O Monarca do Céu - Capítulo 86
A Partida.
[Duas semanas depois].
Aves faziam sua migração anual, fugindo do frio glacial que começava a fazer no Norte. Por sorte, Graff construiu pedras mágicas em torno do castelo, deixando ao menos o castelo com um clima ameno, quase tropical.
Deitado na grama com o cabelo atrapalhado que já passava dos seus ombros e com as mãos na nuca, Colin observava um grupo de patos voejar no céu. Eles grasnavam enquanto sumiam do lado de fora da enorme redoma que cercava o castelo. O sol estava quase se pondo, mas Colin se sentiu extremamente bem com aquele calor de fim de tarde tocando sua pele. Trocou suas roupas grossas de frio por túnicas negras, e por baixo, usava roupas de pano fino, cobrindo seus braços e pernas, e em seus pés iam botas grossas.
Agora ele se vestia como um elfo negro.
Uma brisa soprou, fazendo seus cabelos longos sacudirem.
Respirando fundo, Colin fechou os olhos, sentindo aquela brisa como se fosse o toque gentil de uma bela mulher. Sentindo algo tapar seu sol, ele abriu os olhos, avistando sua pandoriana o encarar com um sorriso. Ela não parecia mais uma criança, se assemelhava a uma adolescente de quinze anos.
Apoiando as mãos nos joelhos, suas três caudas balançavam de um lado para o outro enquanto ela se aproximava para mais perto de Colin. Ela usava também uma roupa local, calças pretas, uma blusa interior branca e uma jaqueta ornada azulada com detalhes dourados na borda.
— Faz horas que você está aí. — disse ela, quase encostando sua testa na de Colin — Por que não arruma alguma coisa para a gente fazer? Estou ficando entediada e com fome.
Depois de um suspiro, Colin se virou de lado, ignorando completamente sua pandoriana.
Com o pé, ela cutucou Colin.
— Eiii, eu quero comer!
“Mas que chatice”.
— Por que não vai irritar Safira e me deixa em paz?
— Deve ser porque divido minha alma com você e não com ela.
Irritado, Colin se sentou na grama e coçou seu cabelo. Encarou Leona de baixo e se ergueu devagar, entrelaçando os dedos atrás da cabeça. Ele havia se acostumado a jantar bem cedo desde que veio para o castelo, e já era hora.
Olhando Leona de canto de olho, ele estava se perguntando quando ela ficou tão forte e irritante ao mesmo tempo. Sua companheira era quase tão forte quanto ele, afinal, Pandorianos podem aprender as mesmas árvores de seus mestres. Por sorte, Colin sabia o caminho que trilhou para conseguir sua força atual, então, ele apenas auxiliou sua companheira que não teve dificuldade alguma.
Eles haviam saído do jardim, passando pelas dezenas de serviçais carniçais que mantinham aquele jardim belo como sempre. Todos cumprimentavam os dois com sorrisos, e ambos retribuíam com acenos.
Caminharam sem pressa até a porta do palácio, onde Gelli, uma dos caniçais, os aguardava. Ao se aproximarem, Gelli fez uma reverência.
— Retornaram para o jantar, senhor Colin, senhorita Leona…
— Acho que sim… — disse Colin desinteressado.
— O que preparou para a gente hoje? — perguntou Leona empolgada.
— Temos ratos assados que a senhorita adora, leite fresco tirado a pouco tempo de nossas vacas mais férteis e as asas de frango que o Senhor Colin sempre devora com ímpeto.
Leona abriu um sorriso largo e apressou o passo. Passou por Gelli indo em direção ao interior do palácio. Colin parou frente a Gelli e olhou por cima do ombro dela, vendo Leona se afastar apressada.
Ele suspirou.
— Não precisa fazer todas as vontades dela. Vai mimá-la assim.
Gelli balançou uma das mãos.
— Tudo bem, eu não me importo, afinal o meu trabalho é tornar a estadia do senhor e dos seus companheiros a mais agradável possível.
Colin deu de ombros passando por Gelli. Ela o seguia logo atrás. O interior do palácio continuava lindo como sempre. No hall de entrada, havia um grande tapete vermelho que cobria quase toda a escada. As pilastras de mármore eram esculpidas com símbolos tribais, e o teto era alto, repleto de lustres ornados com velas que nunca se extinguiam. Seguiram para a esquerda onde ficava a cozinha.
