O Relicário - capítulo 9
Yumina e Lily estavam na borda da floresta, cuja tal ficava numa elevação, permitindo visão privilegiada de Diamond. A cidade era grande, bem grande. Uma muralha alta envolvia o perímetro e protegia os habitantes. Guardas vigiavam por cima dela e nas entradas.
Um prédio alto ganhava destaque entre as construções. Tinha quatro andares e se via cercado por uma grade de ferro, tomando para si considerável espaço. Segundo palavras da loira, o prédio servia como centro de operações militares, atuando no controle de missões da guilda, designando novos soldados, regulando ações da polícia e semelhantes.
Bem no centro da Cidade, um castelo chamava ainda mais atenção. Ele tinha em cada uma das sete partes mais altas (seis menores em torno de uma maior) uma bandeira, sendo impossível de enxergar os detalhes numa distância tão grande quanto àquela situada pela dupla, porém já se notava serem diferentes umas das outras, por conta das cores.
Um muro guardava exclusivamente a edificação real, caso a muralha exterior não resistisse. As quatro torres de guarda reais eram redondas, sendo protegidas por trios de soldados. Toda a edificação demonstrava luxo e poder, feita inteiramente em pedra polida cinza.
De longe já dava para ver os pontinhos andando de um lado ao outro feito formiguinhas. Carroças vinham das seis estradas dispostas em torno da civilização. Talvez fossem comerciantes trazendo pilhas pesadas de produtos, ou gente se mudando na procura de melhores condições de vida.
— Vamos! — Convidou Lily já descendo o morro.
Yumina ficou pasma ante o visto. Gente de tudo quanto é raça trabalhava e conversava pacificamente. A jovem conseguiu ver humanos (obviamente), pessoas que tinham traços de coelhos, coelhos contendo traços de pessoas e tantos mais híbridos de espécies diferentes. Ogros, lâmias, centauros, elfos e outras criaturas mitológicas interagiam tranquilamente próximos ao portão.
Ao olhar acima da própria cabeça, a recruta viu algumas harpias sobrevoando Diamond, sendo elas divididas em dois tipos: o primeiro era formado por cidadãos comuns e o segundo carregava itens de até médio porte. A coloração e tamanho das penas delas mostravam serem de espécimes tão variadas quanto as terrestres. Dentre as identificadas pela novata estavam o Gavião-de-penacho, a arara-azul, o tucano e o cardeal.
“Eles me lembram as aves brasileiras…” Comentou a recruta em pensamento.
Na entrada Oeste, por onde elas chegaram, vendedores as abordavam e ofereciam seus fabulosos produtos. Desde “poção cura-tudo”, até pão-de-queijo, praticamente qualquer coisa podia ser comprada. Se Yumina fosse descontrolada, em menos de cinco minutos já teria arranjando quilômetros de dívidas. Mesmo aqueles dentro de suas barracas marcavam sua presença a partir das frases traduzidas ao fim como “venham e comprem”.
— Estão mais animados que o de costume… — pontuou Lily.
Antes de definitivamente passarem pelas portas construídas em pau-brasil, a dupla precisava passar por procedimentos de segurança. Um guarda revistou-as, procurando materiais ilícitos. O policial vestia uma armadura de placas, cobrindo inteiramente seu corpo, com exceção da cabeça, pois ele não usava elmo. Uma espada comprida estava amarrada na cintura, protegida por uma bainha em couro velha.
A voz grave do homem ecoava feito um trovão distante e intimidava até quem não devia nada a justiça. Ele perguntou coisas do tipo “de onde vieram?” e “o que trazem?”. Depois deste momento, elas foram liberadas e finalmente entraram em Diamond.
As casas não tinham muitas variações de cores, embora existissem. Elas possuíam a arquitetura das lindas casas brasileiras do século XVIII, trabalhadas até os mínimos detalhes, com as bordas das janelas pintadas de branco e um parapeito preto de ferro forjado, moldando formas de flores, estrelas e outros mais.
Assim como do lado de fora, um monte de vendedores ocupava as laterais do caminho. A rua era feita de pedras hexagonais. As placas com os nomes dos estabelecimentos e as vitrines chamativas encantavam qualquer turista interessado em compras.
