O Relicário - Capítulo 7
Mais uma vez, todos estavam juntos, agora, para o jantar. Lily fez o cardápio novamente e Sakurai providenciou os ingredientes. A trupe pegou um pouco de cada e o sabor era excelente. Cada tempero dançava pela língua de quem colocava a comida na boca. O cheiro simplesmente aromático atraía toda a atenção à refeição. Cecília mal se segurava, desejando não enfiar tudo goela abaixo de uma só vez. Em mente, disse:
“Como a Lily consegue fazer uma comida tão deliciosa toda vez? Não dá pra mentir desse jeito!”
Lily notou a inquietação da mocinha de baixa estatura. A cavaleira gradualmente se enchia de convencimento e logo lançou a pergunta:
— E então? Está salgado agora?
— Dessa vez você esqueceu o sal.
Lily deu um suspiro e não tocou mais no assunto por ter ciência da futilidade da discussão. Afinal, a moça de cabelos roxos era a mestra das pegadinhas e piadas sem graça. Disputar com tamanha profissional seria equivalente a enfrentar um dragão usando um palito de dente.
— Deixando isso pra lá — se intrometeu Arnold, mexendo em sua barba sem parar — como foi seu dia, minha jovem Yumina?
— Gostei bastante. A fauna e a flora desse lugar são bem diversificadas. Cecília e eu demos uma volta pelos arredores da mansão e por uma parte da floresta. Foi uma experiência um tanto nova e excitante para mim.
— Bom saber disso. — Respondeu o mestre, menos tenso — Temia que iria achar péssimo por conta do problema da serpente. Depois daquela nossa conversa, cheguei a procurar uma poção contra veneno em caso de emergência— Ah! Acabei de me lembrar: a dispensa está ficando vazia. Amanhã, precisarei de alguém que vá à cidade e reponha o estoque.
Lily levantou a mão e afirmou estar disponível. O velho agradeceu a disposição de sua pupila e adicionou um segundo pedido:
— Aproveite e leve Yumina também. Será bom ela conhecer sua cidade natal.
Em oposição, Sakurai argumentou:
— Mas ela sairá da zona de ação do Dragão. E se descobrirem o relicário? Ela ficará vulnerável.
— Fez muito bem em lembrar disso. — Elogiou Arnold — Para isso, Yumina deixará o relicário aqui.
O senhor ainda aconselhou:
— Quando estiverem por lá, podem se divertir um pouquinho. Na verdade, seria até bom se Yumina aprendesse algo sobre Diamond. Contudo, vocês não devem causar alarde e façam o possível para chegarem antes de anoitecer.
Assim, ficou decidido a viagem, a qual abriria as portas ao novo mundo, cuja recém-chegada estaria por descobrir. A empolgação de Yumina se continha por dentro de um sorriso carregado de ansiedade. Ela mexia seus pés, tentando se acalmar, mas apenas ficou mais nervosa. Por fim, a garota dona do relicário se levantou. Brincando com uma colher, disse buscando as palavras mais adequadas:
— Er… bem… eu gostei bastante de passar o dia por aqui. As magias, os animais, a natureza… tudo é muito legal (com exceção da cobra)! Também me sinto melhor com vocês em comparação com onde moro. Eu cheguei a uma decisão: quero ficar neste mundo, pelo menos, por enquanto.
A alegria foi desabrochando no rosto de todo mundo aos poucos. Cecília era a mais feliz, pois correu para perto do seio de Yumina e a cobriu com seu quente e macio abraço. A novata se sentia envolta em uma pelúcia peluda.
Sakurai, movido pela emoção do momento, quase se comportou feito a lobinha, porém, parou no meio do caminho, envergonhado com a ideia. O rosto do rapaz, transmitindo a timidez sentida naquele instante, estava quente feito brasa. Sua mente imaginava diferentes cenas negativas que poderiam resultar de sua indevida aproximação.