— Já está chegando o tempo de o senhor deixar este palácio, não está? — perguntou Gelli encarando as costas largas de Colin.
— Creio que sim, faz semanas que meu passatempo tem sido apenas dormir e comer. Acho que não tenho mais nada para fazer aqui.
Gelli assentiu.
Chegando na cozinha do palácio, eles vislumbraram uma mesa gigantesca cheia de carne, bebidas e petiscos. O forro da mesa era branco e bordado, enquanto a madeira era envernizada e escura.
Devorando tudo como se fosse uma leoa, Leona não perdia tempo. Rasgava a carne com seus caninos pontudos e bebia o leite em seguida, deixando escorrer pelo canto de sua boca.
Sentando-se ante a Leona, Colin pegou a perna de um frango e o mordeu com vontade. Ergueu uma das sobrancelhas e começou a devorar como um animal selvagem. Não demorou muito para que tanto Colin quanto Leona quase começassem uma guerra de comida. A pandoriana já havia terminado seus ratos fritos e tentava pegar as asas de frango de Colin, que tentava a empurrar com a mão.
— Me dá! Eu quero comer frango também!
— Você já acabou com seus ratos, sai daqui!
— Então aqui estão vocês! — disse Safira, despontando na porta com seu cabelo preto longo e trajava as mesmas túnicas que Leona. A única coisa que mudava era a cor de sua jaqueta, que era avermelhada.
Ela se sentou do lado de Colin e pegou um pedaço do frango sem pedir permissão a ele e o mordeu com vontade.
— Tá ótimo! — disse de boca cheia — Você quem fez, Gelli? Acertou a mão desta vez, muito bom!
Colin estava com o cenho franzido, mas não havia muita coisa a ser feita. Ele só suspirou e comeu o resto do frango que sobrou.
— A gente parte hoje, né? — perguntou Safira lambendo os dedos — Arrumei minhas coisas, não são muitas, então a gente parte quando você quiser.
— A gente vai depois do jantar.
— Certo!
Depois de um tempo, eles haviam comido todo o jantar e Gelli ainda fez um lanche para viajem. Guardou em uma pequena marmita de prata e entregou a Colin.
Colin, Leona e Safira iriam partir semanas antes. Safira havia completado finalmente seus quinze anos, e seus chifres começaram a crescer novamente, porém, estavam minúsculos.
Ela ficou em silêncio sobre a data de seu aniversário. Não era necessário falar sobre isso já que estavam todos sempre muito ocupados.
Antes de ir, Safira precisava resolver as coisas com Kurth. Ela foi até o jardim e o encontrou sentado no mesmo banco no qual deram o primeiro beijo.
Se sentou ao lado dele e começou a mexer nos dedos. Ela não conseguia se lembrar da última vez que ficou tão nervosa com algo.
Respirou fundo e olhou no branco dos olhos do amigo.
— Como você está?
Ele deu de ombros.
— Estou bem, eu acho. Apenas treinando. E você? Soube que sairá em uma missão com senhor Colin. — Ele abriu um sorriso — Só adianto que senhor Colin é um ímã de confusão.
Safira retribuiu o sorriso.
— Eu sei bem como é.
Os dois ficaram se encarando por alguns segundos.
— A gente tá bem? — perguntou Safira.
— Claro. Aquele dia… eu não devia ter feito aquilo, a culpa foi minha, desculpa…
— É, foi, mas já passou. — Ela engoliu o seco e observou as flores do jardim. — Às vezes fico pensando naquele dia… E falando a verdade, não foi tão ruim.
Kurth arregalou os olhos e olhou para frente.
Foi a vez dele de ficar nervoso.
— Olha, Kurth, quando eu voltar da missão com senhor Colin, a gente podia ser mais como Colin e senhorita Brighid.
“Ela gosta de mim?” pensou Kurth.
— Bem… por mim tudo bem…
Safira arredou para o lado, apoiou uma das mãos no rosto de Kurth e olhou no fundo, de seus olhos por alguns segundos. Os dois estavam corados. Safira franziu os lábios e Kurth disse para si mesmo que ela era a garota mais linda que ele já viu.
