximos que atacaram. O garoto, porém, sentindo seu corpo vibrar com energia não foi capaz de ser impedido um segundo sequer enquanto avançava, atacando com precisão e destruindo com facilidade os crânios de cada atacante, dizimando assim por volta de quarenta oponentes durante seu trajeto em questão de alguns minutos.
— Eu tenho que admitir, esse cara é poderoso! — Lucet disse, impressionado — Que eu saiba os faeram não costumam controlar grandes quantias de feras como esse cara de uma vez só, será que aquele cajado é a fonte do seu poder extraordinário?