Às vezes parecia o passado e o futuro mesclarem-se, pois certas coisas modernas já existiam naquela cidade. Postes iluminados por lâmpadas, comidas do século XXI, sistema de limpeza de ruas… coisas completamente impensadas no mundo medieval convencional.
O primeiro ponto de parada das duas foi numa feira. Primeiro, conversaram com uma vendedora de sementes. Ela era uma hipopótamo-mulher de dois metros e meio de altura, vestindo um avental e sorrindo amigavelmente a quem chegava. Ela não tinha cabelo e seus olhos eram pretos feito duas jabuticabas.
Lily deu um oi caloroso e a senhora cumprimentou de volta mais ainda. A cavaleira já a conhecia e logo disse:
— Como vai, Margareth?
— Ando bem, minha pequena! E quem é essa gracinha do seu lado?
— Essa é a Yumina. Chegou recentemente.
— Ora — sorriu novamente a lojista — muito prazer, Yumina! Eu sou a Margareth. Seja bem-vinda a Diamond! Espero que consiga se encaixar por aqui. Se precisar comprar sementes e produtos pra cultivo, sempre pode falar comigo.
— Igualmente, dona Margareth. — respondeu a novata — tomara que possamos nos dar bem.
— Gostei dessa menina, Lilyzinha. — disse a hipopótamo apertando as bochechas da recruta — Além de ser uma fofura, é educada e gentil. Quero ver esse rostinho lindo de novo aqui pra fazer encomendas.
— Falando em encomenda, vim buscar o de sempre. — Retomou Lily
— É claro, meu amor! Até amanhã de manhã estará tudinho lá.
O sentimento passado por aquela mulher era de uma grande mãe. Sua doce voz encantava a quem ouvia e fazia um belo de um cafuné no coração dos clientes. Dinheiro entregue, a senhora deu um abraço apertadíssimo nas duas e agradeceu. A pele dela era lisa e mole, lembrando o animal ligado a ela. Depois de serem quase esmagadas pela força de Margareth, as duas partiram para o próximo estabelecimento.
Se aproximando da segunda venda, dois homens mal-encarados extorquiam o feirante. Pelo que diziam, cobravam a “proteção” do dono. Ele entregava algumas mercadorias sem dizer nada e eles riam ao menosprezar o pobre vendedor. Lily foi sem pensar pra cima deles, deixando Yumina para trás.
A cavaleira não portava sua espada, mas conseguiu surrar os dois usando somente os punhos. Ela deu um soco no nariz de um e uma bofetada flamejante no outro, sendo o bastante para espantar os fanfarrões.
— Aqueles covardes pelo menos sabem correr — riu Lily.
— E aquela história de não chamar atenção?!? — Perguntou a parceira inexperiente, nervosa, ao se aproximar
— Eu precisava fazer alguma coisa! Não tinha como eu ficar parada assistindo! Agora, vamos voltar com as compras.
A barraca da vez era de alimentos oriundos da terra. Quem vendia era um homem-mico de pelagem cor de caramelo, vestindo uma túnica bege amarrada por um cinto de couro. Seus produtos tinham o aroma forte e eram todos bem organizados. Talvez organizados até demais. O homem estava aborrecido com o acontecido, mas também era perceptível ele não querer falar daquilo e a duas respeitaram sua reclusão no tema.
— Bem-vinda! — saudou o senhor
— Bom dia! Aposto que as vendas estão indo muito bem.
— Com certeza! Tudo sendo vendido de maneira organizada e dinâmica. Pacotes sempre embaladinhos do mesmo jeito pra não ficarem muito diferentes e separados por data de chegada!
“Esse cara tem TOC…” deduziu a recém-chegada
— Pode me apresentar sua colega? — Perguntou o homem
Yumina se apresentou e o mico fez o mesmo. Seu nome era Fernando e era um trabalhador responsável, cuja mania de querer organizar tudo ao máximo possível lhe caracterizava. Enquanto falava, a cauda dele pegava produtos e ia preparando pedidos pequenos de outros fregueses. A sua habilidade multitarefa era mesmo interessante. Papo vai, papo vem, elas compraram todo o solicitado e prosseguiram ao açougueiro.
