O Último Confronto - Capítulo 1
Espadas se gladiando é uma imagem linda de se ver. Um erro é o mesmo que o fim. Mais que a lógica, o instinto sobressai na mente daqueles em um embate de vida ou morte. Normalmente esses combates são bilaterais, mas o que está na minha frente só possui um lado.
A lâmina desse samurai é diferente de tudo que já vi, ou ouvi falar. Eu não posso segui-la, mas o corte vem mesmo assim. O sangue escoa das feridas e o homem detentor de tal técnica parece indiferente quanto a seus adversários.
Força, é o que esse homem emana. Uma avassaladora e bruta força. Os 10 bandidos que cercaram-me estão no chão, mortos. Alguns sem cabeças e outros com seus corações apunhalados.
Só um homem em pé, calmo e vitorioso, guarda sua arma e se dirige até mim.
— Para onde vai?
Uma voz rouca esmurra meus ouvidos.
— Xie Zhou, tenho negócios lá.
— Pode me levar contigo?
Que pergunta boba. Depois de salvar minha vida e mercadoria não é mais que minha obrigação levá-lo comigo.
— Claro! Pode sentar-se ao meu lado.
— Desculpe, mas se não se importa prefiro ir lá em cima.
Eu não pensei que ele poderia fazer piadas e por isso levei suas palavras a sério.
— Não me importo, mas acho que é um pouco desconfortável…
— Tudo bem, prefiro assim.
Como um animal, o samurai salta e aterrissa na parte superior de minha carroça de carga. Em posição de lótus, ele fecha os olhos e fica assim durante todo o dia.
Eu gostaria de lhe fazer mil perguntas, mas a coragem me falta. Já andei por muitos lugares nessa vasta terra, mas nunca vi tão grandiosa aura.
Não! Eu minto. Uma vez a alguns anos vi outro samurai com aura tão forte como esse. Mas sua técnica era diferente. Suave como um voo de um pássaro, sua lâmina dançava com os pescoços de todos os seus adversários.
Imagino como seria um embate entre dois tão sublimes guerreiros. Nada menos que divino, com toda a certeza.
Com o chegar da noite, me vejo na obrigação de montar o acampamento sozinho, afinal pedir ajuda de meu salvador seria algo completamente fora de modos. Mas o homem pensa diferente de mim.
Quando saio de minha carroça com um machado para pegar lenha, o meu salvador já está com gravetos e toras de madeiras embaixo do braço.
— Senhor! Não precisava me ajudar com a fogueira, eu vou arrumar tudo sozinho!
— Não se preocupe comigo, odeio que as pessoas façam as coisas por mim.
Não posso deixar ele me ajudar, não mesmo. Rapidamente puxo a lenha de seus braços e percebo como são pesadas. Porém não me abalo com o peso e com dificuldade levo elas até um espaço vazio perto da estrada.
Acendo a fogueira o mais rápido possível e logo coloco dois panos no chão para podermos descansar melhor.
— Não quero ser rude, mas você já salvou minha vida e não posso deixar de pagar essa dívida impagável.
— Não é bem assim…
Acho que nesse momento estava com um rosto determinado, já que o samurai desistiu de tentar argumentar comigo e logo deitou-se no chão.
Algum tempo eu fiz o mesmo. Demorei a dormir, seja pela fome de não ter jantado, ou por ter conhecido tal figura naquele dia. Deixando de lado minha insônia, meu sono foi realmente pesado e profundo.
No outro dia, a luz da manhã me acorda junto de um cheiro muito comum em meu apetite. Peixe assando na brasa.
— Tem um rio aqui perto, quando fui me lavar também pesquei alguns peixes para podermos nos alimentar.
Nossa, realmente sou um imprestável por deixar meu salvador buscar comida para mim. Como o delicioso animal com o coração pesado e com o pensamento que com certeza pagarei esse homem um dia.
— Você é muito intenso garoto, não devia ser tão grato assim.
O que?
— Eu posso ter salvado sua vida, mas não sua alma, não necessito de um tratamento de vassalo.
