Os Contos de Anima - Capítulo 113
A voz suave, porém imponente, de Kaella ressoou pelo espaço, alertando ambos a guarda e o garoto de sua presença. Um leve sorriso cresceu no rosto do jovem que ignorou os gestos de desculpa dos protetores e simplesmente avançou, passos largos e leves, em direção ao salão real.
Sem qualquer esforço, Lucet empurrou as portas maciças do ambiente, abrindo o local ao resplendor dos vitrais decorados e vibração arcana do centro de poder e conhecimento mágico de toda Anima. Ao adentrar, o corvo imediatamente reconheceu a presença de diversos indivíduos escondidos no salão, uma esquadra pronta para agir sob os comandos do líder dos Alfae.
Os olhos dos presentes aguardavam sua chegada, olhando fixamente para a porta com um ar de profundo interesse.
A disposição dos presentes era um tanto curiosa, uma vez que Lucis e sua companheira, a ilustre rainha de Lumina, se encontravam de pé, cada um em lados opostos de uma grande mesa circular branca. Havia também Iogi, seu querido amigo e mestre de forja Gnoma, sentado mais ao lado do rei, enquanto que Kaella estava sentada, pernas e braços cruzados com um olhar distante, como se estivesse ponderando alguma questão em particular.
Um representante dos Faeram, suas vestes em tons de forte marrom e verde, estava sentado no lado oposto de Iogi, sua expressão fechada, ou ao menos era isso que o garoto conseguia definir da face. O ser pertencia a uma tribo com traços reptilianos e suas feições não esboçavam grandes traços de emoção e, ocasionalmente, sua língua bifurcada saia por entre os lábios, sibilando, antes de retornar.
O mais surpreendente, entretanto, era a presença de ninguém menos que Luna, que o aguardava com um sorriso aberto, batendo a mão no assento ao seu lado que estava curiosamente posicionado no exato centro entre Lucis e sua esposa. Com tantas figuras importante, e seu atual estado de exaustão, o corvo se viu forçado a acelerar o passo e, prontamente, se sentou ao lado da princesa.
— O que está fazendo aqui? — Ao sentar-se, Lucet sussurrou em meio ao gesto — Você não tinha estava em Jungla Iroko negociando os acordos de aliança?
— Porque acha que ela está aqui? — A garota soltou um breve riso, indicando o representante Faeram com os olhos.
— Ela?
Nesse instante, o corvo se permitiu o luxo de reativar as propriedades do olho do tirano, direcionando a atenção para o Faeram. Perante o mundo azulado, era difícil não obter as verdades ao seu redor e, como de costume, uma tela flutuante que somente o jovem era capaz de visualizar surgiu e confirmou a fala da princesa.
Ali estava Manfir Draknai, a terceira filha da tribo serpentious, um clã de repteis ferozes que era capaz de rasgar metais comuns com a imensa força de seus músculos e secretar veneno por suas presas que era suficiente para matar a maioria das grandes feras, quem dirá um humanoide qualquer como ele.
Mesmo jovem, tendo apenas trinta anos que não eram grande coisa para um Faeram com sua vida longeva, a guerreira tinha um número considerável de conquistas de combate, bem como as cicatrizes para mostrar. Boa parte de seu corpo era coberto por vestes discretas que pareciam adequadas para uma caça, contudo, as partes a mostra carregavam grandes cicatrizes.
Seu rosto, especialmente, era uma visão feroz pois, ao olhar com mais atenção quando a representante virou a cabeça, se deparou com uma enorme cicatriz que ia do topo da cabeça escamosa, atravessava o olho direito, e ia até a lateral da boca. A cicatriz parecia advir de um evento particularmente traumático para o corpo, pois a boca se mantinha permanentemente aberta naquela parte, os tecidos incapazes de regenerar em sua totalidade.
