O Herói das Chamas - Capítulo 9
Passaram-se alguns minutos, e ele ainda não tinha aberto a porta. No fundo, eu ainda tinha esperança de que não passava de brincadeira dele.
Desde o momento em que saí da casa da Sapphire, as roupas que tinha não passavam de pedaços de pano finíssimos, logo não ajudavam na hora de me esquentar.
A brisa fria continuava passando por mim, e a tremedeira se tornou inevitável. Tentava esfregar as mãos e fazer uma massagem pelo corpo, mas, depois de um tempo, isso deixou de funcionar.
Minha visão aos poucos ficava cada vez mais opaca, e a sonolência invadia meu corpo, não conseguia mais respirar pelo nariz, então me contentei a fazer isso com a boca.
Alguns minutos antes de perder as forças das pernas, tinha tentado esquentar meu corpo através de alguns exercícios, mas só consegui acabar com toda a energia.
Meus dedos já estavam congelados, e algumas manchas surgiram pela minha pele. Não conseguia me manter de pé, então sentei no chão, com as costas apoiadas na porta da casa.
— Por favor… — falei, com os últimos segundos de consciência.
***
Abri os olhos novamente. Incrivelmente não estava mais frio, mas sim até relativamente quente, o clima mais agradável que já tinha sentido. Era a mistura certa entre o frio e o calor.
Estava em um quarto de madeira, sem um móvel sequer, por isso estava deitado no chão.
— Bom dia, senhor! Finalmente acordou! — Uma criança vestida de branco apareceu do meu lado.
Fiquei sentado no chão. — Então vocês me tiraram assim que eu desmaiei, né?
— Não. Você morreu.
Raciocinei por alguns segundos. Se eu realmente tivesse morrido, então queria dizer que aquele era um anjo que era responsável pela reencarnação das pessoas.
Já tinha lido várias novels que possuíam o mesmo sistema, mas era bem diferente, afinal, nas outras mídias, o pessoal aparecia em uma sala no limbo, então por que não aconteceu comigo?
Bom, definitivamente eu poderia comprovar que não era do jeito que eles retratavam, até porque eu era a prova viva da contestação.
Mas enfim, isso não viria ao caso, então fui direto ao ponto:
— É uma espécie de reencarnação? Agora eu posso voltar para meu mundo? — Nunca perderia uma oportunidade daquelas.
— Micael! Pare de importunar o jovem! — falou uma mulher enquanto entrava no quarto.
De duas, uma: Ou ela tinha algum tipo de parentesco com o menino, ou ele era um anjo e ela era a deusa do purgatório, mas as deusas geralmente eram bem gostosas, só que ela era normal.
Enfim, depois daquilo, o garoto saiu correndo, sorrindo da minha cara. Era por motivos como aquele que eu odiava crianças.
— Peço desculpas pelo meu filho. Por favor, me acompanhe, o Alex está na cozinha. — Ela disse, já saindo. Como ela esperava que eu a acompanhasse?
Levantei-me rapidamente e a segui por todo o caminho. A casa era bem simples, toda feita de um único material e não possuía itens luxuosos como mobília.
Se aquele menino fosse filho dela, então a mulher era esposa do herói? Que tipo de doido trás um moleque para a sua casa? E se eu fosse um comedor de casadas? Era bem improvável que fosse, mas ainda assim!
Acompanhando ela, não andei mais que quinze segundos — afinal a casa era bem pequena —, mas, ainda assim, o tempo passou bem devagar. Senti um frio na barriga intenso só de pensar em me encontrar com o Alexandre de novo.
Estava óbvio que ele simplesmente iria rir de mim e me mandaria embora, possivelmente andando pela neve de novo. Ele pediu para que eu aguentasse uma hora, mas mal passei cinco minutos.
Bom, minha percepção de tempo não era precisa, porque evitei contar os segundos, afinal poderia me atrapalhar de algum jeito.
Fiquei frente a frente com ele. Respirei fundo para não desviar meus pensamentos para coisas desnecessárias.
Alex estava sentado em uma poltrona, lendo uma espécie de diário.
— Você não conseguiu aguentar acordado, não é? — Mais uma vez ele mostrou indiferença.
— É. Eu te disse que isso não era para mim…
— Bem, você está vivo. — Alex abriu um sorriso de canto, provavelmente achou que eu não tinha visto. — Fiquei preocupado por um momento, seu coração havia parado.
— Hã!? Meu coração tinha parado?
Ele ficou em silêncio.
Que tipo de frase era aquela? A pessoa que havia me prometido vários socos instantes antes disse que estava preocupado comigo.
Eu continuava a observar sua expressão. Seu rosto parecia relaxado, como se tirasse um peso das suas costas. Ele aparentava estar feliz.
— Sabe — a mulher entrou na sala de novo, mas desta vez carregava uma bandeja com xícaras sobre ela —, nós tivemos um… pequeno trauma com o último pupilo…
— Não precisava falar sobre isso. — Alex começou a massagear a própria testa.
— Precisava, sim. Quem é esse? Ele morreu? Cadê ele? — perguntei.
Os dois ficaram em silêncio.
— Arrgh! Que injusto! — Eu estava indignado. Que tipo de pessoa toca em um assunto interessante só para deixar ele de lado no mesmo instante? Obviamente eu ficaria curioso, mas eles pareciam não ligar.
Alex se levantou, pegou o pequeno diário que estava lendo e guardou no seu casaco de pele. — Vamos continuar o treinamento.
— Nem ferrando. Você não disse que meu coração parou?