Então ela avançou, dando um selinho nele.
— A gente tá quite agora. — Ela se levantou — Vejo você em algumas semanas?
Kurth ainda estava sem acreditar no que acabou de acontecer.
— Ah, claro, daqui a algumas semanas…
Safira sorriu para ele e se virou de costas.
Kurth continuou ali, achando que os últimos segundos não passavam de um sonho.
…
Caminhando pelo corredor de pedras, Colin encontrou Morgana socando concreto bruto. Assim que o concreto virava pó, ele se reconstituía.
O sol havia acabado de se por.
Parando na porta, ele deu dois soquinhos na lateral.
— Ei, Morgana, a gente já tá indo.
Crash!
Ela socou tão forte o bloco de concreto que uma pedra foi em direção ao rosto de Colin, mas ele a segurou sem nem mesmo usar qualquer pingo de magia.
Há algumas noites, ela pegou Colin aos beijos com Brighid. Não disse nada, apenas ficou furiosa, direcionando sua força a destruir coisas que não poderiam ser destruídas, coisas como aquele concreto.
— Devia pegar mais leve — ele disse — A noite só começou…
— … e desde quando você se importa?
Colin ergueu as sobrancelhas. Ela parecia um pouco fora do normal.
— Aconteceu alguma coisa?
— Me diz você!
Dando de ombros, Colin soltou a pedra em sua mão e a pedra foi atraída pelo bloco como se fosse ímã. Ele conhecia bem a intensidade de Morgana, provavelmente aquele era só um momento de instabilidade, então ele preferiria evitar.
— A gente se vê.
Assim que ele se virou de costas, Morgana começou a falar.
— Salvei aquelas meninas das garras de Alistar, permiti que você e Alistar tivessem uma briga justa. Ajudei os seus amigos durante o grande eclipse, convenci Graff a te aceitar em nosso castelo, fiz minha família treinar os seus amigos, tive bastante trabalho para achar Leona para você, e eu mesma o treinei durante meses, então por quê?
— Por que o quê?
— Por que escolheu aquela mulher de cabelo verde ao invés de mim?
Colin ficou em silêncio. A ajuda de Morgana foi indispensável em sua trajetória até aqui. Se não fosse por ela, sua vida provavelmente teria sido ceifada há muito tempo. Ele não sabia o que dizer. Morgana era importante para ele, mas não como ela queria que fosse.
— Desculpa… não tenho uma resposta para sua pergunta.
— Ah, sim, claro que não tem!
Morgana enxergou potencial nele desde o primeiro momento em que o viu. Acostumada ver inimigos recuando perante sua presença, ela despertou um interesse assim que o enfrentou. Mesmo sabendo que não tinha chance de vencê-la, ele continuou até o fim.
Outro motivo pertinente era que ambos compartilhavam da mesma tríade, e em partes ela era como Colin, ambos adoravam lutar contra inimigos poderosos. Na sua cabeça, seu amor tendia para algo mais brutal e selvagem, pois, apesar de tudo, ela era uma guerreira. Colin entendia bem isso, por isso ele respeitava Morgana.
Após tanto investir nele, ela se sentiu traída ao vê-lo com outra, mesmo que ambos não tivessem absolutamente nada. Ela estava o fortalecendo para que ela usufruísse dele, não terceiras.
Lentamente, ela concentrou mana ao redor do corpo. Morgana não costumava a lutar como um vampiro, nunca gostou do estilo deles, pois era um estilo de luta que acabava com a presa em instantes, por isso ela lutava do seu modo, saboreando o combate a cada segundo.
— Lute contra mim! — ela disse crispando os dedos e fortificando seus músculos pouco a pouco.
Pela primeira vez, ela não pegaria leve. Morgana não queria matá-lo, muito menos havia desistido de fazê-lo seu. Ela só queria se certificar de que ele era o parceiro perfeito que ela tanto ansiou.
Colin percebeu que desta vez era para valer, então abriu um sorriso.
— Aí está, a Morgana da terceira geração.
[Estrondo!]
