O Herói das Chamas - Capítulo 2
Antes que eu pudesse responder, ele continuou: — Eu passei anos esperando por esse dia, pela volta do que chamam de herói. E é hoje que vou matá-lo! Nem que eu tenha que explodir mais coisas!
Neste ponto, toda a fumaça havia se dissipado, e pude ver bem quem estava na minha frente.
Aquele homem carregava um escudo na mão esquerda e uma bainha com espada na cintura, além de ter todo o corpo coberto pela sua armadura de malha.
O quão azarado eu deveria ser para ter alguém querendo matar o herói logo quando cheguei? Que maldição!
— E então? Você viu ele ou não?
Realmente deveria falar a verdade? Não era um especialista na arte da luta, mas sabia que não daria conta dele. Só a sua aura emanava ódio.
— Não, não vi. — Não era suicida o suficiente para falar que eu era esse herói.
— Tsc. — Sua mão foi estendida à minha direção. — Você é bem inútil.
De repente, uma rajada de vento veio até mim, e fui jogado para longe e bati minhas costas numa parede, caindo duro no chão.
Não sentia meu corpo do pescoço para baixo. A pancada tinha sido forte o suficiente para me inutilizar naquele momento.
— Então ele não vai aparecer, não é? Então acho que vou ter que matar alguém… — Em passos lentos, ele andava em direção aos escombros.
— BUÁÁÁÁ! — Não conseguia ver direito, mas, por causa da voz, tive certeza que era uma criança. — Eu quero a mamãe!
Assim que ela terminou de falar, o guerreiro a levantou pelo pescoço e colocou a mão no rosto dela.
Não tinha coragem para ver aquela cena. Se eu fui totalmente inutilizado, era óbvio o resultado em uma criança: morte certa.
“Que patético! Você só desperdiça sua vida!” Memórias invadiram minha mente.
Nunca fui alguém bom, então era comum ouvir reclamações. Meu jeito submisso a tudo e todos também contribuiu para que eu fosse odiado.
Por não conseguir sequer ter um resultado bom, me isolei completamente, era bem comum ignorar as pessoas que precisavam de ajuda.
Quando precisava decidir entre dar dois reais a um mendigo ou comprar um salgado, sempre escolhia a situação mais favorável.
Diante disso, não seria incomum deixar uma criança morrer para que eu possa viver.
“Eles te escolheram como herói, seu merda! Vai deixar tudo a perder por causa de sua covardia?!”, indaguei comigo mesmo.
Não poderia desperdiçar mais uma vida. Estava a um passo de toda a fama e sucesso que eu poderia ganhar, como poderia amarelar daquela forma?
Cerrei o punho e o apoiei no chão. Aos poucos, levantava-me com a determinação que nunca havia sentido antes.
— Ei, malfeitor! —Já de pé, chamei sua atenção. — Solte a criança.
— Ah… por que eu deveria fazer isso? — perguntou.
“Desta vez será diferente… vou mostrar todo o meu poder.”
— Quer mesmo saber o porquê, inimigo do bem? — Coloquei a mão direita no peito e estiquei o braço esquerdo para o lado. — Porque eu sou o Herói das Chamas! — falei, enchendo-me de forças.
Antes mesmo que ele pudesse responder, corri em sua direção. O plano era agarrá-lo e derrubá-lo no chão.
Porém, mesmo com um grande lutador logo à sua frente, o guerreiro continuou parado, encarando-me.
Quando cheguei perto, parti para a agarrada, segurei seus dois ombros. Sabia que ele estava me subestimando, afinal não apresentava resistência alguma, então aproveitei para pegá-lo de surpresa.
Quando firmei minhas mãos, coloquei a perna direita por trás dele. Logo em seguida, coloquei toda a força que tinha. Era perfeito, já havia treinado isso várias vezes com meu primo pequeno.
“Tenho que ser o herói que todos esperam… Não posso deixar alguém morrer!”
A força de mil sóis em combustão invadiu meu corpo, sentia que era capaz de derrubar um arranha-céus com as mãos.
“Sinta a fúria de um herói!”, pensei, com todas as veias do corpo saltando.
Ele me deu um soco na barriga, e eu caí no chão.
Caído, comecei a vomitar sem parar. Não esperava que um soco seria tão forte a ponto de fazer aquilo comigo, até porque recebi duas pancadas nas costas a uns segundos. — Sabe… você é bem fraco para ser o Bartolomeu.
Maldito! Ainda ousava me desrespeitar daquela forma!
Até tentei me levantar, mas já estava sem força. Talvez a adrenalina tinha ido embora.
Não demorou para que minha visão escurecesse e todos os sentidos falhassem, acabei perdendo a consciência.
***
Abri meus olhos sem paciência, não aguentava mais desmaiar.
Estava deitado ali, no chão mesmo, mas não no chão da cidade, mas em uma sala escura, que era toda feita de pedra.
Ele era bem grande, e, em suas paredes, havia várias tochas, porém, diferente do normal, elas liberavam uma luz verde.
Levantei-me, olhava para todos os lados, procurava uma alma viva.
Talvez tivesse morrido e minha reencarnação fosse acontecer, mas não tinha uma deusa por ali.
— Procurando algo, Théo? — Alguém me chamava.
Assim que virei, vi um trono gigante, coberto pela escuridão. Não podia ver nada mais que os pés daquele que sentava ali.
— Quem é você? E como sabe meu nome? Se for um inimigo, saiba que eu sei lutar muito bem! — falei, entrando em posição de batalha.