— Eu consigo te ver de pé, então ele deve ter voltado a bater — disse já abrindo a porta. — Sem moleza.
— Mas eu vou sem roupa pra frio? — perguntei.
Depois de escutar aquilo, ele voltou para dentro de casa e me entregou uma muda de roupa. Basicamente, era uma bota de couro, luvas e casaco preto e um manto xadrez com as cores vermelho e preto.
Resumindo, eu parecia um torcedor do Flamengo no meio da neve.
Mais uma vez pisei na neve, mas, por causa das botas — ou pelo meu cuidado extremo depois da última vez —, eu não escorreguei nem afundei, quer dizer, só um pouco.
Por outro lado, o Alex parecia familiarizado com a caminhada, porque estava em um ritmo bem mais rápido, mas sem medo.
Assim que eu fiquei de frente pare ele, Alex falou: — E então? Vamos começar?
A ideia de um treinamento não me chamava muita atenção, mas se valesse a pena como nos animes, com certeza faria sem pensar.
— Bom… confesso que estou empolgado.
Ele abriu um sorriso. — Beleza. — Mas logo sua expressão fechou. — Boa sorte.
E assim começou meu treinamento invernal.
***
Eu disse que era um treinamento invernal, mas estava mais para infernal, mesmo.
Alex, logo no primeiro dia, sem hesitar, mandou-me fazer cem flexões. Obviamente fiz, mas puto da vida. Nas primeiras trinta, eu já estava tremendo muito, tanto que só aguentei até sessenta.
Nunca tinha feito mais que dez flexões na vida, então acreditei ser um número bom, porém meu “sensei” me esculhambou o máximo que pôde.
Depois disso, fui obrigado a correr. Ele não me contou o tanto, mas me fez correr muito, muito! Minhas pernas estava mais doloridas do que meus braços.
Durante o dia tive outras sessões extremas, como agachamentos, polichinelos, carregar uma tora de madeira nas costas e levar socos. Sim, levar socos.
Sempre que terminava o treinamento do dia, ele me dava vários socos por todo o corpo. Claro que às vezes ele variava com chutes e joelhadas, mas de qualquer jeito tomei porrada.
Passamos umas quatro semanas nessa rotina. Durante este tempo, tentei fugir 35 vezes no total, mas em todas as vezes ele me impedia e batia com tudo.
Se quer saber, o treinamento poderia ser resumido em “tomei porrada”, afinal foi isso mesmo que aconteceu. Eu apanhava até por respirar “errado”.
De acordo com ele, respirar inflando o abdômen era como assinar o tratado de morte, então ele me fazia sentir um pouco da dor da morte.
Mas nunca entendi, era bem mais fácil fazer aquilo, então por que ele dizia que estava fazendo errado? Enfim, para não apanhar mais, comecei a respirar “certo”.
Não entenda errado, não adquiri uma técnica de respiração que me deixava muito poderoso, mas, na verdade, não percebi diferença alguma, só deixei de levar porrada.
Durante essas quatro semanas pude perceber que minha vida foi uma mentira. O que pensei que fosse acontecer não deu. Sempre via adolescentes de 14 anos treinando por uma semana e ficando sarado, mas eu não tinha mudado tanto assim em um mês.
A única coisa boa que aconteceu foi a minha amizade com Micael, filho do Alex. Por mais que o pai fosse um demônio, o moleque era gente boa.
Pode parecer que descrevi quatro semanas de uma forma simplista, mas foi apenas isso, eu apenas apanhei, dormi no chão e passei frio. Tudo isso com meu uniforme pirata do Flamengo.
Estava contente com a situação, mas algo aconteceu.
Havíamos terminado mais uma sessão. Obviamente eu estava deitado no chão da varanda, morrendo de cansaço.
— Arf… Arf… Quando é que eu vou usar magia? — indaguei ao meu mestre.
— Se depender de mim, nunca. Da última vez, você saiu cheio de queimaduras — respondeu sem demora.
— Aaargh… que paia.
Eu já sabia que dificilmente ficaria forte, porque, mesmo depois de tanto treinamento, só estava dolorido, então depositava minhas energias mentais na magia.
Mas estava claro que ele aniquilaria toda e qualquer esperança que eu criasse, nem sabia por que tinha tentado conversar sobre aquilo.
Alguns segundos depois, algo nos chamou a atenção, voando pelos céus.
Alex, assim que viu o que era, estendeu seu braço, eu não sabia o que era, então fiquei apenas observando para ver o que aconteceria.
Uma gigantesca águia pousou no seu braço. Suas penas eram todas brancas, e, no seu bico, carregava um papel enrolado com um pano vermelho.
Ele agradeceu à águia e deu um pequeno petisco para ela, que saiu voando. Já Alex, começou a ler o papel.
— Ei! Por que eu tenho um corvo e você uma águia?
— Cala a boca, estou concentrado.
Não tinha o que fazer, esperei ele terminar de ler. Dava de acompanhar sua leitura pelo movimento dos olhos. Quando chegou no final, suas sobrancelhas subiram um pouco.
— Aconteceu algo? — perguntei após ver sua expressão de surpresa.
— Um monstro invadiu um pequeno vilarejo. Uns guardiões tentaram contê-lo, mas acabaram apanhando, então me chamaram.
— Guardiões? É tipo um herói?
— Sim e não. Basicamente, são duas classes abaixo dos heróis, nem tão fortes, nem tão fracos.
— Saquei. — Com certeza era bem interessante a ideia de existirem vários cargos para os guerreiros. — Mas você vai para a missão?
— Não, porque é você quem vai.