Morgana partiu em uma largada que praticamente destruiu todo chão de concreto em instantes. Envolto por faíscas, Colin escapou do punho de Morgana que se chocou contra a parede mágica do castelo, fazendo-o tremer por inteiro.
Em sua sala do trono, Graff viu poeira cair do teto e seu orbe de luz oscilar.
[Estrondo! Estrondo! Estrondo!]
Ambos iam de um lado para o outro de forma frenética. Morgana tentava acertar algum golpe em Colin, mas ele desviava ligeiramente, indo da parede para o teto, do teto para o chão e do chão para a parede em fração de milésimos de segundos.
Por incrível que pudesse parecer, Morgana não estava tão atrás se tratando de velocidade, mesmo que não usasse nada da árvore-do-céu. Por pouco seus socos não acertavam Colin. Há alguns meses, Colin perderia em velocidade, mesmo com sua árvore primária.
Ele sabia que Morgana não pararia até atingi-lo, então ele precisava ganhar ao menos alguns milésimos de segundos de vantagem para atacar.
Um vulto celeste era seguido por um vulto escuro de um lado para o outro de maneira incessante. Se aquela arena não se reconstituísse, ela já estaria em completa ruína. Pouco a pouco, Colin aumentou a velocidade, e Morgana tentou alcançá-lo, mas até que conseguisse realizar tal ato, Colin havia ganho a vantagem que tanto queria.
Ele havia conseguido levar a luta para o topo da arena.
Apoiou o pé na parede e avançou contra Morgana, a atingindo no abdômen.
[Pancada!]
A onda de choque rachou as paredes de concreto que logo se reconstituíram. Colin estava colado a ela, e pro seu azar, Morgana não sentiu em nada aquele golpe. Ambos estavam no ar, mas seus movimentos rápidos fizeram parecer que estavam flutuando. Ela juntou as mãos e tentou jogar Colin para baixo, mas ele desapareceu e reapareceu a seu lado, tentando chutá-la na costela, mas Morgana se defendeu com um dos braços.
[Agarra!]
Ela agarrou o calcanhar de Colin e o jogou para baixo em alta velocidade, mas ele conseguiu se equilibrar no ar e apoiou os pés no chão gentilmente. Morgana se inclinou enquanto estava em queda. De seus pés, se formou um círculo mágico roxo. Aquele círculo servia como apoio, então ela dobrou os joelhos e saltou para baixo como se fosse um torpedo, zunindo no ar.
Girando, ela tentou acertar um chute de cima para baixo direto na cabeça de Colin, mas ele desviou para o lado no último segundo. O pé dela destruiu o concreto a pouco reconstituído. Cerrando os punhos, ela socou Colin, mas ele levantou a guarda antes. Mesmo se defendendo, os golpes de Morgana continuavam pesados e destrutivos. Num estrondo ele foi jogado na parede da arena. Morgana crispou os dedos e afiou as unhas. O mesmo círculo mágico roxo se formou abaixo de seus pés e ela avançou.
[Estrondo!]
Ela havia enfiado a mão no concreto, bem ao lado da cabeça de Colin. Ambos cruzaram olhares e sorriram um pro outro enquanto tentavam recuperar o fôlego.
— Você é bem exagerada…
— E você deveria parar de fugir!
— Talvez eu devesse…
[Prisão de raios]
Correntes elétricas travaram a movimentação de Morgana. Colin concentrou mana elétrica em um dos punhos e socou o rosto de Morgana com tudo.
Cabrum!
Ouviu-se um barulho alto de trovão. Fora tão alto que todos que estava no castelo conseguiram ouvir e arena se rachou do chão até o teto.
Para surpresa de Colin, Morgana nem se mexeu.
Ela abriu um sorriso enquanto o punho cerrado de Colin estava em seu rosto. Fazendo força, ela arrebentou as correntes e Colin recuou para longe rapidamente. Aquilo o assustou, fazendo-o se questionar o quão forte Morgana era, já que provavelmente aquele foi o soco mais forte que ele já deu na vida.
Ela estava de costas para Colin, e Colin percebeu gotas de sangue pingarem direto para o concreto. Morgana se virou exibindo seu sorriso de dentes pontiagudos enquanto seu nariz sangrava.