O estabelecimento era em um imóvel, ao contrário dos outros. O cheiro de carne fresca impregnava tudo. Desde as paredes, até as roupas de quem ficasse por tempo demasiado.
A dona do açougue era um coiote albino, que atendia pelo nome de Cíntia. Ela cobria todo o corpo usando uma roupa parecida com aquelas de proteção contra contaminação biológica, impedindo de cair pelos nas carnes. Segundo Cíntia palavras de Cíntia: “não estou a fim de explicar tudo pra vigilância sanitária”. Não muito surpreendente, Lily conhecia ela também e ambas já passaram a bater boca. Após apresentar Yumina e terminar a negociação, foi combinada a entrega de maneira semelhante à dos outros comerciantes.
O último ponto foi a padaria. O lugar tinha mais pessoas trabalhando em comparação aos demais: uma harpia mulher de penas verdes como entregadora, duas padeiras (uma humana e uma mulher-vaca) e um touro como balconista. Esse último tinha a aparência de alguém cuja personalidade odiava até a sua sombra, mas seu comportamento era equivalente ou mais forte ao de Margareth. Seus poderosos e definidos músculos e seus chifres afiados amoleciam pelo amor e gentileza transpassados da sua cara de mau.
O medo de Yumina sobre ele se dissipou em dois palitos depois de escutar a fala macia dele. Não seria muito esquisito se saíssem corações em volta dele. Seu nome era Rudolf. Ele era casado com a semi-humana padeira, de nome Lisa. O casal tinha uma boa relação aparente.
O cheiro de bolo e outras delícias, junto do clima adocicado dos dois, dava vontade de ir no estabelecimento mais vezes e de ficar por ali mesmo. “Benzinho” aqui, “meu sonho” ali, “pudinzinho” acolá. Chegava a ser grudento todo aquele melaço da dupla de pombinhos. Enquanto isso, a humana insistia que eles se controlassem ao menos um pouco para não espantar clientes.
Comprado tudo, Lily levou a portadora do relicário a uma loja de roupas chamada “vestido da dama”. A cavaleira estava super animada em brincar de vestir a colega. Seu rosto já se deleitava em alegria e sua disposição em fazer aquilo já era inegável. A recruta chegou a comentar:
— Você tá parecendo uma pervertida…
O interior do lugar era organizado. As vestimentas eram agrupadas conforme as raças dos clientes: roupas para humanos num lugar, semi-humanos de penas ao lado e por aí vai.
As responsáveis pela loja eram uma dupla: uma senhorita de cabelo crespo, curto e castanho e pele escura. A outra era um pavão. Essa última tinha uma cauda longa qual, quando aberta, chamava atenção até dos animais. Ela atendia outro, então a primeira se dirigiu às duas freguesas.
— Oi, Flora! — cumprimentou Lily — minha amiga acabou de chegar na cidade. Poderia providenciar algumas roupas para ela, por favor?
— Seja bem-vinda, senhorita, a Diamond. — Expressou Flora fazendo uma discreta reverência — sinta-se em casa. A população daqui é muito boa. Tenho certeza de que irá se instalar bem.
Depois de fazer as medidas, a mulher trouxe vários modelos, cabendo a cliente vestir. Só de olhar àquela quantidade de produtos, a cavaleira ofegava e lutava para se segurar o máximo possível.
Um provador livre ficava mais ao fundo. Ele tinha um tamanho avantajado. Isso se dava por existir a possibilidade de alguém não cem porcento humano o usar. O bom era que ficava fácil até a pessoas com dificuldade de se vestir receberem ajuda.
Começando o show de moda, Yumina apareceu com um longo vestido azul. Era majestoso e transmitia um ar de “gente importante”. A amiga loira quase surtou de tanto gostar de ver aquilo. Embora fosse lindo, não servia para andar muito por aí. Usá-lo em combate seria jogar dinheiro fora, portanto, partiram a procura de outra vestimenta.
