O Monarca do Céu - Capítulo 11
Madrugada.
A Fada havia partido para ficar perto do cavalo. Já Colin e Safira pegaram uma residência aos pedaços ao fundo de uma choupana.
Não era um hotel cinco estrelas, mas era o suficiente para pernoitar.
Colin estava com as cobertas na altura do abdômen e com os dedos entrelaçados atrás da cabeça, observando as estrelas pelo buraco no teto.
Diferente das casas ao redor, a que estavam era a que menos tinha cheiro de mofo. Colin estava distraído, pensando em como maximizaria suas habilidades para o combate. Ele não queria depender tanto da Fada e muito menos de Safira.
Depois de um longo suspiro, ele virou para o lado, encarando Safira ainda acordada. Ela parecia um pouco cabisbaixa, mas Colin não deu a mínima. Se ela precisasse conversar com ele, então ela diria algo.
Ele se ajeitou naquela cama de palha que ficava no chão e se virou de costas para Safira.
Depois de um minuto ela resolveu falar.
— Colin… — chamou ela baixinho.
— Hum? — grunhiu ele de olhos fechados.
— Você não está com medo?
Em teoria, o que ele mais deveria temer era a morte, e de fato, ele já havia morrido uma vez.
Ele compreendeu que a morte não deveria ser temida, pois quando chegar, ele não estará mais ciente dela.
Seu maior receio, talvez, era se apegar emocionalmente a alguém novamente, como se apegou aos seus pais ou à sua ex-noiva.
— Medo do quê? — perguntou desinteressado.
Safira engoliu o seco e se sentou encarando as costas de Colin.
— Não sei… de tudo… enfrentemos um demônio e eu sou um Caído… — Ela abraçou os joelhos e enfiou a cabeça no meio das pernas. — Eu… estou apavorada…
Colin nunca se deu bem em confortar pessoas, suas habilidades sociais para isso eram quase nulas.
Passando mais tempo com o seu pai do que com sua mãe, ele aprendeu a falar somente o necessário e aprendeu a provocar quando era preciso.
Talvez por isso teve poucos amigos, assumindo um comportamento mais bruto na maioria das vezes.
— Não precisa ficar com medo — disse ele. — A Fada é uma monarca de duas Árvores. E, além disso, ela não pode ferir humanos. Então em relação ao demônio a gente tá bem. E sim, você é um Caído, mas isso não significa que você seja como eles — ele fez uma pausa. — Vá dormir, pensar demais nessas coisas só adiará o seu sono.
— Hum…
Safira se deitou e cobriu, mantendo os olhos nas costas de Colin. Ela não queria incomodar, mas ela precisava distrair a mente, até pelo menos pegar no sono.
Algumas coisas martelavam na cabeça de Safira desde que ela o viu pela primeira vez no vilarejo, salvando-a daquele soldado.
— Colin… — chamou ela mais uma vez.
— Hum?
— Você é mesmo um Elfo Negro?
Nem mesmo ele tinha a resposta para esse tipo de pergunta, pois apenas o rotularam disso assim que colocaram os olhos nele.
— Talvez… — respondeu sucintamente.
— É que você se parece mais com um humano do que com um Elfo… Suas orelhas não são pontudas e você não é tão alto quanto um Elfo… De qual tribo você veio?
Colin se virou encarando Safira iluminada pela luz da lua que vazava pelo buraco no teto. Ela parecia uma criança inocente encarando-o com aqueles olhos grandes brilhantes.
Parando para pensar, eles já estavam juntos fazia dias, e Colin sabia mais sobre Brighid do que sabia sobre a garota na sua frente, mas aquilo não o incomodava, ele nunca foi de falar muito sobre si mesmo, nem quando vivia na terra.
Safira havia perdido a família fazia dias, já Colin, perdeu tudo que tinha fazia algum tempo.
Ele se lembrou o quanto desejou alguém para conversar em seu momento de fraqueza, e se apoiou na sua ex-noiva, que por não suportar a carga emocional que Colin jogou sobre ela, acabou abandonando-o.
Eles nem haviam sentado para conversar, ela apenas terminou com ele por mensagem, pegou todas suas coisas e desapareceu do seu radar, bloqueando-o de todas as mídias sociais na época.
Desde então, ele tinha certa dificuldade para se abrir com outra pessoa, pois considerava aquilo uma fraqueza, a mesma fraqueza que o lançou na solidão em que ele estava antes de vir para este novo mundo. Contudo, ele não se importava que as pessoas se abrissem para ele.
— Vim de um lugar longe — disse ele. — Você não conhece.
— Hum… sente saudade de casa?
Pensou por um instante.
— Não sinto saudade nenhuma daquele lugar.
— Nem dos seus pais?
Colin fez que não com a cabeça.
— Eles já estão mortos.
Safira engoliu em seco.
— Sinto muito…
Safira ficou em silêncio por alguns segundos.
— Sinto saudade de casa… — disse ela. — Não do vilarejo, mas da minha casa de verdade.
“Casa de verdade?”
— De onde você veio? — perguntou Colin.