O olho do tirano deu de encontro com os olhos da representante no mundo azulado e, naquele instante, Lucet sentiu os pelos do corpo se erguerem, algo que o fez levar a mão até o cabo da garra afixada no coldre da sua cintura instintivamente. Durante alguns momentos, nenhuma das partes desviou o olhar e, a Faeram por sua vez, guiou uma das mãos para a costa, sacando brevemente um objeto que, pelo cabo, o corvo identificou ser uma faca de arremesso.
— Lucet, acredito que este não seja o momento de medir forças com nossos aliados — O som da voz suave de Kaella chegou aos ouvidos do garoto, um certo tom de aviso e comando por trás de suas palavras — Não acha?
Mesmo com o aviso da mãe, o jovem ainda levou alguns instantes até relaxar os músculos e sentar-se mais tranquilo. Da mesma forma que o oponente retesava, Manfir fazia o mesmo, guardando a faca de volta em um coldre misterioso, cruzando os braços enquanto mantinha a atenção voltada para o garoto.
— Primeiramente… — A voz de Lucis se se ergueu acima de todos, chamando a atenção dos presentes para si enquanto tornava a atenção para o jovem — Gostaria de dar as boas-vindas e os parabéns para você, Lucet, por sua vitória contra o exército de Puritas e — Neste momento a expressão do rei se tornou monarca se tornou particularmente séria — Por conseguir derrotar um dos comandantes de Puritas, Rubro.
Um silencio se instaurou na sala após o comentário, os olhos virando ocasionalmente para Kaella, que era quem conhecia e até mesmo tinha lutado a mais tempo contra o comandante. Lucet sentiu uma tinge de culpa subir pela garganta enquanto observar sua mãe, seu cabelo carmesim reluzindo sob a luz dos vitrais, a pele pálida tal qual um mármore.
— Não se preocupem — A guardiã de Lybra arrumou a postura, voltando os olhos para a mesa de reunião — Ele estava tentando matar meu filho, não tenho qualquer simpatia pelo inimigo — Ela então sorriu gentilmente para o jovem meio-sangue, sussurrando com um traço de mana que levou suas palavras diretamente para o ouvido do rapaz — Fico feliz que retornou são e salvo, meu filho.
O garoto apenas gesticulou a palavra “Obrigado” com a boca e sorriu de volta, uma vez que Lucis tratou de continuar imediatamente após a resposta da guardiã.
— E além destes feitos impressionantes… — Junto com o comentário, o monarca moveu os dedos no ar, comandando a mana do ambiente a acumular na forma de uma esfera de pura energia que se expandiu feito um balão luminoso, reproduzindo imagens do combate — Também conseguiu encontrar um dos guerreiros mais elusivos das forças de Puritas.
Os detalhes do combate eventualmente pararam na figura luminosa e flutuante que comandava a aura da fé em um nível ao qual o jovem corvo nunca fora capaz de imaginar além de si mesmo, a própria pontifícia e Faerthalux, a deidade desta energia. Quando a gravação parou, todos observaram com apreensão a figura e, logo, o monarca levantou a voz, uma certa pressão emanando do corpo.
— O que achou, meio-sangue? — A questão, junto do nome tão mal visto pela sociedade chamou a total atenção de Lucet, que encarou o líder Alfae com certa hostilidade em resposta — Acha que consegue derrota-lo?
Por um momento, as imagens do combate correram nos pensamentos do jovem corvo, ponderando suas habilidades e revisando técnicas e aplicações de poder, porém, por mais que pensasse, não conseguia dar qualquer resposta além de uma única palavra.
— Não.
Desta vez, foi o turno das mulheres presentes na sala de tornarem seus olhos para o garoto com descrença, enquanto que o mestre Gnoma, trajado em seu macacão de trabalho causal com dezenas de bolsos e ferramentas a mostra, apenas ria com certo apreço, os dedos trançando a barba castanha. Enrubescendo na face, o meio-sangue ergueu a mão em um gesto de paz.
— Tentar lutar contra ele sozinho me traria o mesmo problema que se eu tentasse enfrentar você — O garoto olhou para o céu brevemente e apontou com um dedo — Eu não consigo voar.