Foi a primeira vez em séculos que alguém de fora da sua família conseguiu fazê-la sangrar. Ela se sentiu orgulhosa de Colin, ainda mais porque ele tinha muito a evoluir. Se continuasse com a luta, ela acabaria se empolgando demais e machucaria Colin para valer. Então, ela lutou contra a própria excitação e decidiu encerrar as coisas por ali antes que elas ficassem sérias demais.
— Acho que já chega. — disse limpando o sangue do nariz com o polegar. — Você ficou mesmo mais forte, isso é bom.
Colin desfez sua guarda.
— Justo agora que eu havia acabado de me aquecer?
— Não seja tão convencido, você teve sorte.
Coçando a nuca, Colin desviou o olhar.
— Morgana… eu não sei como te agradecer…
Ela abanou as mãos.
— Lute comigo de novo quando se fortalecer, da próxima vez será sem pausas.
Colin deu alguns passos e ficou frente a Morgana.
— Um abraço de despedida?
Ela cruzou os braços e inclinou a cabeça.
Abraços não faziam seu estilo. Morgana preferia deixar aquele tipo de coisa de lado.
Colin deu de ombros e avançou dando nela um abraço apertado. Ela fechou os olhos e sentiu os braços dele por sua cintura e retribuiu, passando os braços pelo pescoço dele.
Seu corpo frio sentiu o calor do corpo dele, e ela se sentiu bem. Aquele era o calor diferente que se sentia ao estar próxima de uma fogueira, ou do calor do sangue que ela adorava beber.
Sentiu o cheiro de suor do amigo, e Colin sentiu o mesmo cheiro das rosas do jardim.
O calor das pessoas era diferente, ainda mais pessoas com quem ela se importava. O restante de sua família também tinha corpos gelados, e Morgana não era muito de abraçar outras pessoas.
Mesmo nunca sentindo o calor do sol antes, ela se perguntou se ser tocada pelos raios de sol era algo semelhante ao abraço que recebia. Ela não queria soltá-lo, estava bem aconchegante ali.
— Morgana…
Ela abriu os olhos rapidamente e se desvencilhou de Colin.
— Bem, Hehe, eu… boa sorte na sua jornada… tenho que ir e ver se Graff precisa de mim para algo…
Avançando, ela o abraçou mais uma vez, bem rápido. Coçou a nuca e depois ficou brincando com os indicadores erguidos na altura de seu pescoço. Seu rosto corou e ela olhou para o lado.
— Se você decidir voltar, o castelo estará de portas abertas, tá?
— Com certeza eu volto. Até mais, Morgana. Se cuida.
— Você também.
Colin deixou a arena e caminhou pelo corredor do castelo, indo em direção para fora do mesmo. Ele se despediu dos vampiros, menos de Graff, que não apareceu para se despedir. De seus amigos, somente Brighid apareceu. Colin não se importava muito com despedidas, ele os veria novamente dentro de alguns dias.
Os cavalos já estavam preparados. Safira subiu em um, Leona em outro e Colin estava de frente para o seu conversando com Brighid.
— Quando chegar no vilarejo, mande um abraço ao ancião por mim. — disse Brighid — E vê se não se mete em nenhuma confusão, você me prometeu, lembra?
— Lembro.
Brighid o abraçou, depois lhe deu um beijo.
— Que perfume é esse na sua camisa? É… diferente…
Colin engoliu o seco e coçou a nuca.
— É só a blusa, ela tem esse cheiro mesmo, mas enfim, eu já vou indo, a gente se vê daqui a alguns dias.
— Tá bom, se cuidem vocês duas também.
— Não precisa se preocupar — disse Leona segurando um chapéu de bruxa pela borda — Diferente de Colin, eu sou alguém consciente. Não o deixarei se meter em confusão.
— Estou contando com você, Leona! — disse Brighid. — Com você também, Safira!
Safira empinou seu nariz.
— Nem todo mundo é como Colin, não se preocupe.
— Até parece que sou assim. — Ele disse.
As três riram, e Colin subiu no cavalo.
— A gente se vê!
Ele balançou as rédeas e o cavalo trotou em direção a saída do enorme castelo. Passaram pela redoma que deixava o clima agradável e encontraram um frio glacial. Por sorte, eles estavam bem agasalhados.
