Omega Hero - Capítulo 5
Empanturrado, um rapaz na arquibancada suava frio e regurgitava seu lanche de tamanho exagerado. Pestanejando, ele quase roncou enquanto respirava pesado por sentir os efeitos inevitáveis da sua gula.
Acordou, num susto, quando uma chuva de pipocas amanteigadas, vindas de todas as direções, engordurou-lhe boa parte do cabelo e do rosto.
Vendo a alegria da multidão, o rapaz fungou fazendo uma careta. Amaldiçoou sua pouca sorte por perder algo de grande impacto vindo daquele confronto que, até então, não tinha nada de emocionante (segundo ele).
Não que duelo entre pai e filho fosse um confronto comum, longe disso! Mas, comparado à luta anterior de Leonard, os poderes de ambos, Chyou e Ichiro, estavam mais para uma feira de ciências.
Na verdade, naquele mesmo dia, apenas uma pequena parcela dos jovens cadetes tinham mostrado poderes realmente espetaculares.
Portanto, tudo que impedia a plateia de dar um enorme bocejo coletivo era que o duelo em questão fluía tendo os passos de uma dança incrível.
— Vejo que meu filho largou um pouco os livros e andou treinando… Tsic.
— Se treinei ou não, isso não é da sua conta!
Pulando a alturas inalcançáveis para seres humanos normais. Correndo mais rápido do que o animal mais veloz sobre a face da terra. Tendo os músculos do corpo mais resistentes do que a couraça de um rinoceronte, ambos atacavam e se defendiam, tendo seus golpes o barulho de tufões.
E, até certo ponto, ver Ichiro congelar tudo que tocava ou seu pai, Chyou Lao, ter a ponta dos dedos em brasa feito pinos de solda prestes a derreter uma viga de ferro, tirava da plateia alguns poucos “Uau!”.
Contudo, os dedos incandescentes do pai não formavam explosões ao tocarem o solo.
Da mesma forma, dos pequenos montinhos de grama congelada não saíam correndo enormes passarelas de gelo.
— Eles estão se segurando ou o quê?
Tanto Makoto quanto Haruka olham um para o outro com certa desconfiança. Jiro, por outro lado, estalou a língua e levantou os braços.
Ele defendeu-se instintivamente, mesmo sem saber de qual crime estava sendo acusado!
— Digo, eles parecem mais fortes que o tal do Leonard, mas, tipo cadê o “pow parara pupu”? — Jiro bateu uma forte palma, e depois abriu os braços até o alto, formando um círculo — Me entenderam, né?
— Isso ae, não é aquilo ali? — Makoto apontou para o pai de Ichiro, derretendo o escudo de gelo nos braços do filho com um soco escaldante.
— Não, isso é só um “pupu”!
Sem nenhum ânimo, Jiro bateu uma leve e rápida palma fazendo um estalo.
Makoto e Haruka cruzaram novamente os olhares, completamente desconcertados com a pergunta do rapaz. Dessa vez, espiavam Jiro como aquela velha Tia da escola, observando para uma criança do primário.
— Sério? Você não s-sabe, d-disso?
— Diabos! — Makoto coçou a testa, em dúvida — Nem imagino como explicar algo tão básico…
— Pode deixar essa missão comigo, aspirante 314… Hum, quanto era mesmo?
Gao Lee tirou seu chapéu e colocou-o na frente do coração. Tão rápido quanto o sino ecoou parecido com o som do recreio da escola, seus cabelos azuis se avolumaram feito feno.
— Não, deixa pra lá! Cho tem razão, vocês jovens só dão trabalho. Ainda bem que gosto muito do meu salário!
O capitão Lee explicou para Jiro que o poder Ômega atua energizando as células humanas, e somente elas. Fora o DNA humano, nenhum animal ou vegetal pode capturar a energia Ômega.
Objetos inorgânicos idem.
O poder Ômega torna possível ao corpo humano ganhar propriedades de universos paralelos, podendo, assim, burlar as leis da física em determinado assunto.
Isso acontece dentro da esfera de poder do usuário, ou melhor, dentro do alcance do espelhamento multidimensional em seu corpo.
O poder Ômega permite burlar as leis da física sob determinada ótica, não deixando, no entanto, seu usuário moldar o universo de maneira caótica, criando matéria e energia do nada.
