O Velho Novo Mundo - Capitulo 2
O Velho Novo Mundo
Capítulo 2 – Destrinchando O Novo e Revendo o Velho
O sol se erguia, espantando a escuridão. Damiano, já exausto, tomba logo após comemorar sua vitória, a fome, os ferimentos e o cansaço haviam-no alcançado.
Seus olhos fecham-se e sua mente flutua entre suas memórias, como se estivesse em um estado de projeção astral.
Ao abrir seus olhos, Damiano agora estava na calçada de uma cidade movimentada, estava surpreso, era um local muito diferente da fria caverna.
O céu era azul e o sol raiava, e pessoas andavam ao redor dele, mas estranhamente não pareciam poder vê-lo.
Rapidamente Damiano tem sua mente inundada de pensamentos. “Palermo”, ele pensava ao olhar em volta.
Foi rápido para ele descobrir onde estava, aquela cidade estava marcada em sua memória, afinal era onde ele havia crescido e morrido.
“Será que morri de novo? Não, devo estar só sonhando, não é a mesma sensação.”
Ele aceita o fato de estar sonhando e se acalma, então, com um pouco mais de clareza, Damiano decide experimentar um pouco a cidade. Assim como faria em um sonho qualquer.
Sua intenção era se divertir um pouco e matar sua saudade da cidade, mas tinha algo o incomodando na cidade, e Damiano não sabia o que era.
Mesmo com essa pulga atrás da orelha, ele dá uma chance para aproveitar a cidade por um tempo. E ela era exatamente igual a Palermo em que havia vivido.
A cidade estava cheia de pessoas, o sol raiava forte enquanto a brisa do mar levantava a poeira das ruas que eram repletas de vendedores e dos becos com seus mafiosos mal-encarados.
Tudo estava como era antes de sua morte. Talvez mais antigo. Depois de um tempo apreciando a cidade, sem nem perceber, a mente de Damiano é sugada em uma espiral quase hipnótica.
A sua aparência, que era a mesma de antes da sua morte, o ajudava a entrar no transe da nostalgia. Com estes estímulos, não demorou para que a mente de Damiano cedesse, o fazendo desistir de sair dali.
“Estou cansado, aquele lobo acabou comigo. Eu não sirvo para isso, talvez eu só devesse ficar…”
Mesmo sabendo que tudo isso era um sonho, Damiano queria ficar ali, seu corpo estava cansado e sua mente não estava melhor.
Mesmo que Damiano não gostasse muito do sonho, ele pelo menos era familiar. Diferente do mundo cruel onde estava seu corpo.
A triste caverna, a fome, os perigos e principalmente a falta de pessoas. Tudo isso era hostil e cruel demais para que Damiano sequer gostasse de sua situação.
A vontade de Damiano em continuar no sonho já era certa em seu interior e, aos poucos, esse sentimento o consumia.
Isso perdurou até Damiano encontrar um erro em seu sonho: as pessoas. As pessoas eram perfeitas de aparência, iguais às da realidade, mas faltava algo e Damiano percebeu isso.
Damiano sabia entender os outros e isso vinha de sua capacidade de ler os olhos das pessoas, e aí estava o erro. Todos tinham algo nos olhos, mas as pessoas que estavam pela cidade não tinham nenhum brilho nos olhos.
Isso o fez se lembrar de onde realmente estava e o que estava acontecendo. Seu cérebro então se adaptou à situação rapidamente.
“Os ferimentos devem ter me derrubado, eu preciso acordar, se eu passar muito tempo aqui, minha mente vai me consumir.”
Rapidamente Damiano começa a procurar uma forma de acordar, mas coisas como se machucar ou interagir com os outros não funcionavam. Todos pareciam ignorá-lo e ele não se machucava com nada.
Isso continuou até ele ser esbarrado por um pequeno garoto. A criança rapidamente se desculpa e segue seu caminho, sumindo na multidão.
Damiano primeiramente ignora, mas ao voltar seu olhar ao garoto ele vê algo que o choca mais do que a visão de Palermo.
Aquele garoto, franzino, vestindo fiapos e que estava batendo carteiras pela rua era…
— Sou eu? — murmurava Damiano, espantado com aquela visão.
Depois do choque inicial, ele rapidamente corre em direção ao garoto, não se importando em quantas pessoas iria derrubar ao esbarrar.
O pequeno Damiano, ao perceber que estava sendo perseguido, corre mais rápido ainda.
Após muitas ruas percorridas e muitas pessoas derrubadas, o pequeno escapa entrando em um beco. Damiano, que o perseguia, entra no beco e não o vê mais.
