O Último Confronto - Capítulo 2
A lua ilumina o rio onde o espadachim toma seu banho. O sangue dos bandidos não sai de suas roupas e por isso ele procura algo para vestir na carroça do jovem comerciante, agora sem vida. Ele acha dois grupos de roupas e vê o que está dentro das caixas que o jovem carregava.
Roupas masculinas e femininas, acessórios e calçados. O jovem aparentemente era um comerciante de roupas. O tecido de seus produtos era macio, confortável, cheiroso, tudo de altíssima qualidade.
Uma melancolia tomou conta de Sidarta, mas dessa vez por motivos diferentes do que o habitual. Ele refletia em como não sabia nem ao menos o que aquele jovem fazia para viver.
Nunca lhe fez perguntas, nem tentou melhorar suas interações. Além de causar sua morte, ele sabia que não fez seus últimos dias tão bons como ele merecia.
Ele não devia usar suas roupas. Queimou todas, e as cinzas foram jogadas no túmulo do garoto. E por fim, antes de seguir seu caminho, se fez uma última pergunta:
— Qual era o seu nome, garoto?
Assim ele ia para os portões de Xie Zhou, vestindo a forma mais pura de sua essência, um manto de sangue.
Entrando na estrada para a cidade, algumas carroças e grupos de viajantes a cavalo se tornaram abundantes. Os animais com semblantes cansados de carregar caixotes em seus lombos, deixavam aparente a longa viagem que muitos assumiam para chegar na cidade dos sonhos.
O sonho dos loucos quase podia ser visto pairando suas cabeças: Dinheiro. Todos pareciam estar sedentos por isso, a ganância os fazia correr perigos atravessando colinas, fugindo de ladrões e enfrentando condições horríveis.
Porém tudo faria sentido quando chegassem em Xie Zhou. Lá era o mundo onde sonhos se tornam realidade, o lugar que todos enriquecem. Essas ilusões puxavam desiludidos da vida para Xie.
Olhos vidrados no futuro. Mesmo cansados e a ponto de colapsaram, tudo se resolveria quando chegassem em Zhou. O samurai sentia pena daquelas pessoas. Ele sabia da verdade, a sujeira da cidade dos sonhos.
Observando aqueles alucinados por dinheiro, um homem o chamava atenção. Olhos tão mortos como o dele, uma expressão gélida, um andar desanimado e sem caminho. Por um segundo Sidarta não imaginou estar vendo um morto andando, mas quando o homem tossiu e tropeçou no chão caindo com suas mercadorias, essa possibilidade se esvaiu.
Pedaços de madeira talhados com nomes de Deuses, essa era a forma de viver daquele mórbido homem. O samurai se aprontava para ajudá-lo a apanhar os produtos espalhados pelo chão.
— Obrigado pela ajuda…
A voz diminuída e fraca nem parecia que estava realmente agradecida. O homem não se importaria de deixar as suas coisas no chão, talvez até preferisse assim, tudo largado e à mercê da terra.
Antes de ir embora, um dos nomes das tábuas talhadas chamava atenção de Sidarta, que olhava-a por alguns segundos. O homem percebeu o interesse do samurai, despertando um sentimento bom dentro de si.
— É o Deus da morte, Akunai.
Com um entusiasmo contrário a si mesmo, o homem explicava a que Deus aquele pedaço de madeira fazia homenagem.
— Ele é um deus esquecido, as pessoas substituíram ele por Gamara a Deusa do pós-vida. Mais confortável que morte não acha?
Um pequeno riso no rosto até pouco morto, trazia um alívio que o Samurai não esperava. Então o homem realmente não era um morto ambulante, não como o Samurai pelo menos.
Por estar escuro ele demorou para perceber as várias cicatrizes no braço daquele homem que fedia a morte. Um cheiro que por sinal, não incomodava o samurai. Seus olhos eram fundo e seu cabelo era ralo, lhe dando ainda mais um ar patético.
Os dois seguiram juntos na fila para entrar em Xie Zhou e o homem entretia Sidarta contando a história de Akunai.
No princípio tudo foi criado por Deus. A terra, o mar, o céu, os animais e o homem. Nisso Deus também criou outros semelhantes a si que ajudariam a comandar tudo. Ele deu a cada Deus criado, um propósito.