— …Por fim, ao sair do contato direto com o usuário, o elemento que esse controla sofre um fenômeno chamado de decaimento, voltando, aos poucos, às suas propriedades originais.
— Então, como o Leonard conseguia ter todo aquele poder?
— Fala do tal “pow parara pupu”?
— Sim, isso, capitão!
— Aff! O que você fazia no ginasial? — Lee subiu o tom de voz, quase rosnando — Ficava bem jogando aqueles telejogos de caçar bichinhos no meio da aula, né? Desisto!
Jiro envergonhou-se e virou a órbita dos olhos para cima, já que o capitão Lee, feito um bruxo, havia acertado em cheio!
Aquilo era exatamente o que o pequeno Jiro Nagai fazia escondido no banheiro, durante as aulas no primário!
— Deixa eu ver se consigo, Lee-sensei… — Makoto falou, mordendo sem muita força o polegar direito — Como explicou a tenente Cho, Leo-kun levou vantagem por terem irrigado o gramado. Além disso teve a chuva… Assim, muita água foi oferecida para ele de bandeja.
— Agora sim, eu saquei! Valeu!
— Além disso, você pode usar essa desvantagem a seu favor, caso conheça bem os vetores do seu poder… — O Capitão Lee complementou Makoto sem querer, mas logo arrependeu-se do velho cacoete de professor.
— Agora complicou de novo, argh! — Jiro puxou novamente os longos cabelos castanhos, enquanto rangia os dentes.
De forma embaraçosa, nem Makoto ou Gao Lee se prontificaram para uma nova explicação extenuante.
Até porque, se Jiro não conhecia o básico do básico, corria o risco de pifar seu cérebro, ao ser apresentado a Teoria dos Vetores do grandioso Dr. Marlakov.
Ω
No entanto, sem as complexas fórmulas matemáticas ou os enigmáticos teoremas da obra do gênio russo, a explicação se tornava bem simplória.
De forma que até Jiro pudesse compreendê-la!
Um vetor é um “Elemento da Natureza” que, apesar de não ser aquele que o usuário controla, pode utilizá-lo como intermediário para aumentar, em muito, a área de atuação e a força do próprio poder.
E, naquela luta, logo Jiro veria o uso de um vetor de forma prática.
— Então você jogou no lixo o nome que lhe dei…? — Chyou disfarçou e, logo depois, franziu a testa. Fechou levemente o olho direito antes de dar um chute descendente — Além disso, se entendi direito você queria mantê-lo em segredo, não?
— Se você está aqui, o disfarce não me serviu de nada! — Ichiro curvou-se, congelando os braços e se defendendo — Aliás, como conseguiu sobreviver à fuga da prisão? Aquilo não terminou num verdadeiro massacre?
Ichiro desferia golpes de karatê precisos, e se defendia com uma base sólida, ajudado por seu poder de congelar o próprio corpo.
Os golpes e as defesas de Chyou pertenciam a um Kung Fu mais artístico, mesclando a postura da garça com a do tigre.
Após qualquer leve abertura, Chyou conectava golpes rápidos com as pontas dos dedos em chamas, tentando dilacerar os membros do oponente.
— Você devia confiar um pouco mais no seu velho. O “Bárbaro” não é o único mutante casca grossa, sabia?
No último segundo antes de efetuar um golpe vertical, tendo na ponta das mãos garras de gelo feito canivetes, Ichiro franziu a testa e mordeu o canto da boca.
Chyou curvou-se 90 graus para trás, defendendo-se do golpe surpresa do filho. Girando em seu próprio eixo, quase acertou um contragolpe em Ichiro.
Como cada um telegrafava de forma espontânea seus truques, nenhum dos dois havia, até ali, acertado um golpe mais certeiro no oponente.
Foi quando a luta chegou ao seu clímax, semelhante ao arco de descida maior de um planador. Nesse momento, formou-se o “vetor” tão aguardado por um dos desafiantes.
Leo molhou o gramado. Seu cúmplice na plateia, controlando a pressão atmosférica, tornou o clima úmido. Kaori levantou uma cortina d’água, e Ichiro, disfarçando uma baforada de gelo seco a cada golpe, lentamente cobriu o gramado com uma densa névoa.