Com isso, Damiano se surpreende um pouco. Mas, após um segundo, abre em sua face um orgulhoso sorriso.
“Não lembrava que já era tão esperto assim.” Damiano se aproxima de uma das latas de lixo no canto do beco, vê o X marcado em sua tampa e como esperava, ao abri-la, ele encontra o pequeno ladrão.
A criança tenta escapar pulando da lixeira, mas não tem chances contra seu ‘eu’ crescido, que era muito mais forte. Ele é agarrado por Damiano, que sem pena o joga no chão.
O garoto tenta fugir, mas Damiano é mais esperto e ameaça que iria tirar algo da cintura, e a criança desiste na hora.
Sabendo que lutar era inútil, o menino tenta outro método. A nova abordagem da criança era chorar, jogando fora toda a sua honra pela sobrevivência.
O pivete então se ajoelha no chão e começa a pedir perdão.
Nesse momento, Damiano pôde ver que, diferente dos outros, sua versão infantil tinha olhos vivos e brilhantes.
— Senhor, eu estou com fome, me desculpa, eu tenho que sobreviver — chorava o pequeno.
— Se eu não levar dinheiro pra eles, eu morro. Por favor, me perdoe — continuava o garoto entre soluços.
Enquanto o pequeno chorava, Damiano o analisava. Ele era pequeno, magro, seus cabelos estavam sujos, mas o penteado continuava arrumado.
Depois dessa bela performance repleta de mentiras contadas pelo garoto, Damiano não tinha mais dúvidas, aquela criança era ele.
Sem pensar muito, ele decide não querer tentar despertar, por enquanto. Damiano queria encontrar algo.
— Quieto garoto. Eu não vou te machucar e sei que você está atuando. Eu quero falar com o Luccio, você sabe onde ele está?
O pequeno Damiano cessa o choro instantaneamente e com um olhar sério, encara desconfiado a figura mais velha à sua frente.
O garoto então se levanta e pergunta:
— Por que você quer ver o chefe? E como você conhece ele?
“Essa é a última chance que eu tenho para ver o Luccio de novo, não vou desperdiçá-la, mesmo que seja perigoso pra mim ficar aqui muito tempo, eu tenho que arriscar.”
— Eu sou da família Colombo, estou a serviço do Rússo, se quiser evitar uma guerra, eu preciso ver o Luccio.
Sem tentar esconder-se, o pequeno olha desconfiado para o rosto do homem em sua frente, tentando encontrar sinais de que Damiano estava mentindo olhando seus olhos.
O garoto se perguntava o porquê de ninguém ter dito que os homens do Rússo estavam vagando pela região.
“Bom, se eu levar esse cara lá e ele estiver dizendo a verdade, vai dar tudo certo. Se ele for um inimigo e isso for uma emboscada, há, ele dorme com os peixes.”
Durante esses poucos segundos, Damiano sabia o que o garoto estava fazendo e mentalmente, caçoava disso.
Mas claro que, mesmo enquanto debochava mentalmente de sua versão infantil, Damiano ainda mantinha sua face fria e séria sem demonstrar nada.
“Eu minto melhor do que você consegue perceber, criança.”
Sem encontrar nenhuma mentira e sem muitas opções, o garoto pede para Damiano segui-lo, mas antes pergunta seu nome.
— Luca, Luca Marco é o meu nome, e o seu, moleque, qual é? — dizia Damiano mentindo sem medo.
Depois de uma pequena tosse sem olhar para o rosto do mais velho, a criança responde:
— Damiano, eu me chamo Damiano, senhor Marco.
Depois de ambos se apresentarem, eles partem até o covil onde Luccio estava. Como um dos soldados mais importantes da família Genovese, Luccio não estaria em um local comum.
Após um tempo andando entre vielas, os dois chegam ao bar que servia de esconderijo, era feito de madeira e sua aparência era velha e acabada.
Na porta estava escrito o nome daquela espelunca que se dizia bar.
“Bicchiere Pieno. Faz tempo que eu não volto para esse terrível e aconchegante ninho de criminosos.”
Ao entrarem, os olhares de todos se voltam aos recém-chegados. Um rosto estranho não era bem-vindo neste lugar.
Damiano pôde contar pelo menos 5 sujeitos armados, cada um mais mal-encarado que o outro.
“Se eu tivesse vindo aqui sozinho, já teria virado um queijo suíço.”
Mesmo com os olhares maliciosos desviando sua atenção, Damiano prestava atenção naquele lugar.