— Não se preocupe, não quero lutar com você, só conversar.
Sua voz era a mais suave que já havia escutado, apenas escutar ela já me deixava mais calmo e sereno.
— Posso saber onde estou? — falei, sentando no chão, com as pernas cruzadas.
— Claro. Nós estamos no meu santuário. Fui eu que te trouxe aqui. Aquela luta foi um tanto conturbada, né? Mas admiro sua coragem.
O fato de ele saber da luta me assombrava por dentro, mas mantive minha expressão o mais neutra possível.
— Primeiramente, gostaria de passar a informação mais importante: você foi invocado por mim.
Estava certo quando pensei que deveria ter sido invocado. Em nenhum momento lembrava de ter morrido, logo não dava para ser reencarnação.
Sendo assim, pela lógica, eu ainda deveria estar vivo no meu mundo, então ainda tinha chance de voltar.
— Fiz isso por causa de um amigo. Ele queria trazer alguém forte, por isso usamos toda a nossa mana, mas foi você quem veio.
— Ih? E qual o meu problema? Ou melhor, qual que é o TEU problema?
— Vou direto ao ponto: você é um erro. Ninguém te quer aqui, pois é fraco e covarde, mal consegue se manter de pé quando precisa salvar uma criança. Ainda bem que outro herói chegou.
Definitivamente foi um choque. Tudo bem, eu sabia que era fraco, mas não era preciso humilhar, até porque apanhar era o melhor que podia fazer.
— Mas por que você disse isso? Aquele cara era bem forte — retruquei. Não poderia aceitar ser humilhado. — Além de que aguentei bastante.
— Sabe aquela criança que você “salvou”? Foi ela que derrubou o homem. O herói só teve que prendê-lo.
“É… talvez ele esteja certo…”, refleti.
— Se eu sou tão fraco assim, me manda de volta! — gritei. Estava indignado com tudo aquilo.
O silêncio se instaurou na sala. Eu esperava uma resposta, mas parecia que ele não queria responder.
— Sobre isso…
***
Não podia acreditar.
O homem passou uns trinta minutos explicando por que eu não poderia voltar para casa. No fim, tudo se resumia em: “acabou a mana”. Maldita falta de verba.
Quando ele falou que fui invocado, pensei que deveria derrotar o Rei Demônio ou algo do tipo, mas ele só queria alguém forte por causa do tal amigo dele.
Chamem-me de criança, mas tinha a esperança de finalmente ser alguém importante, afinal nunca passei por algo perto disso.
Já não tinha esperança, nem queria mais viver. Eu seria só mais um fraco, como no meu mundo. A única diferença era que no lugar que estava havia criaturas gigantes e muito fortes, ou seja, morrer era ridiculamente fácil.
Sabe por que eu era fraco? Simplesmente porque, no mundo onde tudo o que importava era a magia, eu não podia usar mana. De acordo com ele, o máximo que conseguiram fazer era aumentar minha força e resistência, mas nada tão grandioso.
— Não precisa ficar assim… — Ele tentou me consolar. — Sempre tem outro jeito…
— O jeito é que a única perspectiva de esperança era eu ser um herói, mas tudo foi pro ralo. — Lágrimas desciam do meu rosto.
— Bom, tem uma forma de você voltar para casa.
Levantei-me com muita pressa. — Me explica como!
— Este cristal se chama Amon, ele é capaz de armazenar a energia vital do mundo. — O tal cristal veio flutuando até mim. — Você só terá que matar alguns monstros, pois todos têm mana dentro de si. Só não sei como irá fazer isso.
Ignorando o fato de ter sido menosprezado ali mesmo, peguei a pedra. Seu formato era comprido e um pouco maior que a minha mão.
A verdade era que seria bem difícil de conseguir matar alguma coisa. Nem mesmo o menor dos obstáculos eu conseguiria vencer.
— Mas como vou saber que é o suficiente? — indaguei.
— Quando ela brilhar, saberá.
“Realmente bem intuitivo…”
— Só uma coisa. — O ar da sala mudou. De repente, senti-me pressionado como nunca fui. A aura dele era esmagadora.
— S-sim? — Não deu para esconder o medo.
— Vou esconder o seu segredo, mas me prometa que nunca, nunca, nunca, nunca se envolverá nas minhas coisas. — Ele estava pronto para pular no meu pescoço.
— Sim senhor! Eu prometo!
Quando estava esperando mais coisas assustadoras, o homem simplesmente começou a rir.
— Ha… Ha… — Também acompanhei, mas desconfiado.
— Muito bem… — Ele parou. — Acha que consegue sobreviver a este mundo? — Sua risada se transformou em um sorriso maléfico.
Diferente da minha vida de antes, eu deveria treinar e lutar pela vida. Seria um tanto difícil.
No entanto, tinha um trunfo, afinal não tinha algo a perder. Se eu morresse, alguém realmente se importaria?
Mesmo que tivesse medo de partir, no fim, aquilo não importava. Ninguém se importaria com um zé ninguém.
Com isso em mente, já tive minha resposta. — Eu vou voltar pra casa, custe o que custar.
— Entendi… — falou, descendo de seu trono.
Assim que chegou perto o suficiente, pude ver finalmente sua aparência.
A pele dele era extremamente pálida, cabelo a mesma coisa, chegava a ser assustador, parecia que estava falando com uma folha de papel aquele tempo todo.
— Aliás, como eu posso te chamar? — falei, sem graça.
Sua mão foi posta em meu ombro. — Pode me chamar de Deus.