O Horror de Portsworth - Capítulo 6
PARTE 6: SUICÍDIO
Em um momento, Sandor e Lecram pareciam estar em choque, encarando o vazio. Todos no grupo ficaram preocupados com a sanidade dos dois. Tentaram acordá-los do transe, mas não havia o que ser feito. Eles sabiam que ambos estavam perdendo a cabeça, mas não esperavam que o guerreiro investisse repentinamente contra o druida, partindo sua cabeça ao meio.
— Pessoal… — Sandor voltara à consciência, percebendo o que havia feito.
O corpo de Lecram se mesclava lentamente ao chão, tornando-se parte do pesadelo, como se a caverna estivesse o devorando.
— Sandor… — Keiniz deu um passo para trás, quando o guerreiro se aproximou.
— O que você fez?! — Friynn apontou seu dedo contra o líder, pronta para se defender, caso fosse preciso.
— Adran! — o humano avançou contra o clérigo, segurando-o pelo braço. — Você precisa revivê-lo! AGORA!
— Eu não posso fazer isso.
— Todo mundo aqui sabe que você pode!
— Eu não vou fazer. — O elfo se desvencilhou do assassino. — A Morte é absoluta, Sandor.
O clérigo foi surpreendido por um soco na cara. Seu corpo foi direto ao chão, adquirindo um corte na boca e perdendo um dente. O guerreiro havia rasgado o próprio punho, tamanha a força do golpe.
— SEU DESGRAÇADO! — Sandor tentava investir para mais um soco, como um animal raivoso. Keiniz e Friynn o seguravam com dificuldade. — DIZ ISSO DE NOVO!
— Olha o que você fez! — Keiniz estava perdendo as forças. — Esse lugar te dominou!
— Seu idiota! — Friynn não segurou as lágrimas, mas manteve a força que prendia o guerreiro. — Esse não é você!
Alderman permanecia imóvel, sentado no chão coberto de sangue demoníaco. Seus orbes vermelhos encaravam o corpo de Lecram.
— Não pode ser… — Adran se ergueu novamente, com os olhos arregalados e tremendo de medo. — O que vocês estão fazendo aqui?!
Seu grupo de companheiros havia sumido. No lugar deles, havia o túnel encharcado de sangue, onde boiavam os corpos de diversos elfos retalhados. Todos olhavam para ele, com olhares inquisidores.
— Meu filho… — Um idoso, com a garganta cortada, lutava para pronunciar palavras guturais. — Por que você fez isso?
— Vocês mataram a minha família! — O clérigo estava vermelho de ódio.
O devoto da Morte sentiu algo entre as pernas. Uma cabeça decepada sorria com o carinho de uma mãe.
— Não é verdade. — A mulher era terrivelmente linda, o que apenas amplificava o horror sentido pelo elfo. — Nós somos a sua família.
— NÃO MINTA PARA MIM! — Adran chutou a cabeça para longe, usando os resquícios de suas forças.
Suas pernas fraquejaram e ele afundou no sangue, encharcado pelo suor e desatando em um choro preso há séculos. Sentia o terror deformando sua alma com uma angústia desesperadora que o acompanharia pela eternidade.
— Minha deusa… — As lágrimas saíam vermelhas. — Eu sei que eles não eram minha família… Você não mentiria para mim. Me mostre o caminho… Eu imploro!
— Adran! — Friynn atingiu um tapa no rosto do clérigo, que não esboçava reações após o golpe de Sandor. Havia entrado num transe. — Acorda, seu desgraçado!
O devoto da Morte abriu a boca, deixando um fio de baba escorrer junto ao sangue do corte.
— Adran? — A draconata deu um passo para trás, percebendo que todos os outros haviam sumido, com exceção do elfo.
Algo subia pela garganta do clérigo. Suas veias se enegreciam, enquanto o corpo tornava-se cada vez mais roxo, pela falta de oxigênio. A feiticeira gritou, no momento em que percebeu que vermes inchados vazavam pelas orelhas e narinas de Adran. Da boca aberta, repleta de saliva e muco, erguia-se uma enorme lagarta peluda. Desesperada, a jovem resfolegou com dificuldade, entrando em uma crise de pânico.