A segunda veio sem demora. Era composto por uma blusa vermelha e um short cinza, junto de uma jaqueta preta e um bracelete, parecendo uma delinquente. Mais uma vez a espectadora se encantou. A roupa permitia ótima flexibilidade, mas aquela quem vestia achou curto, causando-lhe constrangimento, por isso, continuou provando.
A seguinte a fazia parecer uma mulher a qual esqueceu de crescer. Claramente, a novata não gostou. A recruta recusou ficar com aquela maria-chiquinha junto de uma saia curta cheia de florezinhas infantis e um torso preso por suspensórios. Desta vez até Lily reconheceu não haverem chances de ela usar tal imaturo conjunto.
O último modelo foi o aprovado: uma calça preta acompanhada de uma blusa azul de manga longa acompanhada de uma capa de mesma cor. A peça tinha lugares dos quais permitiam a aplicação de placas de armadura, a dando maior utilidade. Ela seria usada em aventuras e lutas.
Ambas aprovaram e encomendaram algumas unidades a atendente. Além disso, Lily pediu também que fossem confeccionados conjuntos semelhantes àquele da recruta do dia que ela chegou. Flora informou:
— Nunca vi uma dessas…, mas não é nada impossível. Pode deixar! Quando terminar, te mando.
A partir deste ponto, as tarefas haviam sido finalizadas. Elas agora tinham liberdade para fazerem o que lhes viesse à mente. Yumina já estava animada e perdida, pois tudo lhe atraía, causando indecisão de por onde começar a explorar. A cavaleira, cheia de iniciativa como sempre, segurou-lhe a mão e a levou aos pontos mais divertidos, conforme o ponto de vista da loira.
Para dar partida ao tour, elas foram à praça central de Diamond. Árvores de folhagem alaranjada devidamente podadas e regadas cresciam sobre um limitado gramado, fazendo sombra em cima de bancos feitos de madeira e ferro pintados de branco. Tudo aquilo tinha sido feito em torno de uma fonte, cujo centro dela tinha uma estátua de sete elementos: seis Reis e um dragão no meio deles. Ela era feita em bronze e tinha uma placa de ouro contendo a seguinte mensagem:
“Em homenagem aos Reis e ao Dragão do Equilíbrio, que permitiram, juntos, o fim de três décadas de guerra entre a Escuridão e a Luz.”
Ao ler o texto, a portadora do relicário perguntou do acontecido e sua guia explicou:
— Há mais ou menos cem anos atrás, começou uma guerra entre os apoiadores do Dragão da Escuridão e os do Dragão da Luz. Foi um período horrendo, porque muita gente morreu nessa batalha. Essa luta durou uns trinta anos, até os Reis dessa estátua, preocupados com tamanha destruição desnecessária, recorrerem a um ser poderoso mais antigo: o Dragão do Equilíbrio. Ele era mais forte e foi o responsável por criar regras a favor do impedimento de mais conflitos.
Olhando o povo em volta, continuou:
— Como sinal de paz, essa cidade foi fundada por meio do investimento das seis nações antes inimigas. Essa é a razão da grande miscigenação de culturas presente em Diamond. Um grande fluxo econômico se estabeleceu por aqui, permitindo o aumento populacional. Agora, a cidade se tornou uma capital comercial importante, sendo a responsável por estabelecer relações comerciais e negociações com todos os seis Reinos.
Ali, Yumina encarou a obra pública e pensou no quão brutal foi confronto, ora, dragões estavam envolvidos na coisa. Depois de uns minutos, elas prosseguiram a viagem.
Era por volta de meio-dia. Elas foram à um restaurante intitulado “Estrela da aurora”. Ele tinha uma estrutura semelhante as demais casas quanto a parte da frente, mas disponibilizava uma vitrine, servindo de local para uma mesa especial, por dar vista à rua.
No interior, tudo um brinco. As mesas de madeira eram cobertas por uma toalha vermelha e sobre ela, os talheres se encontravam organizados do lado de um guardanapo branco dobrado. Os garçons transitavam sem parar, porque a clientela não parava de chamá-los. O chão era de madeira de lei, provavelmente porque tinha um subsolo.
