O Monarca do Céu - Capítulo 330
A guerra nas terras de Ultan.
Lettini cavalgou em direção a um vilarejo, e Falone a seguiu de uma distância segura. Ambos seguiam uma fumaça escura que subia até as nuvens.
A poeira levantando-se atrás dela enquanto o cavalo galopava com firmeza. À medida que se aproximava, a cena à sua frente se desenrolava como um pesadelo, mas para Lettini, aquilo soava mais como um sonho desperto.
As casas queimavam ferozmente, suas chamas lambendo os céus com voracidade. O calor intenso era palpável, e as colunas de fumaça negra se elevavam em espirais sinistras, obscurecendo o horizonte.
O crepitar do fogo ecoava pelos arredores, preenchendo o ar com uma cacofonia destrutiva.
No chão, Lettini via os corpos caídos dos habitantes do vilarejo.
Homens, mulheres e até mesmo crianças jaziam ali, vítimas de uma possível batalha brutal. Os olhos vidrados dos soldados olhavam para o céu, e o silêncio pesado da morte pairava sobre aquele lugar amaldiçoado.
As ruas estavam repletas de destroços, com escombros de casas destruídas e pertences pessoais espalhados pelo chão.
O cenário era apocalíptico.
— Os Nortenhos fizeram isso consigo mesmos? — indagou Falone aproximando de Lettini com seu cavalo. — É crueldade demais aniquilar seu próprio povo.
Ela abriu um sorriso. — A fumaça, esses corpos… eles nos queriam aqui, isso é uma armadilha. Vamos ver o que eles reservaram para a gente, hehe!
Lettini desmontou de seu cavalo, observando o resultado da destruição diante de seus olhos.
— Va-Vão se esconder até quando? — Sua voz medrosa ressoou.
O fogo, que consumia as casas com ferocidade, desapareceu em um estalar de dedos, deixando somente a fumaça preencher o ar.
Das casas antes em chamas, soldados despontaram portando suas espadas, lanças, arcos e bestas. Eles pareciam fora de si.
Babavam como um cão com raiva, e seus olhos estavam retraídos como se estivessem em êxtase.
Falone afastou sua capa e apoiou a mão em sua espada.
— Carniceiros? — disse um homem em cima do telhado exibindo seu sorriso sinistro. — Vocês vão se arrepender de tudo que fize-
Crash!
Uma seta varou a cabeça dele, disparada por um dos homens de Lettini. O homem bateu as costas no telhado, e embora houvesse pego em cheio, ele se ergueu, retirando a seta da testa.
Os carniceiros ficaram em choque. Eles não se pareciam mortos-vivos. A Aura era diferente, de algo ainda mais perigoso.
Ouviu-se o som uníssono de espadas sendo sacadas.
— Acabem com eles!
Os Nortenhos saíram eufóricos de onde estavam, partindo para cima dos carniceiros em uma investida suicida. Alguns Nortenhos tiveram suas cabeças decepadas, e outros conseguiram apunhalar alguns carniceiros.
Dois magos do Norte conjuraram enormes bolas de fogo, lançando no campo de batalha, fazendo com que o fogo consumisse tudo que fosse atingido por ele.
Carniceiros também tentaram revidar, mas os Nortenhos sobreviviam mesmo sem cabeça, fazendo a batalha virar epicamente.
Boom!
Mais uma explosão, e as casas foram queimadas, queimando junto os Nortenhos e os Carniceiros, consumindo ambos até as cinzas.
— Lettini! — chamou Falone, cortando um Nortenho em três em um movimento preciso. — Precisamos recuar! Reúna os seus homens, ou não sobrará ninguém!
A medrosa retirou uma adaga de dentro da capa. Suas mãos tremelicavam.
— Fa-Falone, se eles não morrem, então a gente pode torturar o quanto quisermos?
— O quê? — Ele cortou em três mais dois Nortenhos como se fossem manteiga. — Do que está falando, temos que recuar!
— E-Eu já volto!
Ela dobrou os joelhos e avançou em uma velocidade assustadora, degolando os Nortenhos que estavam no caminho, desviando de golpes, fazendo com que seu rosto fosse salpicado com sangue de seus oponentes.
O foco dela era o homem no telhado.
Bam!
Ela havia chegado ao telhado, ficando a cinco metros de distância daquele Nortenho alto com uma espada longa em mãos.
— Vo-Você é forte, né? — Ela jogou a adaga de uma mão para a outra rapidamente. — Te-Tem que ser…
Ele apontou a espada para ela. — Por que não vem tirar a prova?
Lettini curvou o corpo e avançou, ainda trocando a adaga de mãos. Foi quando ela desapareceu, ficando completamente invisível.
Crash!