As palavras do samurai me acertaram por um todo. Que grande homem eu havia encontrado!
— Senhor, por você ter me livrado da morte, posso tentar melhorar minha alma mais e mais agora! E tudo que quero é ser útil a ti para sumir com esse sentimento de ingratidão dentro de mim!
Eu disse tudo que queria de forma clara, sem deixar uma palavra solta na garganta. Era esperado algo de meu salvador, porém ele não disse nada e permaneceu quieto por um dia inteiro.
Não sei se disse algo que o tenha ferido o orgulho ou seus sentimentos. Espero que não tenha sido nada que eu disse e sim uma reflexão que pude proporcionar a ele.
Quem quero enganar? Com certeza disse alguma besteira! Já faz um dia desde que o samurai disse alguma palavra.
Também me abstive de proferir algum som, porém não consigo suportar mais esse silêncio inquietante!
— Por favor, Samurai, diga algo! Já faz 1 dia de viagem que você me livrou de ouvir sua voz!
Algo fora de minhas expectativas acontece. O homem que havia permanecido sério até agora e não mostrou expressões, finalmente me mostra um pouco de sua humanidade demonstrando um rosto surpreso.
A forma precoce com que gritei com ele deve ter o deixado assim.
— Me desculpe se meu silêncio o incomodou, pois sou sempre assim, se quiser posso tentar ser mais proativo em nossa curta relação.
— Não, eu só imaginei que tivesse dito algo que desagradasse o senhor…
— Bom, não foi esse o caso e mesmo que fosse, qual o problema?
— O problema é que o senhor salvou minha vida e…
— De novo isso — nesse momento eu vi algo que achei que seria impossível — você não vai conseguir uma boa mulher agindo assim — o samurai sério sorriu.
A partir daqui eu pude olhar aquele exímio guerreiro com outros olhos. Ele me parecia mais alguém normal agora, alguém anormalmente forte, mas normal.
Desde então os próximos dias de viagem foram tranquilos. Nós conversamos as vezes, mas nunca consegui extrair uma informação de sua vida pessoal. Porém, pude tentar dissecar a mente daquele homem através das nossas conversas.
Ele gosta de mulheres altas e fortes, principalmente guerreiras. Prefere comidas picantes acima de qualquer outro alimento. Não gosta de políticos e parece ter um ódio muito grande pelo governo.
Atualmente quem não está junto do presidente é assim mesmo, até eu não gosto deles. Mas acredito que o samurai tenha uma rixa mais profunda com os governantes. Gostaria de saber mais, porém entraria na vida pessoal dele, então vou segurar minha curiosidade.
A coisa mais interessante que pude descobrir sobre meu salvador é que ele não dorme nunca. Em nossa terceira noite de viagem eu acordei no meio da noite e não encontrei o samurai por perto.
Após andar um pouco, encontrei a poderosa imagem dele treinando. A lâmina de sua espada gerava profundas cicatrizes em uma enorme rocha.
Talvez esse seja o motivo de sua força, um treinamento intenso e imparável.
No outro dia o elogiei por ser tão empenhado e ele se mostrou insatisfeito com meu elogio a seus esforços.
— Se esforçar na arte de matar não é nada louvável
— Como não? Com essa arte de matar que salvastes minha vida!
— Salvei a tua a preço de 10.
— Mas samurai, aqueles bandidos matam e roubam as pessoas que passam por aqui.
— E tem mães e pais! Que o colocaram no mundo e por um destino cruel entraram num caminho cruel, muitos podem fazer por prazer, porém a maioria faz por falta de opção.
Essa foi a primeira vez que vi aquele sereno homem se exaltar de tal forma. Após isso, me calei por um tempo e refleti sobre mim mesmo e meus preconceitos.
Roubar não é algo digno, mas deixar crianças à beira da fome é muito menos. E são esses tipos de jovens que mais tarde entrarão em um caminho cruel. Eu não estava isento da culpa da podridão do mundo.