Enquanto levava os pratos, uma garçonete recebeu as duas e pediu-lhes que se assentassem em qualquer lugar disponível, pois seriam logo atendidas.
Uma dama ruiva veio anotar os pedidos delas. Era um centauro, a qual vestia uma camisa social branca e cobria com um tipo de pano preto sua metade equina. Ao olhar rumo ao chão, podia-se reparar na pelagem castanho escuro e nos cascos pretos, cujo som de trote caracterizava a chegada da híbrida mulher. A senhorita fez uma reverência e já perguntou sobre os pratos escolhidos por elas.
Yumina não sabia de muita coisa ainda, por isso Lily escolheu os pedidos. Minutos depois a comida veio. O prato da primeira era um filé bovino de cheiro esplêndido. Uma porção de batatas, cebola, tomate e uma planta desconhecida acompanhavam a refeição, além de uma calda de laranja sobre a carne. Como bebida, foi servido um copo com um suco verde sem cheiro.
O da cavaleira se tratava de um frango frito servido junto de hortaliças e cenouras cortadas em rodelas finas por cima da ave temperada com um molho especial da casa. O cheiro dos dois pedidos hipnotizava quem aspirava tal fragrância. Enquanto comiam, a jovem da joia pensou num ponto bem relevante, obrigando-a a perguntar:
— Lily, se neste mundo existem pessoas de tantas raças, inclusive vacas e aves, o que estamos comendo?
— Vou explicar: existem os semi-humanos, conforme a centauro quem nos atendeu, mas também existem cavalos puros. Da mesma forma, existem vacas que só comem capim, e galinhas que só cacarejam e botam ovos. E como as raças mestiças não se importam e ainda consomem este tipo de criatura, não tem problema. Pode comer!
Ouvindo isso, ela respirou aliviada e voltou a deliciar-se com o filé de aroma cítrico. O sal firmava sua presença, mas sabia dividir espaço junto a carne e os legumes, cujos tais dançavam pela língua de Yumina. O suco de cor pouco convidativa tinha gosto de açucarada. Lily, aproveitando o bom humor de sua amiga, aproveitou para pedir uma coisinha:
— Por favor, me deixe te vestir mais vezes!
— Hein? — perguntou a novata cortando o filé sem compreender bulhufas.
— É que… — explicou a loira remexendo o frango — você se encaixa muito bem em tudo quanto é roupa. Preciso fazer isso mais vezes!!! Por favor, te imploro: me deixa te trocar de novo!
Essa fala foi proferida em voz alta e os demais clientes pararam suas refeições intrigados, mantendo um silêncio bastante desagradável. O clima de desconforto caiu sobre a dupla feito uma rocha pesadíssima, mas consertar não era a melhor das ideias. Tentando ignorar a cena, a garota do relicário respondeu ao pedido de sua amiga com um sim.
A usuária de magia de fogo respirou até mais forte com aquela concessão. Os olhos dela estavam em chamas, conforme imaginava a infinidade de roupas quais poderia fazer-lhe vestir. Yumina chegou a se preocupar com as fantasias de sua veterana, por conterem o aspecto de serem bem esquisitos e suspeitos.
Após a refeição terminada, a cavaleira pagou a conta das duas (tendo em vista a outra jovem estar lisa, por ter chegado literalmente ontem) e prosseguiram elas pelas ruas de Diamond, para a novata se acostumar com a arquitetura.
Elas andaram pelas principais, onde muita gente transitava o tempo todo. Andar em meio a tanta diversidade populacional causava a dúvida do que seria poderia ser chamado de normal.
A maior beleza da cidade era ver todos se ajudando. Poderiam ser de raças explicitamente diferentes e lutarem pelo próprio sucesso, todavia, ainda colaboravam entre si como uma verdadeira sociedade deveria ser. Era lindo ver as crianças correndo e seus pais batendo um papo sobre seus dias e como lidavam com seus problemas.