A Adaga foi atravessada na testa do soldado, e lá estava Lettini, estampando seu sorriso medroso. — Me-Merda!
Apressada, retirou a adaga do Nortenho e defendeu-se do poderoso golpe de espada, que a fez ser lançada violentamente para trás em uma cambalhota acrobática.
“Ele não morre, mas sangra.” Ela continuou trocando a adaga de mãos, dessa vez mais rápido. “Esse é do tipo que tenho que levar a sério, né?!”
— La-lá vou eu!
Avançou novamente ficando invisível e cortando a jugular do Nortenho. Ele apanhou sua espada, pronto para dar um golpe em área a girando, na esperança de atingi-la, mas seu braço foi ligeiramente cortado em três partes.
Crash! Crash! Crash!
Ele olhou para sua espada, e ela também havia sido cortada.
Antes que ele pudesse fazer algo, viu sua visão ser partida ao meio, e logo depois sua cabeça explodiu devido a tantos cortes que levou em tão pouco tempo.
Ploft!
O corpo do Nortenho desabou no telhado e rolou por ele até se espatifar no chão lá embaixo.
Não demorou para que Falone também conseguisse deter todos aqueles Nortenhos, os retalhando por inteiro a um ponto que seus corpos não se moviam mais.
Os carniceiros haviam sido aniquilados, não sobrando uma única alma sequer além daqueles dois.
O chão do vilarejo estava encharcado de sangue, assim com a roupa deles dois. As casas não mais queimavam com tanta ferocidade e o fogo abaixou, até extinguir-se por completo.
Em um movimento tão sutil quanto gracioso, Falone voltou a espada para a bainha na cintura, olhando a cabeça decepada de um dos magos que havia o atacado.
— Vo-Você foi bem rápido! — disse ela aproximando-se saltitante. — De-Deixou alguém vivo?
Falone alisou o cabelo loiro encharcado de sangue para trás.
— Não me segurei. — Ele olhou entorno. — Devíamos retornar, eles nos aniquilaram, mataram até os cavalos.
— E-estamos longe de qualquer forte — disse ela. — Po-podemos ser atacados enquanto retornamos…
— E o que sugere? Que eu e você continuemos a avançar? Não conhecemos essas terras, e podemos morrer por falta de comida e água, sem falar nas criaturas que devem aparecer incessantemente. Eles nos pegaram.
Com um suspiro Lettini assentiu. — A-Acha que ela vai brigar com a gente? — O pânico dela começou a ficar evidente. — A ra-rainha louca! Vai arrancar as no-nossas cabe-beças!
— Isso não vai acontecer — disse a tranquilizando. — Estamos trabalhando para ela, mas nosso superior é o senhor Colin. A rainha não fará nada que vá contra a vontade dele.
— É… — disse mais calma. — Vo-Você tem razão, vamos voltar.
[…]
Dasken continuava a marchar com seus homens rumo a um grande forte do antigo território de Ultan. Tomá-lo significaria que a grande guerra por aquele extenso continente estava próxima do fim.
Com um cigarro entre os lábios, Dasken vislumbrou de cima de um alto morro um exército numeroso, as bandeiras com um urso tremulando com o vento forte, trazendo o cheiro de cinzas e pólvora.
— Senhor, — chamou um de seus homens — Brag, o amputador. Nossos espiões disseram que quem ocupa o forte é ele.
O comandante dos carniceiros soltou fumaça pelo nariz. — Há quantos Nortenhos aqui?
— Cerca de trinta mil, senhor.
— E nós somos quantos?
— Cento e vinte homens, senhor.
Dasken assentiu. — Mande um corvo para a rainha, diga para mandar reforços. Eles devem levar alguns dias para chegarem, mas isso não deve ser problema para nós.
O soldado fez uma reverência e se retirou.
Soltando fumaça pelo canto dos lábios, Dasken fitou novamente o acampamento numeroso. Apesar de estarem longe de seu objetivo principal, ao superarem essa defesa, bastava alguns quilômetros e alcançariam a cidade onde o causador de toda aquela rebelião residia, Rei Leif.
[…]
Após o confronto de seus homens com sangue modificado contra os carniceiros, notícias chegaram até ele pelos corvos. Os carniceiros haviam recuado, mas os dois comandantes dos carniceiros continuavam vivos.
Essa notícia foi o suficiente para colocá-lo em pânico.
Não bastava derrubar somente os peões, mas todas as peças que protegiam o rei, e seus homens não conseguiram fazer isso em meses de invasão.
Leif também estava ciente de que seu último contingente misterioso estava a postos, e se ele falhasse o seu pequeno período como rei teria um fim trágico.