Akunai foi responsabilizado por dar fim a vida de todos os seres, que até aquele momento eram imortais. Criou os animais comedores de carne e também um plano para onde todas as almas iriam após falecerem.
— Ele é o responsável por todos terem um fim da vida, Gamara apenas leva todos para o outro plano, mas por causa do novo governo, tudo de Akunai foi apagado e Gamara se tornou a Deusa que criou a morte, mas eu sei que não é verdade! Um dia verei o glorioso Akunai com meus olhos e esse dia não está longe.
Sidarta gostou da história, pois era um conto que nunca ouvira. Mas a alegria do homem com a morte o incomodava profundamente. Ele não sabia qual vida o homem havia levado, mas não entendia como alguém podia ter tanto entusiasmo com o fim.
— Meu nome é Dazai, como o guerreiro se chama?
— Sidarta Gautama.
A voz do samurai gerou calafrios em Dazai. Finalmente o homem calou a boca e prestou atenção no samurai. Os olhos carmesins e um rosto fechado e quadrado lhe dava uma imagem de arrepiar, e o patético homem gostava.
“ Ele parece até um shinigami… “
A caracterização que Dazai criara em sua mente o divertia. A cena do um enviado de seu Deus para lhe levar para o tão aguardado descanso final, crescia o entusiasmo em viver até esse momento queimar dentro de si.
Já perto dos portões principais, Sidarta percebia o quanto a arquitetura da cidade dos sonhos se tornou agigantada. Os muros grossos e com detalhes de ouro em suas bordas, eram protegidos por centenas de arqueiros e metralhadoras de flechas prontas para atirar em quem não fosse bem-vindo.
Sidarta ainda não havia formulado um plano para entrar na cidade. Estava coberto de sangue, os guardas não deixariam alguém suspeito como ele adentrar aquela cidade quase impenetrável.
Ele era o próximo da fila e seu único plano era entrar à força. Talvez pular pelos guardas ou até atordoar eles. Não importava como, mas ele precisava entrar em Xie Zhou.
Pronto para fazer uma entrada forçada, Dazai cutucava as costas do samurai.
— Relaxe amigo, eu lhe darei auxílio.
O morto-vivo passava na frente e falava em nome dele e de Sidarta.
— Dazai haguishikata e esse é o meu guarda costas, Sidarta Gautama.
— Porquê ele está coberto de sangue? — o guarda julgava o samurai olhando-o da ponta dos pés até a cabeça.
— Bandidos, ele se mostrou merecedor de seu salário, haha.
Dazai puxava Sidarta e tentava passar pelos guardas, mas eles fecharam o caminho com suas lanças.
— Você nem ao menos tem uma carroça e espera que eu acredite que tem dinheiro para pagar um guarda-costas?
Dazai ficou sem resposta e perdido. Nunca passou pela sua cabeça que o plano daria errado. Sidarta calmamente colocava a mão por cima de sua espada, pronto para qualquer conflito.
— Além disso, eu consigo ver uma madeira talhada com o nome do desertor Akunai gravado em uma dessas suas tábuas de merda!
Dazai começava a se desesperar e o guarda o ameaçava com sua lança. Pronto para dar voz de prisão ao viajante mentiroso, o guarda era surpreendido por um pisão no rosto.
Sidarta via que não conseguiria passar de forma pacífica e decidia seguir forçadamente. Usando o rosto do guarda como base, ele pulava todos os guerreiros com lanças, que por conta da ação inusitada, tiveram suas reações atrasadas.
Quando a surpresa passou, os guardas começaram a perseguir o samurai. As metralhadoras de flechas e arqueiros fixaram nele, mas já na rua principal cheia de pessoas, era impensável lançar uma chuva de projéteis cortantes.
O samurai corria entre a multidão de pessoas enquanto os guardas, por conta do peso de suas armaduras, tinham dificuldade de retirar todos da frente.
Becos e mais becos eram usados para despistar todos os guerreiros, que eram treinados para lutar e não correr loucamente atrás de alguém. O grande tráfico de pessoas e a agilidade superior de Sidarta fizeram os guardas perderem o guerreiro de suas vistas.
Após se certificar que tinha despistado os guardas, o samurai procurou uma loja de roupas e trocou no vestuário dela. Após um tempo dentro da loja ele voltou para as ruas.