Aquele cenário de paz fazia a recruta sentir a necessidade de proteger a felicidade da população como fosse necessário e esta emoção lhe causou uma breve coceira na região do peito.
No final de um quarteirão, um grupo circense se apresentava. Uma multidão cercava os cinco artistas, dos quais um fazia truques, mesclando magia de verdade com a de mentira, dois dançavam, tendo direito a performances acrobáticas, um era o apresentador e por último, outro andava por entre as pessoas entregando panfletos e convidando a plateia para o show deles, o qual aconteceria em breve.
Yumina podia até ter visto um dos dragões ancestrais, no entanto, os truques ainda a fascinavam, devido a graciosidade deles. Quando a cavaleira olhou para sua amiga, pôde ver o interesse dela no espetáculo, porém, o sorriso da guia se cessou rapidamente, convertendo-se em face enraivecida.
Lily chegou mais perto da amiga bruscamente e a novata ficou temerosa pelo motivo dela estar tão assustadora. “Fiz algo errado?” e “por que ela tá com raiva de mim?” eram indagações a moça do relicário a si mesma. A barriga dela gelou e suas mãos formigavam. O medo e ansiedade da jovem de cabelo azul piorava de acordo com a aproximação da loira, porém, a mesma acabou por perceber que a parceira não estava brava com ela.
A mulher de olhos vermelhos pegou um ladrão no meio de todos e o imobilizou segurando seus braços e pressionando sua cabeça contra o chão usando o pé. Ele usava uma túnica com um capuz escuros e possuía barba ruiva. A multidão viu a cena e já procuraram seus pertences nos bolsos. Faltavam itens pessoais de uma meia dúzia de pessoas. A loira tirou dos bolsos dele os itens furtados e o povo aplaudiu a atitude da heroína.
— Era só o que me faltava! — Se queixou um homem de baixa altura e bigode longo — uma ralé dessa tocando no meu relógio de ouro importado! Tem ideia do quanto custou isso, seu ladrãozinho meia boca? Talvez aprenda quando eu quebrar seus braços!
Sentindo um desconforto no peito, a recruta quis se manifestar, mas seu medo falou mais alto e ficou quieta, deixando Lily resolver o problema:
— Não é necessário isso. Ele já está neutralizado!
— Exatamente! — Riu o bigodudo — enquanto ele estiver parado é mais fácil cortar a cara dele.
— Se der mais um passo, você vai beijar o chão assim como ele!
— Como ousa desafiar um nobre como eu?!? — apelou o anão
— Ouso sim! — reafirmou a cavaleira — Pegue seu relógio de quinta e saia logo de perto!
O baixinho rico, constrangido por ter sido enfrentado, se retirou da área resmungando e bufando. A população, em contrapartida, elogiava a moça pela coragem e agradecia por ter pego o bandido.
Os guardas vieram rapidamente e levaram o batedor de carteiras. As vítimas agradeceram pelo ato corajoso da garota, já a novata, olhava admirada pela atitude exemplar de sua guia.
Os olhos da dama de cabelo louro reluziam a pureza e o fogo de alguém justo. A moça do relicário tinha o coração inspirado por tal heroísmo, levando-a a conclusão de querer ser igual a amiga.
Confusão resolvida, o homem quem distribuía os panfletos chegou próximo as duas e entregou um ingresso especial com direito a um acompanhante para assistirem o show deles. Este ocorreria daqui a dois dias. As duas tentaram recusar, mas ele insistiu:
— Por favor, aceite! Você pode levar a mulher da joia no peito também!
Yumina estranhou o papo da “joia bonita” e já pôs a mão sobre seu peito. Ao fazer isso, ela sentiu algo dentre as roupas e já tirou no intuito de ver o que era. Era o relicário.
“Como isso é possível?!?”, perguntou a dona da pedra mágica “Eu deixei isso na escrivaninha da Cecília! Tenho certeza absoluta!”
A garota de olhos rubi também reparou a peça mágica nas mãos de sua colega e logo ela pegou o ingresso oferecido pela equipe circense e levou sua parceira para longe dali, tentando evitar que mais pessoas vissem a peça e consequentemente pôr em risco a identidade da portadora.