Aquele conjunto de passos minuciosos formavam a estratégia cabal de Ichiro. Ele planejou, sendo um dos cúmplices de Leonard, usar a prova do comparsa como passarela para a própria vitória.
A neblina, igual uma cortina de ar fria e espessa, tornava difícil para Chyou ver um pouco mais do que um vulto à sua frente. Podia, até mesmo, fazer uma mãe não reconhecer a face do próprio filho.
Ichiro disparou uma estalactite de gelo, após formá-la de uma das poças d’água congelada. E outra. E, por último, mais uma. Em todas as vezes, mirou o botão no peitoral do pai.
— Então, vai ficar escondido como um covarde, tentando me pegar de tocaia? — Chyou protegia o botão com a mão direita, repelindo todos os ataques. Porém, um último, varou seu antebraço feito um prego de gelo — Argh, agora quer me matar? Tae, gostei… tal pai, tal filh… o que?
Chyou retirou o sorriso cínico do rosto, mordendo os próprios lábios.
No último segundo, percebeu o filho correndo rápido em sua direção. Pulou para trás e quando acertaria Ichiro em cheio no seu contrapé, fora surpreendido pelo rapaz ter parado bruscamente.
Ichiro ajoelhou-se, desviando do chute, e chutou um pequeno volume d’água gelada de um dos maiores buracos no gramado inundado, onde ambos se encontravam.
Na sequência, segurando o braço ferido do pai, tendo a névoa, o clima seco e a roupa encharcada de Chyou como vetores, pisou no pequeno lago gelado, conseguindo encalacrar o odioso parente dentro de uma prisão congelante.
Ω
O pequeno bloco de gelo não era, em seu todo, uniforme. Pelo contrário, tinha o formato semelhante a uma coroa de gelo pontiaguda.
Apenas partes do pescoço e a cabeça de Chyou ficaram fora daquele conjunto de raivosas estalactites.
Ofegante, Ichiro rapidamente recolheu forças para se levantar. Escorando-se nas várias flechas de gelo, ele chegou bem perto daquele que, outrora, chamava carinhosamente de pai.
— Eu venci! — Ele falou com a voz rouca e embargada, tendo suas cordas vocais ainda congeladas.
— Tem certeza, bastardo da família Fugatsu?
— Cala a boca! — Ichiro tateou o bloco de gelo, procurando por um botão solitário — Apenas aceite que perdeu…
Afastou-se, de repente, ao ouvir os gritos de uma grande quantidade da massa de gelo se estalando. Sentiu também a bruma de um calor infernal.
O bafo escaldante o fez suar, mesmo tendo seu corpo congelado igual um sorvete.
Em poucos instantes, todo o bloco de gelo onde Chyou estava preso despedaçou-se como várias peças de um lego.
Ao se ver livre, o prisioneiro soltou uma gargalhada até maior do que quela quando fora liberto das correntes.
“Que merda!”. Ichiro pensou ao ver uma lava rubra e fervente escorrendo do braço ferido do pai. A ferida de Chyou parecia a boca de um vulcão em erupção. O líquido era tão quente e intenso que, em vez de sangue, tinha as cores do magma do sol.
Contrariando a explicação de Lee, o sangue fervente não fazia a menor menção de perder força ao pular do braço do pai, e entrar em contato com as poças d’água.
Ao invés disso, ferveu toda a água do local e ainda devorou o poder Ômega da massa de gelo dilacerada, se expandindo de forma circular para alguns metros de distância de Chyou.
Pela primeira vez naquele duelo, Ichiro sentiu um medo galopante, pensando na própria derrota.
“Então, esse é o dito pavor que acomete todos aqueles que enfrentam um mutante?”. Ichiro pensou, tentando tomar uma decisão.
Viu o pequeno lago em brasas incendiar a parte traseira da sola dos pés do pai, deixando claro que a estranha lava também o feria.
Em contrapartida, seu pai teria uma enorme vantagem se usasse o líquido incandescente contra o filho, já que ele parecia se alimentar do poder Ômega.
— Droga, pra me atrapalhar você tinha que ser um canalha de um mutante! Pausa, professor!
Levantando os braços, Ichiro tomou sua decisão!
Olhando o relógio central, torceu para que uma breve pausa de 30 segundos fosse suficiente para dissipar aquele poder aterrador.