O Horror de Portsworth - Capítulo 3
PARTE 3: A FACE DE ALDERMAN
A caneca contendo o líquido prateado se aproximou novamente de Keiniz.
— Tem certeza que não quer? — O taverneiro tentava ser amigável.
— Absoluta.
— Esse é o elixir supremo do vilarejo Portsworth. É uma iguaria que só se encontra aqui, nesse pequeno paraíso! — Repentinamente, a aberração levantou a caneca. — UM BRINDE!
Os aldeões ergueram suas canecas, brindando em sincronia.
— Fica perto de mim — Sandor sussurrou para o mago.
Uma barata verde caminhava rapidamente pela caneca de líquido cor de prata. Ela sabia que estava correndo perigo, mas não se importou. Precisava desesperadamente de mais daquele néctar dos deuses. Porém, antes que pudesse alcançar o conteúdo, dedos viscosos a capturaram. A coitada ainda tentou se debater, fazendo de tudo para saltar na piscina paradisíaca abaixo de si. Estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe de seu novo vício. Implorava silenciosamente para que pudesse sorver de apenas mais uma gota, antes de ser morta. Mas o aldeão fora impiedoso. Levou o inseto até sua boca e o mastigou por completo. Macio por dentro e crocante por fora.
— Que belezinha! — Ele sorriu, com alguns ovos gosmentos presos entre os dentes.
— Tem alguém sentado aqui? — Alderman puxou uma cadeira, tentando simpatizar com os três aldeões da mesa.
— Tu é cego, magrelo? — o mais sujo zombou, enquanto seus amigos explodiram em risadas.
— Perdoe a minha ignorância. — O caçador sentou-se à mesa. — Eu poderia lhes fazer uma pergunta?
— Cê fala engraçado. — O devorador de baratas pegou sua caneca suja de insetos, oferecendo ao forasteiro. — Por que não toma uma aí, pra relaxar?
— Mas é claro! — Alderman aceitou a caneca, enquanto as aberrações sorriram maliciosamente.
O caçador se ergueu, analisando a consistência da bebida. A superfície era viscosa, com uma película nojenta que se assemelhava a cuspe.
— É realmente uma iguaria e tanto. Bem encorpada.
Quando todos pensavam que iria beber, Alderman entornou todo o conteúdo no chão, arrancando um grito desesperado do taverneiro.
— Pena que tem cheiro de peixe podre e ferrugem.
Keiniz e Sandor empalideceram como se tivessem visto um fantasma.
— Ele não fez isso… — O mago pôs a mão na cabeça, coçando sem parar.
— Ele fez — Sandor sacou a espada novamente.
O caçador sorriu para os aldeões, com sua expressão cínica. Esperava desestabilizar as criaturas, mas não enxergou quando um deles sacou uma adaga.
— Posso fazer a pergunta agora? — Estendeu a mão para o obeso, devolvendo a caneca.
— Mas é claro…
— Por que diabos vocês… — Antes que pudesse terminar, Alderman foi atingido.
A criatura era mais rápida do que pensava. Quatro de seus cinco dedos haviam sido cortados em um único movimento. Os olhos do caçador arregalaram-se, percebendo que seus anéis haviam voado junto aos dedos.
— ALDERMAN! — Sandor percebeu que estava cercado.
— Merda… — Keiniz puxou sua varinha.
Um encantamento estava sendo quebrado. Os dedos de Alderman caíram no chão, sem sangue algum. Os anéis vieram logo em seguida. Armados com adagas, os aldeões estavam sedentos por sangue, mas hesitaram no momento em que perceberam um fenômeno bizarro acometer o corpo do caçador. Viram a pele dele borbulhar, exalando vapor. Seu corpo exibia as intricadas fileiras de fibras e músculos, derretendo até que sobrassem apenas ossos, o amuleto chamativo e dois orbes escarlates no lugar dos olhos. Ele já não era mais humano… Era um esqueleto.
— Meus anéis… — O caçador sentiu a vergonha de ter sua ilusão desfeita. — Vocês vão pagar com as suas vidas.
— Alderman… — Sandor recuou alguns passos, sem acreditar em seus olhos. — O que diabos você é?!
Lecram voava por cima do vilarejo, na forma de uma águia. Vasculhava o local em busca dos aliados perdidos. Já no solo, Adran e Friynn tentavam escutar qualquer coisa que os indicasse um caminho. Repentinamente, o semblante do clérigo mudou. Deixou que sua aura negra fluísse livremente, ficando visível até mesmo àqueles que não fossem sensíveis ao poder divino.
— Adran? — Friynn deu um passo para trás, intimidada. — O que houve agora?!
— Há um morto-vivo por perto. — O elfo serrou o punho, lembrando-se dos ensinamentos de sua deusa. — “Aqueles que desafiam a Morte se acham melhores que os deuses”.
Pela primeira vez, o clérigo esboçou algum sentimento que não fosse tristeza ou insanidade. Rangeu os dentes, deixando o ódio lhe dominar.
— Um erro desses precisa ser apagado.