Arnold, depois de agradecer a escolha da nova integrante, orientou manter a consciência da periculosidade da jornada, cuja tal a manteria em frequente risco. Yumina refletiu por um instante e aceitou, depois de Cecília lhe abraçar mais forte e afirmar:
— Se tá com a gente, não precisa ter medo de nada!
Arnold sorriu mais uma vez e disse:
— Meus parabéns, jovem Yumina! A partir de agora, você é oficialmente uma de nós! Juntos, iremos enfrentar aquele perturbador da paz e derrotá-lo! Um viva a nossa nova amiga!
Ouvir essas palavras fez a recruta sentir algo especial. Não era ruim. Era um calor, um aconchego, ou algo do tipo. Ela não sabia como explicar. Especulou ser a sensação de ser importante para alguém.
Mesmo se fosse uma fantasia, ela não queria abrir os olhos e perder o encanto conseguido. Esse foi, certamente, o dia mais inédito da sua vida.
Terminada a refeição, Sakurai e Lily foram limpar tudo. Arnold foi preparar o plano de treino apropriado à novata e as duas restantes se dirigiram ao quarto da garota de magia de planta.
Ele era bem bonito. No canto distante da porta, ficava uma larga cama, com colcha e travesseiro cor-de-rosa e alguns bichinhos de pelúcia enfeitavam-na. O móvel tinha um acabamento em madeira de jatobá com entalhos cuidadosamente trabalhados, cuja aparência dava forma a várias rosas e marcava o nome “Cecilia” num lado da cabeceira.
Perto da cama, existia uma penteadeira branca e um espelho redondo no meio. Ela tinha menos detalhes que a cama, mas isso não lhe diminuía a beleza.
Do lado do espelho, era encontrado também uma outra pelúcia especial. Feita à mão, o objeto era uma “Ceciliazinha”. Ela aparentava ser velha e tinha uma mancha preta na mãozinha esquerda. Era uma marca de queimado de origem e tempo desconhecidos. Mesmo assim, devia ser muito bem cuidada, pois ainda estava praticamente inteira.
Yumina foi tomada pelo anseio de saber a história do objeto e perguntou do passado dele. A loba cortou qualquer tipo de volta e alegou ter sido um acidente e apenas isso. Quando a novata tentou aprofundar no assunto, se fez notório a recusa da menina meio lobo em falar disso, pois mal era feita a pergunta e a resposta “não aconteceu nada” vinha secamente. A curiosa encerrou a conversa sobre o brinquedo ali mesmo, temendo causar uma discussão.
Deixando pra lá a bonequinha, a jovem do relicário comentou sobre quarto. Ela achou tudo muito belo. Desde o tapete da cor de lavanda, até o teto branco. Até parece que Cecília não iria gostar. Rapidinho ela ficou vermelha, de peito estufado e balançando a cauda. Receber elogios dos outros é algo qual não passa despercebido por ela.
Mais tarde, após os devidos cuidados antes de dormir, ambas haviam se deitado, sendo Yumina ao lado da parede. A lobinha adormeceu rápido, já a outra jovem não. Ela ainda olhava o teto acima dela, esperando o sono a tomar. Conforme ouvia a híbrida dando alguns roncados, ela pensava:
“Que dia… aconteceu tanta coisa em um tão curto período de tempo… caso eu acorde amanhã e for um sonho, não vai ser surpresa. Pensando bem, impressionante será se não for. Bom, melhor dormir. Amanhã vai ser um novo dia e será o começo de uma nova vida para mim…”
Dito isso, ela dormiu. Se desprendendo de qualquer preocupação, deixava ela repousar seu corpo e mente no confortável colchão, aquecendo-se no cheiroso cobertor pesado.
Em tal calmo sono, não se havia como ter problemas a serem confrontados. Yumina podia enfim descansar e usufruir de uma boa noite silenciosa. Ela estava segura e nada lhe angustiaria.
Isso era o esperado, até ela entrar no mundo dos pesadelos e se deparar com aquela cena sombria, embora curta.