Rústico era uma palavra apropriada. As janelas tinham uma película negra que impedia de ver o interior por fora, lá dentro tinham poucas mesas e todas estavam sujas.
O balcão era imundo e atrás dele tinha uma prateleira de vinhos e bebidas falsificadas, a má iluminação feita por uma só lâmpada não dava conta do local até que grande.
Isso deixava tudo com um toque mais amedrontador. O bar tinha um segundo andar e era lá onde Luccio ficava.
Enquanto Damiano admirava o local, o menino andava até o balcão, falava algo para o barman que, após ouvir, sobe as escadas com pressa e bate na porta trancada que dava ao segundo andar.
Enquanto o barman subia as escadas, todos no bar murmuravam sobre Damiano.
Agora estavam todos prestando atenção nele e não era uma boa atenção.
A maioria estava com a mão em suas armas só esperando o sinal de seu líder, enquanto a tensão no bar aumentava o garoto vinha até Damiano.
— Ele está descendo, senhor. Só nos dê um minuto — dizia o pequeno com um olhar um pouco nervoso em seu rosto.
Não muito tempo depois a porta se abre, e de lá desce Luccio. O homem mais próximo de um pai para Damiano, aquele que o acolheu das ruas e o ensinou tudo sobre elas.
Enquanto Luccio descia as escadas, Damiano começa a relembrar sobre a aparência de Luccio e ela continuava a mesma.
Luccio usava um colete cinza, uma calça preta e tinha uma 9mm na cintura, ele era alto e forte, sua barba era mal feita, o cabelo estava um tanto longo e começava a ficar grisalho e sua pele era branca queimada.
Havia uma cicatriz no canto esquerdo do seu lábio que descia até o queixo. Segundo ele, isso era o que o ajudava com as mulheres.
O que mais chamava a atenção eram seus olhos de cores diferentes. O esquerdo era verde e o direito azul. Isso junto a sua habilidade com assassinatos o dava o título de “Drago bicolore”.
Ele se aproxima de Damiano e oferece sua mão para um comprimento enquanto sorria.
— Você já me conhece, mas eu prefiro me apresentar mesmo assim. Sou Luccio e este pequeno aqui — diz ele enquanto bagunçava o cabelo do garoto contra sua vontade.
— Esse é o nosso menino de ouro, espero que ele não o tenha irritado. O pequeno tem talento para agir antes de pensar.
Damiano oferecia um sorriso respeitoso em seu rosto e se apresentava, mas sua mente estava em frangalhos.
“Eu devo estar com 10 anos aqui, então não deve demorar muito tempo até que Luccio morra pelo meu erro. Isso é um sonho não é? Então fodasse”
Sendo impulsivo, Damiano faz algo que ninguém ali esperava.
Quando ambos terminam de se apresentar, Damiano se aproxima de Luccio e rapidamente o abraça.
Os soldados do bar, achando que aquilo era um ataque, miram suas armas no corpo de Damiano, que continuava abraçado a Luccio.
Damiano havia passado pouco mais de 2 minutos na presença de seu pai adotivo, mas já havia entendido que, diferente dos outros, ele tinha brilho nos olhos.
Não só isso, sua aura era igual à do Luccio da Realidade, ele exalava gentileza, classe e Damiano se sentia protegido por ele.
Esses foram os últimos momentos de Damiano no sonho, já que quando os gatilhos foram puxados o mundo ficou preto e então Damiano estava novamente na caverna.
A fria e solitária caverna… Enquanto olhava o teto de pedra, lágrimas salgadas desciam dos seus olhos.
— Desde quando eu me tornei tão chorão? — dizia Damiano enquanto ria ainda cansado fisicamente e mentalmente.
Um suspiro vinha depois de suas risadas, e isso só tinha um único problema. O suspiro não era de Damiano.
Ao se levantar assustado, Damiano olha em volta procurando a fonte do barulho, não demorou muito para Damiano ver que não estava tão solitário quanto imaginava.
Um homem estava no canto da caverna, o observando.
Seus olhos de cores dourado e azul brilhavam nas sombras junto de uma cicatriz dourada em formato de raio que vinha da testa até o queixo.
A figura era quase imperceptível. Parecia que poderia desaparecer se Damiano desviasse um pouco o olhar.
Suas roupas eram completamente negras, sua pele escura destacava seu cabelo prateado.
Sem se mover, a figura perguntava:
— Quem é você?
◦╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╲◇╱╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳╳◦
Obrigado por ler.