Quando tentei ajudar outras pessoas? Logo eu que sempre falei de orgulho e usei o discurso de pagar suas dívidas com todos, nunca tentei ajudar nenhum sem-casa.
Agora só posso ver toda minha hipocrisia e defeitos que me formam como pessoa.
Meu salvador pode ter dito que não salvou minha alma, mas se engana. Pois agora meu espírito está mais forte do que nunca!
— Senhor! Eu…
— Chegamos.
Fiquei tão absorto nos meus pensamentos que esqueci completamente de nossa viagem. Ao olhar a estrada, podia-se ver ao longe uma muralha e várias luzes amareladas.
Xie Zhou era a capital do comércio. Todas as mercadorias do país passavam por aqui. Pode-se dizer que aqui era a base do dinheiro.
— Nossa, já chegamos… A viagem sempre é tão chata que demora muito, mas dessa vez pude aproveitar bem.
— Eu digo o mesmo — O samurai pulava na frente da carroça e acariciava meus cavalos — obrigado por me deixar viajar contigo, espero que o destino nos una mais uma vez!
Assim terminava minha última jornada com meu salvador. E por ser a última, não podia deixar ele ir embora sem saber algo.
— Meu salvador! POR FAVOR, ME DIGA SEU NOME!
O guerreiro já estava correndo a uma certa distância de mim, mesmo assim ele olhou para trás e abriu a boca para matar minha curiosidade.
Infelizmente não pude ouvir o que ele me disse. Na verdade não pude ouvir mais nada. Só tive uma última visão de meu salvador correndo até mim.
No fim acredito que ele salvou até a minha alma já que estou aqui conversando com você
Seu rosto? Ah verdade, não falei sobre ele.
Ele tinha longos cabelos e uma cicatriz no lábio. Mas o que mais chamava atenção eram seus olhos.
Eles eram vermelhos como sangue.
……….
A flecha cortou o ar e atravessou o crânio do pobre rapaz que cruzara brevemente a vida do sanguinário espadachim.
Quanto mais se aproximava do corpo morto no chão, mais sua raiva o consumia. Com a mente odiosa, ele passava pelo corpo do rapaz sem nem olhar seu estado. Sua mão em cima do cabo de sua arma mostrava o início de uma caçada.
Os projéteis voando em sua direção eram partidos com cortes rápidos. Com seus sentidos animalescos e velocidade sônica, o medo era instaurado no coração dos atiradores.
Vendo sua inevitável morte, os arqueiros saiam de cima das árvores e corriam florestas adentro. Mas isso só piorou as suas situações.
O samurai agora sabia a quantidade de inimigos, 5. Eles usavam bandanas vermelhas iguais às dos bandidos que ele havia matado dias atrás. Com isso veio o porquê daquele derramamento de sangue.
Uma forte culpa prendeu o frágil coração do guerreiro, que em lágrimas, lançou sua espada nas costas de uma de suas presas, assassinando-o.
Os outros 4 morreram da mesma forma que a vítima que fizeram. O guerreiro pegou o arco do falecido bandido no chão e atirou com precisão na cabeça de todos os arqueiros fujões.
Com o fim de sua caçada, veio junto o seu arrependimento.
Não deveria ter matado aqueles bandidos, só assustá-los.
Não deveria ter pedido carona para aquele jovem.
Devia ter seguido viagem sozinho.
Limpando o sangue em suas mãos o homem sentia um gosto de ferro em sua boca. Ele ia até o rapaz morto e levava seu corpo até um rio próximo.
O corpo era sepultado à margem da água e o samurai construiu um pilar com algumas pedras. Com uma pequena faca ele escrevia algo em uma tábua que encontrou na carroça do jovem comerciante.
Sangue sempre gerará mais sangue.
Obrigado por salvar minha alma, garoto.
Meu nome é indigno de ti, mas direi por ti.
Me chamo Sigarta Gautama.
O guerreiro prestava respeito ao falecido e seguia seu caminho para Xie Zhou. Com apenas um desejo em mente.
O de morte.