Ele começava a considerar todas as opções, principalmente a rendição, mas não sabia como fazer. Leif subestimou a rainha, e agora suas opções estavam ficando escassas.
O rei Leif estava em seu quarto, olhando para um retrato de sua filha, a princesa Lyriel. Ela era sua filha mais velha, ruiva dos olhos azuis. Estava a protegendo para que ela fosse usada como moeda política no futuro, e sentia que o momento estava próximo.
Seu filho homem também estava protegido, já que seria ele que iria garantir a longevidade de sua linhagem. Queria o garoto por perto, o educando, treinando, enquanto sua filha existia para o único motivo de parir filhos de outro homem e acalmar os ânimos de duas nações em guerra.
Um de seus conselheiros adentrou o quarto.
— Meu rei, o que o aflige? — perguntou o conselheiro careca e corpulento, entrando no quarto.
— Se eu dissesse a você que chegaríamos tão longe em apenas um ano, você acreditaria? — O conselheiro continuou em silêncio. — A queda de Ultan foi benéfica para nosso povo, mas ela também trouxe outras aberrações para o jogo de poder… Yanolondor, os gigantes, Loafe, Ayla, Alexander, Colin… todos esses desgraçados brigando até a morte, e nós só queríamos ficar em paz, cultivar a terra, viver do que ela pode prover…
O conselheiro assentiu. — De fato, senhor. Acho que estamos vivenciando um momento único na história do continente.
Leif devolveu o quadro a estante. — Runyra se tornou o maior império que já existiu, e mesmo que ele caia amanhã, já estará marcado o que ele alcançou… Agora que o norte pertence a Runyra, acha que eles conseguirão pacificá-lo?
— Você quer minha resposta sincera?
— Por favor…
— A primeira leva, aqueles nobres, eram inimigos políticos da rainha. Fizemos um favor a ela os matando, mesmo que eles tenham levado consigo mais de 50% de todo nosso exército. Essa segunda leva, com esses carniceiros, tem menos de quinhentos homens e estão acabando com nossas forças que ainda resistem… ainda não acho que eles sejam a força principal dela… mesmo se derrotarmos esses carniceiros, ela virá com outra carta na manga.
Leif assentiu, seu semblante exalando preocupação.
— Acha que Alexander pode ser derrotado?
— Senhor… estamos nos preocupando somente com a Rainha Ayla, mas outra rainha foi coroada recentemente, a Santa de Valéria, Brighid. Não podemos esquecer do rei Colin, que carrega uma lista de feitos gigantesca. Não é somente a força militar deles que é impressionante, mas os três pilares que sustentam tudo isso. Para derrubarmos Runyra, temos que derrubar os três, e se nem Alexander fez isso ainda… não acho que será nós que conseguiremos….
Ouvir aquilo doeu mais que levar uma apunhalada no peito. Era difícil encarar todos os fatos, principalmente quando Leif se imaginava dobrando os joelhos para outro Rei.
— E o que você pretende fazer, meu rei?
Leif suspirou.
— Eu pensei em uma proposta ousada, mas talvez eficaz. Em vez de dar minha filha para a rainha Ayla, eu poderia oferecê-la ao seu marido, o Rei Colin.
— O Rei? Mas ele não é um homem perigoso? Sua filha poderia correr perigo se ele botasse as mãos nela…
— Isso não importa, e ele pode ser mais grato a mim por lhe dar uma esposa tão bela e nobre como Lyriel. Além disso, ele pode ser um contrapeso ao poder de Ayla se eu conseguir ganhar sua confiança e amizade.
— E você acha que Ayla aceitaria essa proposta?
— Eu não sei. Talvez ela fique ofendida e furiosa. Talvez ela ache que eu estou tentando humilhá-la ou desafiá-la. Mas talvez ela também veja a vantagem de ter um laço familiar comigo. Talvez ela perceba que eu estou reconhecendo sua superioridade e me rendendo à sua vontade.
— É uma ideia arriscada, meu rei. Mas pode valer a pena tentar. Você tem coragem de fazê-lo?
— Eu tenho coragem de fazer qualquer coisa para salvar meu reino. Mas eu também tenho medo das consequências. E se Ayla rejeitar minha proposta e atacar com mais fúria? E se Alexander me trair e se aliar a ela? E se minha filha me odiar por entregá-la a um homem que ela não ama?
O conselheiro permaneceu em silêncio por alguns segundos.
— São riscos que você terá que enfrentar, meu rei. Mas lembre-se de que você não está sozinho. Você tem o apoio de seus súditos, de seus soldados, de seus amigos.
— Obrigado, pensarei em tudo que conversamos e tomarei uma decisão em breve.
— Que os deuses o abençoem, meu rei. E que eles nos protejam de Runyra.