Por toda a agitação de mais cedo ele não percebeu como era complicado andar nas ruas de Xie Zhou. Todos pareciam ter um lugar para ir e sem se importar em passar em cima de qualquer um que estivesse pela frente. Mesmo a largura estendida da rua não era o suficiente para caber tantas pessoas.
Além disso, ainda haviam diversos comerciantes por toda a calçada. Bancas, tendas e mesas repletas de mercadorias e serviços eram anunciados freneticamente. A luta pela atenção de quem passava valia tudo. Pessoas cortando frutas com espadas à cuspiradas de fogo para chamar atenção.
Entre esbarrões e empurrões, o samurai encontrava um hotel. O letreiro gritava em vermelho e amarelo o nome do estabelecimento: Hotel Karakura.
A impressão é que a qualquer momento o lugar desabaria. Marrom desbotado pintava as paredes do lado de fora. As portas mereciam ganhar um óleo em suas dobradiças. E a falta de janelas trazia a tona como não queriam que vissem como era por dentro.
O interior era aberto, mas nada receptivo. Era escuro, iluminado apenas por pequenas velas em pontos estratégicos para o ambiente parecer mais claro do que era.
Mesas e cadeiras encardidas do tempo e uso, o chão era de terra e de alguma forma inexplicável para Sidarta, apresentava um segundo andar onde ficavam os quartos.
Uma mulher magra que dava a impressão que não comia a dias se assustava com a entrada de Sidarta. Clientes não apareciam a muitos dias, o que causou um profundo desânimo na dona, que ao ver o samurai correu de trás do balcão para atendê-lo.
— Bem vindo a Karakura! Nós temos a melhor comida do bairro Xinou e as melhores camas de palha de toda a cidade! — A mulher arrastava o samurai para uma das mesas — O que o traz a Xie? Uma mulher eu imagino, já que você parece ser alguém tão másculo e viril!
Já era a segunda vez no dia que alguém falava tão animadamente com Sidarta, o que o esgotava bastante.
— Eu apenas gostaria de um quarto, não sei por quanto tempo ficarei — Do bolso ele sacava algumas moedas de prata e pousava-as em frente a mulher — Espero que isso dê para alguns dias, se precisar de mais é só falar.
Estrelinhas reluzentes piscavam nos olhos da dona de Karakura. Numa velocidade cartunesca ela guardava as moedas num saco e aparecia atrás do samurai oferecendo uma massagem.
Prontamente ele recusava e pedia seu quarto, já que estava tarde da noite. Ela o levava para o andar de cima e lhe apresentava seu quarto.
— Essa corda é a tranca, você passa ela pelo buraco e dá um nó — a mulher demonstrava ao samurai como “ trancar “ a porta — Você não gostaria que eu lhe preparasse um jantar? Uma sopa de pássaro que fiz mais cedo ainda está boa, é só esquentar que fica uma delícia!
— Não, eu gostaria de dormir agora.
— Imagino que sim, bom, tenha uma boa noite Senhor…
— Sidarta.
— Senhor Sidarta.
A dona do hotel surpreendia o samurai abraçando-o com lágrimas nos olhos e descia as escadas. Para Sidarta ela parecia estar muito agradecida, o que o trazia uma ponta de alegria no peito.
Dentro do quarto, o samurai se colocou a meditar na cama de feno no chão. Um mantra antigo era entoado enquanto a respiração de Sidarta enfraquecia. Seu coração estava tão lento que cada batida demorava segundos para acontecer.
Nesse estado ele conseguia sentir a natureza ao seu redor. Em posição de lótus a flutuação era algo natural. Seus cabelos levitavam também.
Dourado vinha do teto do quarto e abraçava o samurai. Nesse momento ele poderia ir em paz, partir sem dor.
Porém o auto-ódio que sentia não o permitiria sair desse mundo tão tranquilamente. Escorria sangue da cicatriz em seu lábio e a imagem do jovem morrendo em sua frente cobria seu pensamento, seguido de muitos outros rostos mortos.
A luz dourada esvaziava ao seu redor e ele caia na realidade. Sua respiração voltara ao normal e ele já não sentia o ambiente. Seu arrependimento cortara a ponte para a divindade.
— Eu acho que ele não salvou minha alma…
Sidarta deitava na cama e olhava com tristeza para o teto cheio de buracos.
— Não posso ser salvo… Né Kyo?
Sidarta fechava os olhos e tentava dormir, mas era em vão. Mais uma noite sem sono.