— Vivíamos em um vale verde, cercado por montanhas e florestas — Safira esboçou um sorriso se recordando do lar. — Era eu, meu pai, mamãe e meu irmão mais velho…
Nunca passou pela cabeça de Colin que Safira tivesse uma família comum, para ele, era apenas a garota e sua mãe vivendo naquele vilarejo afastado.
— Você é uma tiefling, ou melhor dizendo, uma Asmurg, não é?
Ela fez que sim com a cabeça.
— Estou mais para uma mestiça… meu pai era um Asmurg, mamãe e meu irmão eram humanos… — O olhar dela se entristeceu. — Tenho um pouco de saudade deles…
“Uma mestiça… talvez seja esse o fato de ela se parecer tanto com uma humana, mesmo sendo de uma raça onde as espécies se parecem com dragões.”
Já que Safira havia começado a falar mais sobre ela, Colin decidiu descobrir tudo que ela estivesse disposta a contar.
— E o que aconteceu com seu pai e seu irmão?
Safira desviou o olhar, franziu os lábios e depois voltou a encarar Colin.
— Conhece a Irmandade dos Corvos? — Colin fez que não. — Papai disse serem uma guilda bem forte que atuam em outro continente, mas frequentemente fazem serviços aqui, pois sua força é conhecida por quase todo o mundo. Havia um rei que queria as nossas terras… ele disse que elas eram terras mágicas, que tinham um grande poder — ela fez uma pausa. — Este rei tentou comprá-la de nós, mas papai e os outros não cederam, aquele era o nosso lar…
— E o que aconteceu depois?
Safira continuou em silêncio e subiu as cobertas até a altura do nariz.
— Em nosso vilarejo tinha somente meia dúzia de Asmurgs que sabiam usar magia para o combate, o Rei contratou a Irmandade do corvo e eles nos massacraram. Meu pai protegeu a mim e mamãe para que a gente fugisse, mas ele…
Safira piscava constantemente para afastar as lágrimas e por pouco não conseguiu. Não que ela tivesse apagado o sentimento que tinha da sua família, mas ela queria se espelhar em Colin, e ele raramente transmitia esse tipo de sentimento. Ela o viu lidar com o ancião e como o vilarejo o respeitou. Ela estava tentando se parecer com ele, pelo menos no modo de agir.
— E seu irmão, o que aconteceu com ele? — perguntou Colin.
— Eu não sei… mamãe disse que ele estava fora do vilarejo quando fomos atacados, mas não sei se ele está vivo.
Mesmo não lendo os pensamentos, Colin entendia que Safira ainda tinha esperança que seu irmão estivesse vivo. Ele viu isso no olhar dela iluminado pela luz da lua. Para Colin, esse tipo de esperança era um erro.
— Sei que quer que seu irmão esteja vivo, mas é melhor aceitar o fato que ele morreu. É mais fácil viver dessa forma do que alimentar algo que você nem sabe se é real.
Mesmo relutante, ela resolveu fazer o que Colin disse, afinal, ele parecia sempre saber o que estava fazendo.
— Acho que você tem razão… — disse ela num tom abafado pela coberta.
— Esse Rei, ele está em posse das terras que eram de vocês?
Ela fez que sim.
— Às vezes… quando estava com mamãe no vilarejo atacado pelos soldados, ouvíamos histórias sobre nosso lar, de que o Rei estava conseguindo aumentar drasticamente o poder do seu exército… acredito que eles ficaram bem fortes…
Colin se virou de costas.
— Você é um Caído, assim que tiver aprendido o suficiente sobre magia, conseguirá recuperar seu lar. Não me entenda errado, não estou te dando esperanças, estou apenas supondo caso você consiga ficar tão forte quanto imagino.
— Eu sei…
— Agora vá dormir, amanhã treinaremos assim que o sol nascer.
— Tá…
Safira virou-se de costas e sorriu. Mesmo com toda desgraça que havia acontecido com ela, no fundo, ela estava feliz por conhecer alguém como Colin.
Seu jeito altruísta e direto lembrava em muito seu irmão mais velho, e de alguma forma, ela se sentia segura com ele.
Essa personalidade mais séria de Colin e o jeito extrovertido da Fada deixava tudo menos solitário.
— Obrigada, Colin…
Colin a ouviu agradecer, mas fingiu que já estava dormindo. No fundo, ele desejava que a relação dos dois não fosse tão próxima, afinal, caso precisasse a descartar futuramente, ele estava disposto a fazer sem pensar duas vezes.
Ele havia cometido o erro de apegar-se a ela no começo de sua jornada, mas estava disposto a mudar isso, enxergando-a somente como uma ferramenta para seus objetivos futuros.
Apegar-se o menos possível as pessoas.
Essa era a forma que ele havia encontrado para tornar sua vida menos dolorosa, pois todo mundo que ele conheceu, acabou indo embora em algum ponto.
O futuro confronto contra o demônio iria decidir se suas companheiras seriam úteis para ele ou não. Se não fossem, ele daria um jeito de se livrar delas, como se fossem ferramentas quebradas sem mais utilidade.