Sentiu na cabeça uma dor traumatizante, como uma coroa de espinhos cujas ramificações lentamente escavavam seu crânio e envolviam o cérebro. Seus olhos arderam, enquanto suas córneas pareciam estar sendo perfuradas por agulhas fumegantes.
— Eu não posso morrer aqui — a feiticeira começou a repetir para si mesma, percebendo que os vermes nadavam no sangue aos seus pés e ela estava descalça. — Eu sou uma draconata… Não é assim que eu vou morrer!
Sem mais opções, Friynn começou a encher seus pulmões.
— Sinto muito por isso. — Foram as últimas palavras da feiticeira, antes de desferir o sopro gélido mais forte de sua vida.
— BAN! — Keiniz disparou com a varinha, atingindo a draconata e banindo-a para outra dimensão, algo que duraria apenas alguns poucos minutos.
O sopro da jovem começara abruptamente, surpreendendo o mago e o guerreiro. Adran, que estava caído e indefeso, não teve como se proteger. Jazia como uma estátua congelada, já sem vida, tendo um sorriso mórbido no rosto.
— Ela… Ela matou o Adran! — Uma parte do mago invejava o clérigo pela morte rápida.
— MERDA! — Sandor socou a parede de pedra, rasgando o punho. — Nós morremos, não é?! Esses são os Infernos, eu tenho certeza!
— Não tem nada nos Nove Infernos que não seja infestado de demônios. — Keiniz jogou a varinha no chão e armou-se com o cajado de seu pai. — Nós estamos em algum lugar muito pior do que lá.
— Nós precisamos ir mais fundo. — O guerreiro estava decidido. — Não tem outra opção, se quisermos sair daqui.
— Mas e ele?! — Keiniz apontou para Alderman, que continuava sentado.
Três cabeças flutuavam em volta do lich. Por seus pescoços, escorria sangue farto, inundando a sala. As crianças pareciam furiosas.
— Por que vocês voltaram? — O caçador não temia os mortos.
— Nós viemos saber… — Uma delas sorriu amigavelmente. — Por que você não morre de uma vez, tio?
— Eu não posso fazer isso. — Tentava lembrar o motivo. Só vinha dor. — Ainda não vivi o bastante.
— Você já está fazendo hora extra. — A segunda criança parecia desapontada.
Os ossos tremiam, batendo uns nos outros e executando uma serenata macabra. Os orbes vermelhos na face de Alderman se enfraqueceram.
— E o que é a vida, para você? — A terceira criança se aproximou até ficar em uma distância sufocante. O caçador podia ver seus poros e os olhos vazios. — Por que ela é tão preciosa assim? O que falta ver?
— A vida… Ela é… É… — tentava encontrar uma resposta, mas só encontrava dor e arrependimentos. — Ela é como um maldito pêndulo oscilando entre a dor e a frustração!
Empurrou a cabeça do jovem, sentindo-se sufocado, mesmo sem ter pulmões.
— É só isso… Nada mais. — Estava atingindo uma epifania.
— Você está errado. Também existe paz.
O amuleto de bronze começou a brilhar. Sua filactéria. Era o símbolo de seu pacto com Asmodeus, o Lorde dos Nove Infernos. Sua imortalidade.
— Mas você precisa ter coragem, se quiser ter paz.
— Então é assim… Esse tempo todo… — Alderman pegou o amuleto, a fonte de todo o seu sofrimento. — Eu só precisava disso.
Sem hesitações, o caçador destruiu o colar com um aperto esmagador.
Sandor estava pronto para arrastar o lich para os confins da caverna, quando a criatura voltou a reagir. Pegou seu colar chamativo e simplesmente o quebrou, desmontando-se em ossos inanimados. Os orbes vermelhos se apagaram por completo.
— Não pode ser… — O guerreiro se ajoelhou sob a pilha de ossos, enlouquecendo. — SUICIDA MALDITO!
— Nós precisamos sair daqui agora! — Keiniz o puxou pelo ombro.
— Todo mundo morreu… — Sandor permanecia parado. — De novo.
— AQUA — O cajado do mago lançou um jato de água contra a face do líder, tirando-o do choque.
— Eu… — As lágrimas se misturaram à água. — Eu realmente matei o Lecram?!
Sem paciência, Keiniz arrastou Sandor pelo braço, obrigando-o a andar.
— Nós precisamos terminar isso. — Sem opções, o mago tornara-se o líder.