Enfim, Colin partiria atrás de respostas e esperava as ouvir da boca de alguém da mesma raça que a dele.
…
Na sala do trono, Morgana estava de frente para Graff. Ela parecia incomodada com algo, e ele percebeu. Bebeu de sua taça de sangue e apoiou o cotovelo no braço do trono.
— O que foi? Chateada por ser rejeitada?
Morgana franziu os lábios e fez que não.
— Não é isso.
— Então o que é?
— Por que não contou a eles que vamos ajudar os caídos a derrubar a capital? E se algo acontecer com eles?
Graff abriu um sorriso de canto e bebeu do sangue.
— Olhe para você, uma mulher com mais de um milênio de existência, uma notória guerreira preocupada com um bando de pirralhos que acabou de conhecer. O errante te deixou fraca.
Olhando para baixo, Morgana engoliu o seco.
— Não fiquei mais fraca… — murmurou.
— Ah, não? “Por que escolheu a mulher de cabelo verde a mim?” Por Deus, que coisa deprimente. — Ele bebeu do sangue mais uma vez — Mas tenho uma resposta para sua pergunta. Brighid é mais forte que você. Ela te venceria em uma batalha e você sabe disso.
Os olhos dela ficaram marejados, mas se recusou a chorar na frente de Graff, por mais que aquelas palavras machucassem mais que um soco carregado de poder.
— Sinto muito por decepcionar o senhor…
Graff suspirou.
— Você é como uma filha para mim, e eu sempre vou amar você. Tudo que faço é para proteger nossa família, inclusive treinar aqueles garotos.
Ela ergueu as sobrancelhas e Graff continuou.
— Tirei a maldição da fada justamente para ela dar cabo de alguns caídos para nós no futuro.
— Mas senhor, e nosso acordo com eles?
— Acha mesmo que eles vão trazer Alucard de volta? Ele quase matou o caído da ilha das fadas, o caído mais poderoso quase foi subjugado por um dos nossos. Somos uma ameaça para eles, “eu” sou uma ameaça para eles.
Graff se levantou e caminhou até a janela observando a lua.
— A ordem dos conjuradores, Obsidiana de Movor, A encruzilhada, O espelho de Igrida, assim que o império de Ultan cair, esses ratos vão sair de seus esconderijos e começara uma guerra de verdade pelo direito de governar esse mundo.
De certa forma, aquilo deixava Graff excitado. Ele sabia muito bem do poder dessas organizações. A dimensão do confronto seria algo que não foi alcançado nem quando os errantes eram uma organização ativa a centenas de anos atrás.
Por cima dos ombros ele encarou Morgana.
— Lestat me questionou do porquê eu não vou à ilha das fadas caçar o caído com a essência do infinito. Eu disse que seria fácil demais acabar com aquele cretino naquele estado. Quando eu o enfrentar, será de igual para igual. — Ele voltou os olhos para lua — A maré dos eventos está mudando. Tudo ficará mais interessante daqui para frente. Entende porque não podemos nos preocupar com ninguém além da nossa família?
Morgana arqueou os lábios e assentiu.
— Entendi…
— Ótimo. Vá tomar um banho e se apronte para o jantar. Não se preocupe com o errante, apesar de fraco, o garoto tem potencial para superar você, até mesmo se igualar a Lestat. Agora vá.
Depois de uma reverência, Morgana se retirou.
Ele não disse, mas pensou na possibilidade de Colin ultrapassá-lo, mas logo se desfez desse pensamento. Em sua mente aquilo era impossível.
Graff somente o deixou vivo porque Colin ainda seria uma peça importante em seu jogo doentio que se desenrolava em sua cabeça.
Ele olhou para baixo, vendo Elhad e Sashri conversando em um canto isolado.
Desde que botou os olhos neles pela primeira vez, Graff suspeitou de algo. Ele tentou os observar usando suas sombras que percorriam todo castelo, mas de alguma forma não conseguiu. Não falou para ninguém de sua família, apenas deixou as coisas seguirem seu fluxo natural.
Não era a hora de caçar ratinhos, já que pretendia liquidar o ninho inteiro em breve.