Manfir levou uma mão escamosa para a fase, alisando a cicatriz enquanto sibilava, visivelmente ponderando o problema. Luna pôs uma mão sobre o ombro do corvo, dando um leve aperto em suporte, que trouxe um sorriso ao rosto do rapaz, bem como mais palavras de explicação do meio-sangue.
— Atualmente… — Lucet gesticulou com os dedos, imitando um salto antes de dar chutes no ar que pareciam passos — Tudo que fazer é dar impulsos no ar, porém, isso não é voo, é mais como alguns pulos adicionais, entende? — Um brilho dourado surgiu nas pontas dos dedos na forma de chamas que soltavam faíscas quando ele executava os passos — E esses movimentos exigem bastante energia, isso sem falar que é horrível de se manobrar em pleno ar.
— E quanto ao seu companheiro alado? Ele não poderia ajudar nisso?
— Hoje foi o primeiro voo do Draco — Sacudindo a cabeça, o jovem respondeu — Não está em condições de combate aéreo ainda — Erguendo uma mão ao queixo, o garoto comentou — Se bem que eu também não saberia como melhorar este aspecto.
— Acrediito que possso auxiiiliar nesste questão… — Suas escamas esverdeadas reluzindo gentilmente sob as luzes do palácio, a representante dos Faeram, Manfir, ergueu a mão, chamando a atenção dos presentes para si — Tive a oportunidade de observar seu parceiro através dos monitores de Alta Lustra e acredito que nós podemos lhe ajudar.
— Não está sugerindo em treiná-lo com as tropas aladas, está? — Kaella tornou os olhos para a Faeram, um tom curioso em suas palavras — Até onde sei, homens não podem treinar com elas, correto?
Por um instante, Lucet teve a distinta impressão de que sua mãe estava irritadiça com a sugestão, algo que apenas se confirmou quando ele tornou os olhos para Luna e identificou um a mesma indisposição na companheira. O meio-sangue ergueu a mão e a voz ao mesmo tempo.
— Mas o que são essas tropas aladas? Porque eu deveria ou não treinar com elas?
— As tropas aladas são um batalhão de guerreiras especializadas em combate aéreo — Kaella, suas mãos agora reluzentes com mana, explanou enquanto manipulava a esfera de imagens no centro da mesa — Existem Faeram com a habilidade de voo autônomo, mas, isso traz um grande risco para eles e, por isso, passaram a domesticar criaturas com essa habilidade para se tornar cavaleiras aladas.
Enquanto falava, a Alfae mostrou gravações um tanto distante e até um pouco borradas de Faeram montadas em criaturas voadoras batalhando em meio ao ar. Enquanto combatiam, Lucet pode identificar diversos movimentos curiosos que realizavam, tal como piruetas, rodopios, mergulhos e outras táticas que faziam o rapaz imaginar estes movimentos sendo executados por seu parceiro.
— Seria valioso aprender com estas especialistas sobre como batalhar montado em seu parceiro — Luna, sempre pontual e inteligente, adicionou com certo entusiasmo mal contido — Se puder fazer isso, seu poder de combate vai crescer radicalmente — Sua expressão, contudo, não permaneceu animada por muito tempo — Mas, como a guardiã mencionou, não é permitido aos homens treinar com as tropas aladas de Jungla Iroko, não é Manfir?
— Correeto… — A representante, suas palavras arrastadas, comentou enquanto observava Lucet com renovada atenção — Massss, acredito que é posssível fazer uma exceção para um aliado tão… — Por um instante, Lucet pode identificar um expandir das pupilas em fenda de Manfir que o fez sentir o estômago cair — formidável.
E não foi apenas o estômago que o rapaz sentiu despencar pois, logo em seguida, o ambiente começou a enevoar, a temperatura baixando consideravelmente ao passo uma imensa pressão arcana começou a irradiar do seu lado. Lucet sequer precisava olhar para o lado para identificar que espécie de expressão ou intuito passavam pela face da integrante da realeza.